terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um novo ano...

Por Jéferson Dantas

Isto que nos arvora a cada fim de ano, crentes numa mudança essencial. E são as nossas vontades e desejos em jogo... Ouvir a música preferida, telefonar para o amigo distante, ser surpreendido por um alô de um amigo distante...
Não reavaliamos apenas o curto trajeto de um ano, mas o trajeto de uma vida inteira. Tudo está tão encadeado! E a nossa potência criativa se transborda quando é possível compartilhar nossos medos, aflições e afetos singulares.
Que 2009 venha com seus novos desafios... despertando-nos da apatia coletiva, ajudando-nos a (re)construir um mundo mais justo e fraterno!

sábado, 13 de dezembro de 2008

O nefasto AI-5


Por Jéferson Dantas

No ano em que se comemoram os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, o Brasil também rememora o fatídico Ato Institucional nº 5 (AI-5), decretado pela ditadura militar no dia 13 de dezembro de 1968 e que impôs a todos os brasileiros o regime da mordaça, do silêncio e do medo. Foi com a posse do general Costa e Silva em 1967 que o período ‘linha dura’ do regime militar teve seu início, culminando com o fim do mandato do general Médici em 1974. Depois, houve a lenta e gradual distensão política iniciada por Geisel e concluída por Figueiredo (1974-1985). O Estado de Exceção afastou os militares ditos ‘moderados’ e todos os políticos civis. Constituiu-se um aparato repressor paralelo ao Exército e o recrudescimento das torturas e intensificação sem controle da estratégia da suspeição.

O fechamento do regime e a demora em reabrir o processo político prometido pelo marechal Castelo Branco, fez com que um elevado contingente de lideranças políticas civis, estudantes, setores progressistas da Igreja Católica e ex-presidentes da República fossem colocados na ilegalidade. A marcha dos cem mil no estado do Rio de Janeiro exigindo a redemocratização foi a gota d’água para os militares linha-dura. Com a organização da oposição e as ações armadas, o regime militar ativou/criou novos ‘instrumentos legais e ilegais’ para combatê-las. Com o AI-5 editado sem ‘prazo de validade’, os generais-presidentes podiam suspender o habeas-corpus, intervir nos estados e municípios; demitir e aposentar funcionários públicos (incluindo professores universitários); cassar políticos ‘desviantes’ e prender lideranças sindicais. A censura aos meios de comunicação recrudesceu e era terminantemente proibido fazer qualquer crítica negativa ao regime militar. Estabelecia-se, assim, o Estado de Segurança Nacional!

Quarenta anos depois, as seqüelas deste período amargo e melancólico da história brasileira estão longe de serem apagadas. Arquivos guardados a sete chaves pelas Forças Armadas ainda continuam inacessíveis aos pesquisadores e, fundamentalmente, inacessíveis aos cidadãos brasileiros que têm direito de conhecerem cada ato de tortura (crime imprescritível) realizado pela ditadura militar, assim como a localização exata dos corpos de presos políticos desaparecidos. Toda a bruma de terror herdada do período militar permanece no imaginário coletivo nacional como um fantasma. Cabe ao Estado de Direito, com a devida pressão da sociedade civil, reescrever a história deste país com justiça, eqüidade e, principalmente, respeito à memória das vítimas de um regime inescrupuloso e ainda bastante ileso em relação às suas práticas brutais.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os espaços sociais como experiências libertadoras



Por Jéferson Dantas

Em contraponto às utopias tradicionais, defendidas, principalmente, nos séculos 18 e 19 e tendo como teóricos fundantes Fourier (1768-1830), Owen (1771-1858) e Proudhon (1809-1865), o geógrafo britânico David Harvey (foto à esquerda) enaltece o ‘utopismo dialético’. Sua obra Espaços de Esperança (2006, Edições Loyola) é uma referência teórica efetivamente libertadora nestes tempos de discursos hegemônicos, ou como dizia a ex-primeira ministra britânica, Margareth Tatcher, um momento histórico onde ‘não há alternativas’. Tal concepção político-ideológica (neoliberalismo) abrigada sob o espectro da globalização acomete um contingente populacional significativo à miséria ou à total indigência social.

As contradições evidenciadas entre capital e trabalho ou entre as forças produtivas e relações de produção, hodiernamente, ocultam-se sob os auspícios da flexibilização do capital e na busca de recursos humanos polivalentes, o que demanda ‘novas competências e habilidades específicas’. Todavia, as particularidades do mundo produtivo não podem ser compreendidas como ações meramente reativas à violência impingida pelo capital. Em outras palavras, os arbitrários culturais criados, alimentados e reproduzidos pelo modus operandi do sistema capitalista não devem ser encarados como algo ‘natural’ nas mais diferentes e diversas esferas sociais. A universalidade e as particularidades sociais encontram-se intimamente enredadas, pois os processos relacionais são dialéticos e não determinados a priori. A realidade concreta não é uma justaposição de eventos desconectados. Como bem assinala Harvey, temos de refazer os nexos históricos e geográficos que os pós-modernos fragmentaram. Mas, por que pensar a transformação da realidade? O que significaria um ‘utopismo dialético’ em tal estágio das forças produtivas materiais? Ora, antes de tudo, pensar em novas possibilidades de existência e de resistência nos espaços sociais atualmente conformados aos arbitrários culturais dominantes. Exige, sobretudo, que façamos a crítica – e não só – ao legalismo formal (com todas as suas regras, sanções e uma jurisprudência desmobilizadora); e ao Estado como um todo, que funciona como mediador privilegiado das tensões entre capital e trabalho. Não por acaso, espaços educativos são terrenos concretos e simbólicos onde impera a verticalização do poder; onde não há ‘tempo’ e nem ‘espaço’ para a criação e o planejamento. Os/as agentes de mudança ou os/as ‘arquitetos/as rebeldes’, como prefere Harvey, quando conseguirem se livrar das amarras do imediatismo produtivo e do mundo da aparência, poderão se conectar com outras redes colaborativas. São estas redes organizadas os germens disruptivos que farão frente ao estabelecido, gerando espíritos consistentemente politizados e atentos ao assombro acelerado da barbárie.

Nesta direção, a metáfora do literato português José Saramago na obra ‘Ensaio sobre a cegueira’, traduz de forma trágica e não menos real, que a espécie humana em situações-limite ou diante de tragédias comuns, comporta-se de forma irracional e brutalmente violenta. A cegueira coletiva da qual somos todos tomados, recrudesce - quando diante de catástrofes naturais como esta que assolou parte do estado de Santa Catarina – não é compreendida de forma ampla. Boa parte dos desabrigados, desalojados e famintos catarinenses, são homens e mulheres que sempre viveram em espaços precários e de risco permanente. Logo, pensar a cidade e os territórios institucionalizados é pensar em alternativas litigiosas que vislumbrem espaços coletivos humanizados e harmonizados. Sobretudo, ultrapassar os limites espaços-temporais desenhados pela predatória lógica capitalista, onde o que está no horizonte é a especulação imobiliária, destruição de recursos naturais, poluição incessante de automotores e templos de consumo para um extrato social diminuto. David Harvey nos faz refletir sobre que espécie desejamos ser daqui por diante: predatória ou solidária? Bárbara ou socializadora?


PARA SABER MAIS

HARVEY, David. Espaços de Esperança. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.



segunda-feira, 24 de novembro de 2008

As chuvas em Santa Catarina e o descaso do Poder Público






'São anos de descaso do poder público em Santa Catarina', avalia pesquisadora

Guilherme Balza, do UOL Notícias/ São Paulo (SP)

As características do solo e do relevo e as condições climáticas anômalas não são capazes de sozinhas explicar a tragédia ocorrida em Santa Catarina. Mais do que os fenômenos naturais, o descaso do poder público ao longo das últimas décadas foi a principal razão do elevado número de mortos, desabrigados e desalojados em decorrência das chuvas que atingiram o Estado no mês de novembro. Quem faz essa avaliação é a geóloga e pesquisadora do grupo de estudos de Desastres Ambientais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Maria Lúcia de Paula Hermman.
A Defesa Civil de Santa Catarina registrou, até o momento, 50 mortes, 7.703 desalojados e 15.434 desabrigados, vítimas, sobretudo, de inundações, desabamentos e deslizamentos de terra. Para a pesquisadora, que monitora os desastres ambientais ocorridos no Estado desde 1980, "há muito tempo essas tragédias vêm se repetindo em Santa Catarina e nada de efetivo foi feito por parte do poder público".
Hermman admite que uma quantidade incomum de chuva atingiu o estado nos últimos dias, mas avalia que não houve, ao longo dos anos, o esforço necessário dos governos e prefeituras para impedir ocupações irregulares em encostas de morro e em planícies fluviais, locais que sofrem quando há grande ocorrência de chuvas.

Solo e relevo catarinense

A pesquisadora explica que, ao longo do litoral de Santa Catarina, distribuem-se três grandes "serras". A primeira, semelhante à "Serra do Mar" do sudeste, começa no extremo norte do estado e vai até Joinville; a segunda, conhecida como "Serra do Leste", vai de Joinville até o começo do litoral sul; e a terceira, "Serra Geral", ocupa o litoral sul de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul. Nas proximidades dessas serras estão algumas das principais e mais populosas cidades catarinenses, como Joinville, Blumenau, Itajaí e Brusque.
De acordo com Hermman, uma boa parte da população litorânea de Santa Catarina reside nas médias ou baixas encostas destas serras. Enquanto as moradias localizadas nas médias encostas são suscetíveis a desmoronamentos, as situadas nas baixas encostas costumam ser atingidas por deslizamentos de terra.
"Nas baixas encostas há uma camada espessa, extremamente permeável, conhecida como 'manto superficial', formada pelo desgaste das rochas, causado pelas ações do sol, dos ventos e das chuvas. Essa camada fica entre a superfície e a rocha dura. Quando chove muito, a água ocupa toda essa camada, o manto fica encharcado e os deslizamentos inevitavelmente acontecem", explica a pesquisadora.

Rios

Outra região de risco, segundo Hermman, são as planícies fluviais, ou seja, regiões localizadas próximo das margens dos rios, que sofrem constantes inundações nos períodos de chuva.
"A legislação impede a ocupação de áreas a menos de 30 m de distância das margens dos rios, mas isso não é respeitado em Santa Catarina". A pesquisadora conta que no Vale do Itajaí, região do Estado mais afetada pelas chuvas, uma parcela significativa da população reside nas planícies fluviais.
"Várias cidades, como Blumenau, por exemplo, são cortadas por rios. Muitas rodovias, inclusive, foram construídas próximas dos leitos dos rios", diz. "Não há como transferir uma cidade de lugar, obviamente, mas o governo pode tomar várias medidas, como dragar os rios, aprofundar os canais, retirar as pessoas das margens, construir muros, limpar bueiros, coibir ocupações clandestinas, aplicar multas pesadas, entre outras. As cidades precisam ser reestruturadas e planos de prevenção mais efetivos necessitam ser colocados em prática para evitar tragédias como esta que Santa Catarina está vivendo", completa Hermman.


Prevenção e apoio

O coordenador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE), Gustavo Carlos Juan Escobar, acredita que a Secretaria Nacional de Defesa Civil foi informada em tempo suficiente para se articular com a Defesa Civil de Santa Catarina e impedir que uma catástrofe acontecesse em Santa Catarina.
"Alertamos as autoridades competentes na quarta-feira (19), três dias antes das chuvas mais intensas. Nesses dias dava para ter feito muita coisa para minimizar os efeitos das chuvas", disse.
"Nos municípios mais atingidos, como Itajaí, Blumenau, São Francisco do Sul e Luis Alves, choveu em quatro dias - de sexta (21) à terça (24) - quatro vezes mais do que a média histórica mensal para o mês de novembro. O que precisa ser feito é um trabalho preventivo de longo prazo e uma reestruturação das cidades", avalia.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A República nossa de cada dia



Por Jéferson Dantas

As comemorações referentes aos 119 anos da proclamação da República, que acontecem amanhã (15 de novembro), precisam ser devidamente problematizadas à luz do conhecimento histórico. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, o propagandista mais fervoroso das idéias republicanas, Aristides Lobo, sintetizou de forma muito nítida a participação popular: “O povo assistiu a tudo de forma bestializada”, demonstrando o seu desapontamento pela qual o novo regime havia sido proclamado. Segundo Lobo, o povo que deveria ter sido o protagonista do ideário republicano, não compreendia o que se passava à sua volta, julgando que aqueles homens fardados nas ruas do Rio de Janeiro estariam participando tão-somente de uma parada militar. Seguindo esta mesma lógica de raciocínio, o escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) disse numa determinada ocasião que o “Brasil não tinha povo, mas público”.

Levando em consideração tais aspectos, podemos dizer que o Estado republicano nacional ‘inaugurado’ em 1889 teve pequenos intervalos democráticos. A chamada 1ª. República (1889-1930) enfrentou antigas feridas mal curadas herdadas dos períodos colonial e imperial; o massacre à Canudos (Bahia) por meio de cinco expedições militares (1893-1897), por exemplo, retirou a vida de, praticamente, 30 mil brasileiros. Acusados de monarquistas e de ferirem os valores cristãos, Canudos foi esmagado finalmente no ano de 1897, através de um efetivo militar jamais visto na história do Brasil. Os poucos sobreviventes – em sua maioria, mulheres e crianças – foram violentados e degolados.

Na primeira década da ‘jovem República’, a oligarquia cafeicultora paulista, ao assumir em regime de revezamento com Minas Gerais, o poder executivo nacional, instaurou a ‘República do Café com Leite’ (1898-1930), estabelecendo os pilares de como o país seria governado: agroexportação (café) e exploração incessante de uma mão-de-obra agrária em condições de semi-escravidão. Novamente, a República ‘moderna’ e liberal brasileira destruiriam um movimento de pequenos agricultores em Santa Catarina, conhecido como a ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916). Neste novo massacre do Estado republicano, aproximadamente 15 mil brasileiros foram esmagados para beneficiar os interesses do capital privado internacional. Tantos extermínios sistemáticos continuaram ocorrendo na trajetória nada feliz da jovem República. O período varguista (1930-1945), marcado pela ditadura do Estado Novo, intervencionismo nos estados federativos e censura aos meios de comunicação, também foi responsável pela eliminação física de milhares de brasileiros à custa dos interesses da pátria. Outro exemplo significativo foi a expulsão de pequenos artesãos, mendicantes e prostitutas dos centros da cidade do Rio de Janeiro em 1904 (Revolta da Vacina), então capital da República, pelo prefeito-engenheiro Pereira Passos, desejoso de uma sanitarização social.

Reconhecer os massacres do Estado republicano e a ausência de um projeto social para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as omissões nos setores estratégicos (educação, saúde e infra-estrutura). Contudo, conflitos ideológicos de contornos internacionais (Guerra Fria) tiveram efeitos nefastos para o Brasil e para toda América Latina. A Ditadura Militar (1964-1985) deixou marcas indeléveis em muitas gerações de brasileiros: desaparecimento de presos políticos; torturas; tática da suspeição; fechamento da imprensa livre; mordaça na classe artística; exílios compulsórios; e destruição do modelo educacional em todos os níveis de ensino.

Por conseguinte, abarcar todas as contradições do modelo republicano brasileiro – e aqui tenho plena convicção dos reducionismos históricos –, é compreender os limites de uma democracia liberal legalista, conduzida muitas vezes por tecnocratas e por poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) bastante afastados dos interesses coletivos; um Congresso Nacional formado por 513 deputados e 81 senadores, muitos deles apoiados pelas bases ‘ruralistas’, ‘evangélicas’ e ‘empresariais’. Tal ‘representatividade’ não contribui para elevar o debate sobre a desigualdade social e diminuir a concentração de renda. A política do consenso pela força durante o regime militar foi substituída hodiernamente pela política do consenso legalista (a saída para os problemas sociais é de ordem técnica e não de ordem política). Princípios democráticos esvaziados e uma classe política narcísica ou arrivista têm conduzido o país a uma esquizofrênica conjunção de maniqueísmos levianos e por projetos de poder que reduzem a importância da ideologia e da participação popular.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No limbo


não há certeza

e isso

não importa.


bate-me a porta

e não volta.


ri de tudo

e se conforma.


e a louca-libido

te conforta

como narcótico

e enxurrada.


e limpa

despida

reage

ao segredo do desejo.


e eu fui teu

nestes

acordos mal

costurados do tempo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A lógica da "cegueira"




Por Jéferson Dantas

O livro “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago e recentemente levado às telas pelo diretor brasileiro, Fernando Meirelles, é uma metáfora extremamente lúcida da incapacidade humana em construir laços de solidariedade, mesmo diante de uma tragédia comum. Saramago relata com bastante sensibilidade como as pulsões mais instintivas e/ou bárbaras corroem uma sociedade pautada no desprezo à vida e ao seu semelhante. Uma explosão anômica sem precedentes, que não escolhe grupo social, gênero ou etnia.

A lógica da “cegueira humana” se configura, nesta direção, na incompreensão coletiva de como se engendram todas as formas de exploração de homens, mulheres e crianças; o porquê de existir tanta desigualdade social e concentração de renda; e a naturalização da violência em suas dimensões física e simbólica. É esta mesma cegueira que inviabiliza lutas sociais mais consistentes; que lança à margem àqueles/as que nunca terão acesso ao processo de escolarização e, que por esta mesma razão, correm o risco de serem inempregáveis e mais propensos à indigência.

Contraditoriamente, combatemos, exaustivamente, nossos pares. Plantamos e semeamos a discórdia e nos vangloriamos de representarmos lideranças desagregadoras. Sabotamos projetos alheios e nos aliamos a determinadas concepções políticas que favorecem a acumulação do capital privado à custa da produção coletiva pública. Nossos interesses se definem tão-somente naquilo que é mais imediato e, portanto, totalmente descolado dos nexos históricos que medeiam nossas relações laboriais e afetivas.

Uma sociedade sitiada pela cegueira metafórica é promotora de todos os desmandos nas áreas política, econômica e cultural; não por acaso, o mundo está em crise pela arrogância dos ‘mercadores de almas’, que decidem quem poderá comer hoje e amanhã. Os danos são irreparáveis e inconseqüentes. E enquanto isso os/as cegos/as marcham incólumes, embrutecidos, esperando, quem sabe, uma redenção metafísica atemporal, a-histórica, desprovida de toda e qualquer materialidade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O assombro da barbárie

é rubra
essa dor
que lancina.
e tua cor
fábula
inexistente.
atina
que meu corpo
arde.
e esta
louca nave
que resiste?
e este tempo
de assassínios
e fragmentos?
arriba
marujo das
hostes lamuriantes...
enxerga
a fornalha
e a cega paga destes incautos!
entregar
só o que podes
esmagando dentes e pernas!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Os Analfabetos da Escola


Por Jéferson Dantas


Em recente pesquisa divulgada pelo IBGE, identificou-se que mais de 80% das crianças e jovens que ainda não sabem ler e escrever estão na escola. Tal situação, que vem se agravando nos últimos anos nas escolas brasileiras precisa, porém, ser mais bem problematizada. Acompanham estes índices as diversas reclamações de educadores, que defendem punições mais severas aos estudantes (na pesquisa, mais de 60% dos educadores exigem sanções sumárias para estudantes violentos ou que de alguma maneira ‘não se adaptam’ às regras da escola).

Em primeiro lugar, a violência escolar não pode ser compreendida descolada da violência estrutural. Uma das queixas mais freqüentes dos educadores é a falta de participação das famílias nas escolas e a desestruturação das mesmas. Ora, de que modelo de família estamos falando? Da família nuclear com suas divisões domésticas clássicas onde o pai era o provedor? Ou de famílias onde as mães são as responsáveis pelo sustento familiar ou ainda de famílias constituídas apenas de tios, avós ou agregados? Evidente, que acompanha este raciocínio, o fato dos/as educadores/as terem exíguo tempo para os planejamentos coletivos, o que demandaria, no limite, estudos sobre o entorno social; estratégias de aproximação escola e família; aulas de reforço para os/as estudantes com dificuldades sérias de aprendizagem e, sobretudo, dedicação exclusiva para as atividades pedagógicas numa única escola. Mesmo com estas mudanças (necessárias, sem dúvida alguma), isto não bastaria. As condições de trabalho e planos de carreiras pouco atraentes não conseguem seduzir jovens educadores ingressantes, que cada vez mais abandonam a carreira do magistério, fazendo com que o ambiente escolar fique cada vez mais ‘desabitado’ (absenteísmo docente).

Se o poder público não reconhecer estas demandas da escola, as escolas públicas brasileiras continuarão penando com os índices altíssimos de repetência, evasão e violência. A formação adequada dos/as educadores exige, sobretudo, o reconhecimento de seu ofício como ‘profissão’. Improvisos pedagógicos, ambiente educacional hostil, hierarquia verticalizante, descompromisso com o público e a ‘desistência’ em relação às crianças e jovens que mais necessitam da escola, representa um enorme prejuízo à nação. Em suma, uma tragédia anunciada pesquisa após pesquisa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A arte dos encontros




Por Jéferson Dantas


No turbilhão do mundo infoviário minha caixa eletrônica está repleta de spams, lembretes de responsabilidades acadêmicas, prazos para entrega de resenhas críticas e de textos definitivos para um congresso que será realizado no ano que vem. E, mesmo quando recebo um e-mail de um/a amigo/a, tudo não passa de um anexo com uma apresentação em Power Point. Certo dia, uma colega me confidenciou que não se permite mais entrar em contato com os amigos, pois acredita que tal atitude pode ser compreendida como ‘invasiva’. Já nem conseguimos mais atinar que a ‘invasão’ ocorre todos os dias em nossas casas, escritórios, escolas e ruas da cidade, através de sofisticados mecanismos eletrônicos de vigilância. O Big Brother se materializou na aposta trágica de Orwell.

As grandes rupturas sociais ocorreram nos momentos de elevada crise econômica e de instabilidade das instituições políticas. O gérmen de todo processo revolucionário sempre esteve permeado pela celebração à vida e às experiências elaboradas de trabalhadores e trabalhadoras de diferentes ofícios. A humanidade nos séculos 18 e 19, ainda que timidamente, começava a deixar para trás as indeléveis marcas do misticismo religioso, embora convivesse com as terríveis contradições do escravismo e os limites impostos pelas Monarquias Absolutistas. O racionalismo político e científico possibilitou novas rupturas neste estágio da humanidade. Entretanto, encontros secretos nas tabernas; nas casas de tecelões e artífices; na coletividade dos quilombos; na festividade do sincretismo religioso e nas rodas de batuques, apresentavam possibilidades de identificação social concreta, embora não necessariamente imediatas. O que significou/significa esta herança social para todos nós no século 21?

Ora, a ‘arte dos encontros’ é uma dinâmica coletiva que expressa o que desejamos e os níveis de partilha que asseguram nossa saúde física e psíquica. Todo isolamento é triste e sombrio, conduzindo-nos a um distanciamento do Eros criador e, portanto, a uma internalização parcial do fracasso individual. Perpetuar os encontros que subvertam a lógica asséptica da ‘acumulação flexível do capital’ é uma alternativa permanentemente válida em tempos de desencontros e de ‘amigos virtuais’.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A Educação Brasileira sob a ótica de VEJA


Por Jéferson Dantas [1]

A matéria intitulada ‘Você sabe o que estão ensinando a ele?’ assinada pelas articulistas Monica Weinberg e Camila Pereira no semanário VEJA (edição 2074 de 20 de agosto de 2008) é mais uma afronta à inteligência dos/as educadores/as brasileiros/as. Trata-se de uma pesquisa encomendada por VEJA ao Instituto CNT/Sensus sobre o panorama educacional do país, tanto na rede educacional pública como na rede privada. Ao todo, segundo a reportagem, foram entrevistadas 3000 pessoas de 24 estados brasileiros, entre pais, estudantes e educadores.

Surgida em 1968 sob a égide do regime militar no Brasil (1964-1985), o semanário do Grupo Abril tem se superado a cada edição no que se refere à ausência de ética e a um desmedido processo de desqualificação de renomados pensadores nacionais. A última vítima foi Paulo Freire. Escrevem as articulistas: “Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcaicos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”. Imagino que a esta altura o Instituto Paulo Freire deve estar indignado com uma declaração tão leviana e infame.

Mas, não é só. VEJA mostra-se preocupada com a excessiva ‘ideologização’ dos currículos e ao ‘desprezo’ à lógica do capital ensinada pelos/as educadores/as. Desta forma, aventuram-se na avaliação de livros didáticos de História e Geografia, expondo a visão deturpada de seus autores, quase todos presos às utopias ultrapassadas do século XIX ou às teorias do próprio Marx. Repreendem os autores dos livros didáticos com uma legitimidade surpreendente ao afirmarem, categoricamente, que os regimes neoliberais melhoraram, sobremaneira, a vida dos brasileiros e que a venda de estatais aos grupos econômicos estrangeiros tornou a nossa economia mais dinâmica, além de fortalecer o poder aquisitivo da classe média.

Nenhum/a pedagogo/a foi entrevistado/a na reportagem. Dois educadores foram expostos de forma leviana em relação às suas práticas pedagógicas em duas escolas particulares (melhor seria dizer que foram ridicularizados). E, por fim, convocam pais preocupados com a formação educativa de seus filhos a enfrentarem a ‘esquerdização caduca’ do processo ensino-aprendizagem, que fatalmente não leva a lugar algum.

Ora, o campo educacional é um campo de litígio. Sendo assim, evidente que há uma luta ideológica na composição de currículos e na formação do/as educadores/as. VEJA há algum tempo tem evidenciado sua opção política e ideológica de forma irresponsável e inconsistente. Opta por uma estratégia desqualificatória a-histórica, desprovida de compreensão do movimento dialético que engendrou a pesquisa e o ensino no Brasil. VEJA confunde crítica responsável a um amontoado de opiniões eivadas de senso comum. O pouco cuidado com a relevância do tema, infelizmente, em nada contribui para a ampliação do debate educacional que, evidente, faz-se necessário. A preocupação de VEJA tem endereço certo: esmagar definitivamente o dissenso no campo educacional e promover a acolhida ao deus-mercado como última instância de um mundo agora, hegemonicamente, capitalista. Em outras palavras: silenciem os inadaptados! Silenciem os recalcitrantes das causas carcomidas pela ‘evidência dos fatos’. VEJA, o semanário fascista do momento!

[1] Bacharel Licenciado em História e Doutorando em Educação (Universidade Federal de Santa Catarina). E-mail: clioinsone@gmail.com.

terça-feira, 15 de julho de 2008

TOCA RAUL!





Por Jéferson Dantas

Não há roda de violão ou espetáculo musical que não se ouça a indefectível frase: Toca Raul! Raul Santos Seixas (1945-1989), baiano de Salvador, completaria 63 anos no dia 28 de junho. Um dos mais criativos e irreverentes compositores do rock nacional deixou-nos um legado que promete embalar ainda novas gerações com suas frases de efeito, a partir de um repertório musical eclético e declaradamente subversivo.

Quando os movimentos contraculturais ganhavam as ruas de todas as partes do mundo, Raul Seixas iniciava sua carreira artística em Salvador, já influenciada pelo rock e pelo baião de Luiz Gonzaga, notadamente no final da década de 1950 e início da década de 1960. Gozando de uma vida material relativamente confortável, - já que seu pai era chefe de telecomunicações da Viação Férrea Federal da Bahia e sua mãe uma típica dona de casa - Seixas desde cedo tomou gosto pela literatura, inventando histórias fantásticas para o seu único irmão, Plínio Seixas. O menino que queria ser tão importante quanto Jorge Amado encontrava o seu caminho na linguagem musical, entendendo que suas produções textuais conseguiriam atingir um público muito maior através da música do que propriamente pela literatura.

O contexto da época apontava as canções de protesto e a bossa nova como estilos divergentes e revolucionários no interior da MPB (Música Popular Brasileira), assim como as primeiras experiências sonoras eletrônicas dos tropicalistas e da Jovem Guarda. Os ditos puristas, fiéis ao estilo musical dos cancioneiros regionais, vociferavam contra o que entendiam ser a invasão imperialista na elaboração dos arranjos musicais, principalmente o uso da guitarra elétrica. O debate se estendia entre a linha musical politizada e engajada e a linha mais alienada, influenciada pela sub-cultura do rock. No entanto, segundo análise do professor João Pinto Furtado, a grande mediadora deste debate foi sem dúvida a Indústria Fonográfica, síntese de um dos setores da Indústria Cultural. Mesmo os músicos considerados críticos da pasteurização da cultura, passaram a freqüentar o circuito de produção da Indústria Cultural, já que suas canções tornaram-se sucesso de vendas. Com Raul Seixas não foi diferente. Mesmo a sua irreverência, com doses de insubordinação ou subversão, foi digerida pelo grande público.

A conjuntura do milagre econômico durante o período mais repressor da Ditadura Militar (1969-1974) criava uma falsa euforia na classe média nacional, que passou a adquirir mais e mais bens de consumo, notadamente eletrodomésticos. Os televisores em cores tornaram-se a grande coqueluche da classe média, reforçada pelo espírito integrador da teledramaturgia, do telejornal e das exibições ao vivo do futebol nacional e/ou internacional. Tendo isto em vista, a Indústria Fonográfica encontrava diversos caminhos para divulgar novos artistas ou novas tendências musicais, já que as trilhas sonoras das telenovelas reforçavam dia após dia a mesma cantinela, fazendo com que o espectador absorvesse as canções quase que de maneira osmótica.

No contexto internacional, o inconformismo da juventude se elevava, principalmente com a invasão do Vietnã pelos EUA num dos episódios mais tensos da guerra fria (1948-1989). Segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão foi com a criação da categoria juventude que a Indústria Cultural passou a elaborar novos bens de consumo, principalmente com a invasão do rock’n’roll, emblema de uma referência musical particular do inconformismo juvenil. Entretanto, no Brasil, principalmente com a chegada dos generais-presidentes ao Poder Executivo, o rock’n’roll não era visto com bons olhos, dado o seu caráter transgressor, subversivo e fomentador de rebeldias.

E foi justamente com esta compreensão de que o rock poderia fomentar mais do que uma sensação corporal desprovida de consciência política, que a Indústria Cultural foi buscar com extrema maestria a figura de Roberto Carlos como ídolo da juventude brasileira. Roberto Carlos personificava o estereótipo fabricado pela Indústria Fonográfica, ocupando as tardes de domingo com o programa intitulado Jovem Guarda na TV Record de São Paulo, um ano depois da implantação do regime militar. O programa mobiliza e cria novos estilos lingüísticos (gírias), além de bens de consumo relacionados aos instrumentos musicais, roupas (blue-jeans, casacão de couro), alavancando direta e indiretamente outros bens de consumo associados àquele horário comercial de exibição do programa. Mas, o que importava aos generais do Palácio do Planalto era a liderança alienada de Roberto Carlos e os seus reflexos sobre a juventude brasileira. O próprio rei do iê-iê-iê nacional teria declarado ao Jornal Última Hora de São Paulo, em 1970, que sua postura ideológica era nitidamente de direita, embora nunca tenha gostado “falar de política”.

Neste sentido, os primeiros anos da década de 1970, apesar de terem alçado Raul Seixas à fama, ao conhecimento do grande público, também o levaram a um exílio forçado nos EUA pela Ditadura Militar, principalmente por causa da tão propalada Sociedade Alternativa. Nos shows que realizava para divulgar o disco Krig Ha Bandolo (1973), pela gravadora multinacional Philips, eram distribuídos gibis - manifesto com as diretrizes filosóficas da Sociedade Alternativa. Para a Polícia Federal, estes gibis eram materiais subversivos. Seixas chegou a ser espancado – vendado e completamente despido - no aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, para divulgar a lista dos principais envolvidos no movimento. Assim, em 1974, Raul Seixas foi para os EUA, acompanhado do seu parceiro musical, Paulo Coelho, e de suas respectivas esposas, Edith e Adalgisa. O exílio durou pouco. No mesmo ano, devido ao sucesso do Long Play Gita, Seixas retornou ao Brasil e gravou o primeiro clipe colorido da tevê brasileira, na emissora carioca Rede Globo. A tática da produção da suspeita, da qual Seixas foi vítima, era um dos mecanismos utilizados pela Ditadura para manter a sociedade civil amordaçada, principalmente os músicos e/ou artistas mais engajados.

Se as décadas de 1960 e 1970, principalmente, foram marcadas pela repressão, violação dos direitos individuais, censura à imprensa, torturas, ainda assim, no imaginário coletivo dos movimentos sociais mais identificados com a esquerda e com o retorno da legalidade política, era possível indicar claramente o principal inimigo a ser derrotado: a Ditadura e todos os seus acólitos. Esta era a principal utopia coletiva da sociedade brasileira engajada politicamente. A década de 1980 trouxe consigo o processo de redemocratização do país, anistia política e eleições diretas para prefeitos e governadores. Porém, o conservadorismo político-partidário parlamentar profundamente associado ao regime militar, evitaria a eleição direta para presidente em 1984, com o golpe do Colégio Eleitoral. Para Raul Seixas, a década de 1980 é o início do desencanto e também o momento histórico em que a sua saúde torna-se cada vez mais debilitada.

Seixas alternava períodos de sucesso e de ostracismo. Em 1980 lança um LP pela CBS – hoje Sony Music -, criticando os últimos anos do regime militar e o endividamento externo cada vez mais crescente através dos empréstimos internacionais. Rescinde contrato com a gravadora em 1981 por lhe pedirem que fizesse uma homenagem à Lady Diana. Em 1983 volta à cena num programa infantil da TV Globo (Plunct-Plact-Zumm) cantando Carimbador Maluco, onde ironiza a tecnoburocracia do regime militar com expressões retiradas de um livro de Pierre Proudhon. Lança um LP em 1984 pela gravadora Som Livre, das Organizações Globo, devido ao sucesso de Carimbador Maluco. Internações e uma pancreatite crônica afastam Raul Seixas dos palcos e dos holofotes da mídia. Somente em 1986 volta a gravar pelo selo da gravadora Copacabana num contrato de dois anos. Seu disco derradeiro foi realizado em 1989 pela gravadora WEA/Warner Bros, tendo como parceiro musical Marcelo Nova, um antigo fã e líder da banda de rock Camisa de Vênus.

O último LP de Raul Seixas sintetiza um total desencanto pela vida, por isso, o mais biográfico de todos. Representou a crônica de uma morte anunciada. Bastante debilitado e aplicando-se insulina regularmente, a emissão vocal titubeante de Seixas em nada lembrava o músico irreverente da década de 1970. Os temas principais deste disco foram os xiitas ecologicamente corretos, sintetizados no cantor inglês Sting, que esteve no Brasil posando de defensor da causa verde, reflexo do fenômeno arrivista que se agudizaria na década de 1990. Ainda sobram ironias para os livros mais vendidos do momento – os denominados best-sellers - com temáticas simplórias e repletas de receitas de auto-ajuda. As demais canções revelam momentos da vida do músico, enfim, um inventário de sua produção artística, entremeados com situações vivenciadas nos seus relacionamentos conjugais e/ou afetivos.

Assim, levando-se em conta o que enuncia o historiador Carlos Zacarias F. de Sena Jr, os sujeitos históricos apresentam suas singularidades e mecanismos próprios de compreensão de sua realidade social, e esta compreensão é sempre dialética, historicizada. No conjunto da obra musical de Raul Seixas há uma leitura muito específica do que se passava no Brasil e no mundo, sem perder a coerência e o próprio movimento histórico representado pelo período ditatorial e a redemocratização no país. As novas gerações continuam prestigiando Raul Seixas e suas canções permanecem sendo revisitadas por grupos musicais da atualidade, denotando a proeminência e/ou vigor de sua obra.

PARA SABER MAIS


DANTAS, Jéferson Silveira. História, Música e Ensino: as canções de Raul Seixas em sala de aula (1967-1989). Florianópolis, 1998, 110 f. Trabalho de conclusão de Curso (Bacharelado e Licenciatura em História) - Universidade Federal de Santa Catarina.

FURTADO, João Pinto. A música popular brasileira dos anos 60 aos 90. Apontamentos para o estudo das Relações entre Linguagens e Práticas Sociais. Pós-História, Assis, SP, v. 5, 1997.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e Música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 203-221, 2000.

NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, p. 103-126, 2004.

SEIXAS, Raul. O Baú do Raul. 16 ed. São Paulo: Globo, 1992.

SENA Jr. Carlos Zacarias F. de. A dialética em questão: considerações teórico-metodológicas sobre a historiografia contemporânea. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 48, p. 39-72, 2004.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.


sexta-feira, 27 de junho de 2008

O Mercado da Educação





Por Jéferson Dantas

Em pelo menos duas oportunidades no periódico A Notícia de Joiniville/SC, o presidente das escolas privadas, seção Santa Catarina, defendeu energicamente a contrariedade às cotas nas universidades públicas. Não é de se surpreender, afinal, as escolas privadas e, principalmente, o mercado dos cursos pré-vestibulares, lidam com a lógica da seletividade e da meritocracia. Nesta direção, crianças e jovens provenientes das escolas públicas e, fundamentalmente, a juventude afrodescendente tem menos chances de ingressar numa universidade gratuita.

O espírito republicano nacional só passou a se preocupar com a ‘educação para todos’ muito recentemente. Mesmo os ‘escolanovistas’ na década de 1930, que exigiam a ‘igualdade das oportunidades’ sabiam dos limites e as contradições de um país essencialmente agrário e mais preocupado com a educação das elites rurais. Como bem assinala o sociólogo francês François Dübet, as mesmas oportunidades na ‘entrada’ (ingresso na educação básica) não correspondem a uma trajetória escolar sem percalços na ‘saída’. Em outras palavras, os arbitrários culturais presentes na sociedade e no território escolar, além de selecionarem, reforçam exclusões ou sanções sumárias que podem levar à evasão. A expressão utilizada por Dubet para aqueles que conseguem chegar ao ensino superior não poderia ser mais enfática: os/as ‘sobreviventes’ da Educação Básica.


O mercado da educação precisa justificar sua racionalidade numa sociedade pautada na competição e seletividade cada vez mais intensa. O darwinismo social se perpetua na trajetória escolar; nas escolhas profissionais; num modus vivendi associado ao arrivismo e à capacidade elevada de consumo. Se tais aspectos não são suficientemente elementares para se compreender as opções e lutas de classes e os mecanismos de controle estatal que promovem a mediocridade na Educação Básica pública, então dificilmente poderemos defender ‘igualdade de condições’ num país que oferece escolaridade desigual.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Diretores no parque de diversões





Por Jéferson Dantas


Seria trágico, se não fosse obsceno. Mil e quinhentos diretores das escolas públicas estaduais de Santa Catarina foram convocados para um encontro nos dias 5 e 6 de junho no município de Penha, onde está instalado o parque de diversões do Beto Carrero World. Deve-se levar em conta que na ‘convocação’ dos diretores não havia qualquer pauta. Muito estranho, já que se tratava de formação continuada dos ‘gestores’ educacionais.

Além disso, alguns elementos obscuros se imiscuem nesta pretensa formação: o ano eleitoral municipal. Não é segredo para ninguém que os diretores indicados pelo governador (cargos de confiança) são instrumentos fundamentais em épocas de eleição, já que são cabos eleitorais fervorosos. Tendo este triste panorama como tela, podemos inferir o quanto o processo de politização e democratização nas escolas públicas estaduais catarinenses está tangido pela prática das ameaças; a discussão permanente do currículo escolar em vigor e, sobretudo, a aposta qualificada na formação contínua dos educadores/as tem ido para as calendas gregas. Aliás, pelo calendário oficial da Secretaria de Estado da Educação, os dias de formação continuada foram arbitrariamente determinados em toda a rede pública estadual; todavia, não houve qualquer investimento ou ajuda de custo para que as escolas e centros de educação infantil pudessem articular a vinda de palestrantes ou oficineiros em tais dias determinados (alguns dias de formação acontecerão no recesso escolar). Soma-se a isto o fato da formação continuada não ser contabilizada como ‘dia letivo’ numa leitura enviesada da LDBEN 9.394/1996 pelos técnicos educacionais.

Enquanto os diretores das unidades de ensino estaduais se divertiam na montanha-russa (encarada como atividade cultural), outros diretores se dividiam em palestras (esvaziadas) que, provavelmente, pouco acrescentarão na mudança das práticas pedagógicas e na forma de se gerir a ‘coisa pública’. Não há como escamotear a intencionalidade de propaganda política neste evento. Diretores ganharam agasalhos e kits de apoio pedagógico. Seria uma estratégia de ‘massagear’ o ego destes profissionais? Tal panorama nos convida para uma reflexão aguda sobre o que a sociedade catarinense precisa reivindicar por uma educação, efetivamente, de qualidade, compromisso social e eticidade.



quinta-feira, 22 de maio de 2008

Maniqueísmos de botequim


Por Jéferson Dantas


Um senador associado a uma sigla partidária que, outrora, foi conivente com a ditadura militar no Brasil (1964-1985), tentou de forma capciosa ou ardilosa convencer a opinião pública de que a ministra-chefe da Casa Civil ‘mentiu’ em relação ao dossiê produzido sobre os gastos do governo FHC. Para tanto, utilizou-se de uma artimanha mesquinha ao indagar à ministra se ela teria mentido ou omitido informações para os inquisidores-torturadores sobre os seus ex-companheiros guerrilheiros durante o período do regime militar. Em outras palavras, tentou construir a tese de que se a ministra ‘mentiu’ no passado (ainda que sob tortura), voltaria a mentir no presente para proteger seus aliados políticos.

Tais estratégias de convencimento são perigosas e devem ser problematizadas em seus devidos contextos históricos. No que tange, por exemplo, às ações afirmativas e às cotas públicas para os/as afrodescendentes, os/as desfavoráveis utilizam um único e taxativo argumento: não há diferenças raciais! Pois bem, até quando o debate em questão permanecerá preso aos fatores genotípicos? Se não há diferenças essenciais entre as ‘raças’, porque a população afrodescendente percebe os piores salários, apresenta níveis inferiores de escolaridade e reside nas regiões de grave risco social? Será que é tudo por acaso? Ira divina? Incompetência?
Enquanto a complacência jurídica burguesa e a ignorância
histórica dos pseudo-intelectuais continuarem favorecendo uma perspectiva miserável do debate, o discurso e a ação meritocrática serão as únicas a vingarem!

Se não podemos concordar com a desavergonhada atitude antiética de um senador da República, muito menos podemos ‘baratear’ questões de fundo histórico no Brasil. Há nesse intrincado tabuleiro de xadrez, problemáticas que envolvem questões étnico-raciais, de gênero e, sobretudo, sociais. Logo, são insuficientes e reducionistas visões pré-concebidas que não levam em conta o mínimo esforço propositivo associado à pesquisa e à dialética. Caso contrário alimentar-se-á o maniqueísmo vulgar, bem próprio da conversa de botequim...







segunda-feira, 5 de maio de 2008

Lazer, Trabalho e Contradição




Por Jéferson Dantas



Deparei-me com uma entrevista realizada por um semanário nacional ao consultor estadunidense da Organização das Nações Unidas (ONU), Christopher Edginton. O consultor em questão é secretário-geral da World Leisure Organization, entidade não-governamental que presta assessoria à ONU em questões relacionadas ao lazer e ao desenvolvimento pessoal. Até aí, nada demais. O que espanta são as respostas insuficientes e reducionistas do consultor no que se refere ao mundo do trabalho, tangido pela lógica do capital.

Para Edginton, que esteve recentemente no Brasil participando do seminário O Lazer em Debate, uma das definições possíveis de ‘lazer’ seria o “tempo livre, no qual não se tem que trabalhar para garantir a sobrevivência”; ou ainda “um estado da mente”, que pode ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar. Ainda que entendamos que o lazer e o bem-estar social deveriam ser as metas permanentes dos governos ditos democráticos, não há como dissociar tais elementos da lógica que estabelece e distribui bens econômicos e simbólicos de forma desigual. Em outras palavras, o ‘tempo livre’ ou o ‘ócio criativo’ defendido pelo sociólogo italiano Domenico De Masi, só poderiam funcionar numa sociedade efetivamente equânime, quando então toda racionalidade privatista teria se extinguido. Pensar o ‘lazer’ amparado numa suposição praticamente utópica revela o quanto as contradições do capitalismo estão sendo deixadas de lado, já que tal sistema opera decisivamente na exploração da mão-de-obra qualificada e desqualificada, deixando marcas indeléveis no corpo e na psique humanas.

Para aqueles que entendem ser o ‘trabalho’ uma categoria em declínio e que deveríamos estar antenados num mundo do ‘pós-trabalho’, sugeriria, então, que deixassem de trabalhar e vivessem em função do ‘ócio criador’. Ora, as mudanças no mundo do trabalho contemporâneo apenas se metamorfosearam em novas estratégias de exploração, conduzidas principalmente pelas inovações tecnológicas. Num mundo cingido pela opulência, de um lado, e pela miséria, de outro, deveríamos sim discutir as reparações históricas em relação aos povos massacrados e espoliados economicamente; estes últimos, provavelmente, não sabem o que é lazer.




domingo, 20 de abril de 2008

O ENEM E A DISTINÇÃO




Por Jéferson Dantas


As escolas públicas e privadas melhores classificadas no Exame nacional do Ensino Médio (ENEM) possuem vários aspectos em comum: saídas de campo a museus e teatros; excelente infra-estrutura (laboratórios, quadras de esporte, piscinas); período integral de estudos; reforço na formação humanística, com aulas de Sociologia e Filosofia; educadores com mestrado e/ou doutorado; acompanhamento psico-pedagógico para os/as estudantes; remuneração adequada para os/as educadores e boas condições de trabalho. Aparentemente, não há nenhum segredo aqui, ou seja, quando educadores/as são valorizados/as profissionalmente e quando a infra-estrutura possibilita aos sujeitos aprendentes uma formação mais plena, os resultados, certamente, aparecem.

Todavia, como foi o caso de uma escola privada de São Paulo, a posição no “ranking do ENEM” não foi satisfatória porque parte dos/as estudantes que realizaram as provas pertenciam a um programa de auxílio a jovens carentes (bolsistas da escola). Em outras palavras, a escola privada em questão se eximiu de sua formação e culpabilizou as “marcas de origem” destes/as jovens para o mau desempenho no Exame. E o que dizer, então, das escolas públicas, notadamente, que não possuem banheiros, recursos didáticos complementares e diversificados; apoio pedagógico e até mesmo educadores que preencham todas as vagas nas mais diversas áreas do conhecimento? O que dizer da carga horária destes profissionais em educação que precisam se deslocar de uma escola para outra e são ‘penalizados’ quando precisam se ausentar por total esgotamento físico e psíquico? Até quando um país do porte do Brasil, que investe pouco mais do que 3% do PIB em Educação continuará tratando esta área estratégica com descaso ou políticas públicas paliativas e descontínuas?

Ainda que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/1996) no Título IX das Disposições Transitórias, parágrafo 5º, indique que “serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral”, o que temos em grande medida, são escolas sucateadas e educadores exaustos. Não seria mais prudente que os/as educadores/as pudessem se dedicar exclusivamente a uma única escola, com tempo para planejar e ensinar? Da maneira que se constrói a “distinção” num país eivado de contradições sociais, há uma permanência nefasta em se culpar estudantes pelo “insucesso escolar”, como se a individualização do “insucesso” estivesse descolada de outras problemáticas estruturais, tais como trabalho e renda, moradia e possibilidades de adquirir bens culturais que vão além da escola. Logo, o ENEM continua sendo um instrumento de distinção, além de servir de marketing público para as escolas que conseguem atingir os critérios requeridos.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Todos os desejos, por Jéferson Dantas






O que vaza em mim

desejo-teu

que foi colapso








tua boca

o mistério

não apaga



e tuas pernas,

coxas

nádegas




cheiro que embriaga


e era

a língua

exposta

na antesala








de vômitos

e restos

espelhados



e tuas mãos

hábeis


onde

o líquido leitoso

por fim

aquietara




e eu não

via noite

mais clara





e na varanda

só a fumaça

do cigarro

mais barato


e a quintessência

foi a cena

da tua nudez

muda


e eu já não ouvia




e eram cheiros

nossos

que recendiam


foi tua

última

aparição


minha boca

seca



desejosa de

teus

úmidos

fluidos



e num flux

éramos

engano


miséria

e retidão


eu te escolhera

pela mansidão

do olhar




e também

sofria


e a miséria

era só

minha.
















domingo, 23 de março de 2008

O TRIUNFO DO PRAGMATISMO


Por Jéferson Dantas



Tem sido bastante comum e até mesmo reincidente a aparição de jornalistas e/ou articulistas na mídia de massa que promovem o “discurso da desqualificação”. Tal estratégia da desqualificação nos termos utilizados pela filósofa Marilena Chauí tem um firme propósito: enterrar os dissensos e as falas coletivas discordantes. Portanto, o fatalismo contido nestes discursos impregnados pela ‘lógica do capital’ acenam para a desmobilização social e o triunfo inconteste do pragmatismo.

O sociólogo Carlos Eduardo Sell no caderno AN Idéias de 23 de março de 2008 confronta a validade epistemológica do pensamento marxiano/marxista de uma forma completamente anti-dialética (para não dizer reducionista). Afirma o sociólogo: “Do ponto de vista de sua estruturação lógica, o legado de Marx foi superado pela direção tomada pelo pensamento filosófico e científico contemporâneo. Sob o aspecto filosófico porque o pensamento contemporâneo sofreu, ao longo do século 20, o que se chamou de linguistic turn ou giro lingüístico [...]”. Sell simplesmente enterra a dialética ao compor sua argumentação fundamentada numa suposta ruptura epistemológica que não daria mais vez à compreensão histórica marxista. E, complementa o seu raciocínio, enfatizando que o pensamento marxista – por ser determinista e, portanto, positivista – não teria instrumentos teóricos e metodológicos para confrontar as visões “pós-modernas” da ciência. O sociólogo quer nos convencer de que o materialismo histórico está de fato sepultado, sem discutir o caráter emancipatório da condição humana presente neste construto teórico.

Sell confunde socialismo com ‘socialismo real’. Evidente que Marx teve limites de alcance teórico, caso contrário, contentar-se-ia com exercícios de futurologia. Como bem assinala o filósofo húngaro István Mészáros no seu estudo A Teoria da Alienação em Marx, os detratores marxianos procuram julgá-lo por aquilo que ele não foi ou que não conseguiu teorizar, afinal, é muito mais cômodo expressar juízos de valor do que discutir suas proposições. Entendo que aí residem minhas discordâncias de Sell: estaria o sociólogo fazendo uma comparação grosseira do ‘socialismo real’ do ‘socialismo científico’? Baseado em que fundamentação teórica é possível afirmar que o socialismo científico apresenta um viés puramente economicista ou mecanicista? Não se deve levar em consideração as apropriações realizadas em nome da obra marxiana ao responder a estes aspectos? De que ‘marxismos’ ou ‘pós-marxismos’ estamos falando?

Carlos Eduardo Sell refuta o socialismo porque compreende tacitamente que do ponto de vista político e histórico, o mesmo não representou uma alternativa aos regimes liberais. Pelo contrário. O socialismo suprimiu a democracia pelas vias stalinista, maoísta ou castrista e demonstrou, empiricamente, sua ineficácia no que concerne à produtividade econômica e eqüidade social. A ‘redenção’ teria vindo no final da década de 1980 com a queda do muro de Berlim e os regimes socialistas no leste europeu, assim como o fim da União Soviética em 1991.

A “profunda revisão dos paradigmas existentes”, da qual o sociólogo nos convida a enveredar, não pode se dissociar – como num passe de mágica ou a partir de uma análise transcendente – do inventário teórico de Marx e seus estudiosos. Concordo que precisamos reavaliar as apropriações e os limites do pensamento marxista, mas não posso concordar com a ausência de alternativas à lógica do capital, pois aí sim, estaremos reproduzindo valores voltados à competitividade desenfreada, exploração incessante da força de trabalho e destruição abusiva dos meios naturais.

Sepultar Karl Marx (1818-1883) ou silenciá-lo teoricamente é estar de acordo com visões parciais de mundo; é estar comprometido politicamente e ideologicamente com os pragmáticos que, não por acaso, abrigam-se no legalismo jurídico formal e em certa sustentabilidade calcada no ‘capitalismo solidário’. Para Mészáros todo reformismo de cunho liberal não passa exatamente disso, ou seja, de medidas paliativas que não levam em consideração mudanças efetivamente estruturais no corpo social. Entre a possibilidade de um mundo mais justo e igualitário (que não deve ser confundido com utopia) e um mundo do fatalismo, os pragmáticos optaram por este último, tendo em vista que a internalização permanente da alienação coletiva é incapaz de elaborar um projeto histórico “para além do capital”.

sábado, 22 de março de 2008

Uma noite com Gardel






Era
Um
Tango argentino...




Um
Ar
De tragédia...







Ele


removeu os
Cacos
Da
Queda...




Ela
Impulsionou
As pernas
E
Saiu,
Silenciosamente...



terça-feira, 4 de março de 2008

ANTONIETA DE BARROS PEDE SOCORRO!




Por Jéferson Dantas

No ano passado, a escola de ensino fundamental, Antonieta de Barros, localizada na área geográfica central de Florianópolis, apresentou um problema estrutural em seu prédio, o que colocava em risco as condições de trabalho de educadores e educandos. A situação foi “resolvida” pela Secretaria de Educação (SED) com o fechamento da escola e a realocação de educadores e educandos para outras unidades de ensino do centro da cidade. Todavia, as argumentações ambíguas e/ou escapistas dos representantes da gerência regional de educação, SED e Secretaria do Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis, não apontaram a contento a possibilidade de reabertura do prédio para o respectivo ano letivo; e o que é mais grave: a escola Antonieta de Barros corre sério risco de se transformar num estacionamento, já que seu portão principal já foi derrubado sem qualquer discussão com a comunidade escolar.


As crianças e jovens em situação de risco social representam o principal público atendido pela escola Antonieta de Barros. Nesta direção, a memória da educadora e primeira parlamentar negra catarinense está sendo profundamente violentada por uma política educacional arbitrária e insensível a uma inclusão educativa solidária e equânime. O fato de a escola pertencer à Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC) tem ocasionado litígios em relação ao aparato estatal educacional, tendo em vista as diferentes compreensões históricas e políticas sobre as implicações do currículo, formações continuadas, avaliação escolar e gestão democrática.


Durante muitos anos a escola Antonieta de Barros foi campo de estágio da então Faculdade de Educação (atualmente, Museu da Educação catarinense), funcionando, praticamente, como uma ‘escola de aplicação’. Muitos educadores/as foram formados em Florianópolis tendo este espaço educativo como locus de práticas de ensino diferenciadas e estruturadas conforme as novas pesquisas educacionais em âmbito regional e nacional. Antonieta de Barros (1901-1952) se orgulharia, profundamente, em saber que crianças e jovens (em sua maioria, negras como ela) têm acesso ao ensino regular, inseridos num projeto coletivo que tem priorizado a cultura afrodescendente e a visibilidade dos/as negros/as na cidade de Florianópolis. Logo, os movimentos sociais organizados nas comunidades dos morros de Florianópolis, associações civis e grupos de pesquisa acadêmica comprometidos com a memória dessa educadora, precisam se unir para evitar que mais uma escola pública não feche as portas por descaso governamental.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS E 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL





Por Jéferson Dantas

Os movimentos sociais que se fortaleceram no Brasil no início da década de 1980 (como foi o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST), tiveram importância crucial nas transformações de cunho jurídico, que culminaram na promulgação da Carta Constitucional brasileira em 1988. Nesta direção, muitos documentários foram produzidos no Brasil e em Santa Catarina sobre o tema.

Os filmes aqui selecionados, brevemente analisados, são os seguintes: a) O Canto da Terra; b) Terra para Rose; c) Terra; d) Reforma Agrária, Justiça Social; e) Terra e vida Catarina – a luta dos trabalhadores rurais sem-terra; f) Questão Agrária no Paraná. Os dois primeiros documentários foram produzidos por cineastas de ofício; Terra e Reforma Agrária, Justiça Social foram produzidos por instituições ligadas ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e à ACARESC (Associação de Crédito e Apoio Rural ao Estado de Santa Catarina). Os documentários restantes foram produzidos pelos próprios integrantes do MST em meados da década de 1980, portanto, em plena efervescência social e política no Brasil.

Os tempos de ‘abertura’ e anistia política irrestrita no final da ditadura militar (1964-1985), não surtiram os efeitos desejados na área rural, bastante prejudicada pelos desmandos da política agrária brasileira, além de conflitos generalizados envolvendo latifundiários, pequenos agricultores e milícias particulares. Com o ‘golpe’ do Colégio Eleitoral e a derrota das diretas-já, assume a presidência da República o ex-arenista José Sarney (1985-1990) devido ao falecimento de Tancredo de Almeida Neves. Durante o governo Sarney foram criados ministérios extraordinários para solucionar ou amainar os problemas no campo; todavia, a concentração de terras nas mãos de grandes grupos multinacionais (inclusive do setor de automotores) e de políticos influentes (como era o caso de Severo Gomes), neutralizou qualquer ação governamental mais enérgica. José Gomes da Silva, agrônomo, fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), secretário da Agricultura no estado de São Paulo (1984-1986) e presidente do INCRA em 1985, chegou a dizer no período que a problemática do campo sofria de “inércia governamental”.

Em tal contexto, o MST se organiza na região sul do Brasil, a partir de 1984, no estado do Paraná. Em contrapartida, o aparelho estatal procura legitimar um discurso de apoio ao pequeno agricultor e evitar os conflitos generalizados na área rural. No documentário Terra, produzido pela ACARESC, admite-se que há no estado de Santa Catarina muitos latifúndios, contradizendo o documentário Reforma Agrária, Justiça Social, que ressalta a pequena área geográfica de Santa Catarina como elemento dificultador para o processo da reforma agrária, caracterizando-a como “formada por minifúndios”. Além disso, Reforma Agrária, Justiça Social vai buscar na ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916) imagens de caboclos mortos e a reintegração das terras aos seus descendentes, dando a impressão de que o Estado estaria reparando a dor promovida pela chacina governamental que levou a vida de mais de dez mil catarinenses.

Já os documentários Terra e vida Catarina... e Questão Agrária no Paraná, são bastante semelhantes no que se refere ao caráter didático, i.e., tentam explicar as principais dificuldades apresentadas pelo MST até chegar, mais detalhadamente, na problemática do campo. Há ainda uma grande preocupação em identificar as funções de cada líder nos acampamentos, como forma de legitimar a intencionalidade de suas reivindicações a partir das ‘comissões de trabalho’. As palavras de ordem são enfáticas: “Organização e Reforma Agrária!” Os documentários supracitados revelam o desejo do MST em promover tal debate em nível nacional, contando com o apoio das universidades públicas e da sociedade civil organizada.

Nos discursos institucionais e do MST, apresentados neste período histórico (década de 1980), os antagonismos se acirram. O envolvimento de parlamentares e de grandes empresas internacionais no grande negócio fundiário criavam entraves na concepção de projetos mais sólidos para manter as famílias no campo. Além disso, denúncias explícitas contidas no documentário Terra e vida catarina... demonstram o quanto os banqueiros são intransigentes; os juros escorchantes cobrados pelos bancos não condiziam com os anos de safras ruins, dificultando a existência material de centenas de famílias e empurrando-as para os centros urbanos. Não por acaso, atualmente Santa Catarina apresenta um dos maiores índices de êxodo rural do Brasil (em torno de 90%).

Os dois últimos documentários aqui analisados (Terra para Rose e o Canto da Terra) foram realizados por cineastas de ofício. Os planos não se mantém tão estáticos e há diversos recursos interpretativos que fogem do ‘discurso direto’. O documentário Terra para Rose foi produzido em 1987 e dirigido por Tetê Moraes; trata-se da luta de trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul para que as terras da Fazenda Anoni (improdutivas) sejam adquiridas pelo INCRA e divididas entre os agricultores. A protagonista do documentário, Rose, violentamente assassinada, torna-se um ícone pela luta no campo; a interpretação que o cineasta realiza diante do movimento social evidenciado, ultrapassa os discursos acadêmicos ou institucionais; a linguagem cinematográfica, plástica, surpreende e recria diferentes tonalidades discursivas; sensíveis afetos ao trabalhador simples e aversões pontuais aos latifundiários. Nesta direção, como afirma a pesquisadora Mônica Almeida Kornis, a “imagem não ilustra nem reproduz a realidade, ela a reconstrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num dado contexto histórico”.

O documentário O canto da Terra, dirigido por Paulo Rufino em 1986, preocupa-se mais com a quantificação dos fatos históricos, como se os mesmos por si só fossem determinantes no processo de interpretação das desigualdades sociais. Paulo Rufino procura comparar as diferentes visões das instituições sociais em torno da reforma agrária, entrevistando políticos ligados à União Democrática Rural (UDR); líderes eclesiásticos ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também os próprios latifundiários. Os pequenos agricultores são analisados como vítimas de um sistema econômico opressor, voltado aos grandes interesses do capital.

Tal quadro histórico foi determinante para as discussões na Assembléia Nacional Constituinte, culminando na promulgação da Carta Constitucional de 1988. O então deputado federal, Luiz Inácio Lula da Silva, comentou naquele momento que a Constituição seria “sua bíblia”. Passados 20 anos, a Constituição Federal possui muitos remendos e muitas projeções jurídicas que não foram devidamente implementadas. Os movimentos sociais urbanos na década de 1990 foram sufocados e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) aprovada em dezembro de 1996, em nada lembra as discussões iniciadas naquele ano de 1988 com ampla participação de educadores de todo o país. O inchaço urbano e a engenharia dos serviços básicos prestados à população das grandes e médias cidades necessita ser reavaliada. No que tange à área rural o agribusiness tem afetado a vida de pequenos agricultores, além de não possibilitar a expectativa de trabalho e permanência dos jovens no campo. Estes fatores sociais conjugados (Educação, área rural, empregabilidade/trabalho e sustentabilidade urbana) são desafios políticos que extrapolam meras intencionalidades jurídicas, exigindo a reativação organizada dos movimentos sociais.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

MALDITOS ESCLARECIDOS/ por Jéferson Dantas

A miséria da
poesia.


'Pó'. Poeira.
E verborragia.


É nisso que virou
a semântica
cega dos versos.

Quero lâmina
e venenos!

Rimas pobres
e ingênuas
servem bem aos
egos insossos...

ou às gavetas...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Educadores como intelectuais




Por Jéferson Dantas

Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo italiano, reiterava de forma pertinente que todo ser humano é ‘filósofo’ em alguma medida, dada a faculdade de todos pensarem a respeito de um determinado objeto. Transferindo tal compreensão para o campo educacional, parece-nos razoável que os/as professores/as da Educação Básica permitam-se cada vez mais ao exercício do pensamento, tendo em vista as suas ações estratégicas na formação de crianças e jovens. Significa, sobretudo, assumir o compromisso social de educar além das fronteiras instrumentais do conhecimento especializado; romper com a estrutura rígida de um currículo que mais ‘aprisiona’ do que ‘liberta’.
Educadores/as que agregam à sua formação inicial o engajamento social conseguem atingir seus objetivos pedagógicos de forma mais plena; conduzem sua prática no fortalecimento da estima de educandos, politizando o conhecimento científico, sem ficarem trancafiados/as nas redomas da instrução vazia e pragmática. Os instrumentos avaliativos são entendidos como processos não-estanques, onde o que importa é a internalização do que foi mobilizado conceitualmente.
Logo, o/a educador/a é o/a agente particular essencial na mediação de um mundo ceifado pela intolerância, desigualdade e exclusão. A força coletiva dos/as educadores/as é extremamente decisiva na reformulação de currículos rígidos, concorrendo para uma estratégia de implosão lúcida de mecanismos avaliativos arbitrários na educação formal. A educação básica pública, nos moldes em que se encontra, reduz sobremaneira a capacidade de intervenção de educadores e educandos, já que por se tratar de uma instituição eivada de hierarquias tecnoburocráticas (cargos comissionados), acaba por esvaziar sua intencionalidade precípua. Educadores politizados, atuando como ‘intelectuais orgânicos’ nos termos gramscianos, dificilmente sucumbem aos desmandos de políticas públicas que permanecem reduzindo o/a educador/a a um/a tarefeiro/a sem brio, compromisso e voz!

sábado, 26 de janeiro de 2008

2o. FEMIC

Eu e a Filarmônica Comercial estamos participando da seletiva do Segundo Festival da Música e Integração Catarinense. Estaremos disponibilizando a canção concorrente "Tranqüila Gaivota" neste blog em breve. O meu afetuoso abraço aos companheiros de caminhada: Ju, Jana, Rapha, Dani, William, Suelen, Mineli, Isaias, Ginga, Pablo e Adriana.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A compreensão histórica das cotas



Por Jéferson Dantas


Para os/as que defendem uma competitividade em regime de ‘igualdade’ nos processos seletivos de ingresso ao ensino superior, as políticas de cotas devem ser, energicamente, combatidas. Tal lógica, todavia, encontra argumentação na idéia de que as cotas ‘beneficiam’ os afrodescendentes, quando deveria sim, vincular a qualidade da educação básica a todos os brasileiros, tornando todos/as aptos/as ao ingresso no ensino superior. Tal desejo foi fomentado pelos signatários do Manifesto escolanovista de 1932, que defendiam a ‘hierarquia das capacidades individuais’ num país essencialmente agrário e que não tinha qualquer projeto de inclusão social aos afrodescendentes. Cabe lembrar que a escolarização básica garantida pelo Estado brasileiro tem, praticamente, apenas setenta anos de existência formal (com mais tropeços do que acertos).


Se, ao mesmo tempo, compreendemos que as ações afirmativas ou as políticas de cotas representam uma atenuante (um ‘meio’ e não um ‘fim’ em si mesmo, conforme expressão do educador Petrônio Domingues), devemos também atentar ao processo de exclusão, humilhação e expropriação das comunidades afrodescendentes no Brasil ao longo de séculos. As condições gerais de trabalho e escolaridade destes grupos sociais continuam sendo muito inferiores aos dos brancos, denotando um racismo pela via ‘fenotípica’. Somente no estado de São Paulo, a expectativa de vida dos negros em pleno século XXI não chega aos 55 anos, tendo em vista suas precárias condições de existência material. Deste modo, ainda que juízes ou advogados compreendam, precariamente, que as cotas étnicas representam uma excrescência jurídica (já que não é possível determinar, geneticamente, quem é branco e quem é negro), o que está em jogo, fundamentalmente, é um processo histórico de racismo velado e cinicamente desconsiderado por determinada parcela da opinião pública.



Nesta direção, numa sociedade pautada no consumo e na competitividade, fica evidente que os ganhos sociais devem pertencer a um número cada vez mais reduzido de indivíduos. Estão fora de questão as discussões de fundo histórico, porque o que está em jogo são os interesses privados; os interesses coletivos se tornam uma ‘abstração’, e a pobreza e/ou a miséria são tratadas como algo alienado de todas as relações sociais existentes.



Concordo e defendo que a educação básica pública deve ser radicalmente qualificada, entretanto, as políticas de cotas também favorecem um debate profundo mal resolvido, repleto de feridas não suturadas. É quando se põe em tela a situação dos/s negros/as neste país que podemos vislumbrar as ações afirmativas não como um benefício de ‘mão beijada’, mas como uma das várias ações de reconhecimento sócio-histórico-cultural de todas estas comunidades envolvidas. Como nos ensina o filósofo húngaro István Mészáros, o princípio da igualdade na sociedade burguesa é apenas ‘legalista-formal’, destituído de caráter histórico e de mediações dialógicas.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Livro de Jéferson Dantas no primeiro semestre




Car@s amig@s e leitor@s do blog, no primeiro semestre de 2008 estarei lançando um pequeno livro artesanal (prosa poética) com o título Suspenso e alheio [ou as minhas reticências sinceras]. Ainda não há previsão de data para o lançamento. Provavelmente, no início do outono (aí teremos um bom pretexto para bebericar um vinho tinto seco, não é mesmo?)
Existe ainda a possibilidade de estarmos divulgando algumas canções do projeto musical A cada manhã, com os arranjadores e compositores da banda.



Então, até mais!!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

2008 - dois anos do Blog!!!!

Para não cairmos na lógica piegas de que bons ventos o novo ano traz, façamos o seguinte: acreditar que 2008 nos colocará novos desafios; que teremos muito o que aprender; que teremos mais paciência e serenidade sem perder de vista os embates e/ou conflitos necessários. Os ritos de passagem nos ensinam, pelo menos, o quanto precisamos eliminar os fardos que não nos pertencem e vislumbrar horizontes desconhecidos.
Aos meus/minhas leitores/as um 2008 repleto de incertezas, aventuras e desvarios!!!