terça-feira, 23 de maio de 2006

Arrivismo X Militância



Por Jéferson Dantas


Há alguns dias atrás num programa de entrevistas de um canal fechado de tevê, acompanhei a trajetória de duas ex-prostitutas: a primeira entrevistada lutava por melhores condições de trabalho na profissão, além de ter criado em regime de cooperativa uma empresa de confecções que lembrava em tom irônico uma outra loja destinada ao público endinheirado do país; a segunda entrevistada, bem mais jovem, acabara de lançar um livro de memórias dos tempos de ‘garota de programa’ e nitidamente respondia às perguntas da entrevistadora de maneira calculada, denotando que estava sendo orientada por alguém. Pois bem, o que significa estes dois exemplos? De uma maneira geral e até mesmo simplista, parece-me que hoje em dia temos apenas esses dois gêneros de seres humanos na face da Terra: @s que reivindicam melhores condições de trabalho e qualidade de vida e @s que movem mundos de maneira inescrupulosa para atingir os seus objetivos.

Na arena política os últimos acontecimentos são bastante ilustrativos. Parlamentares governam de costas para o povo e os poderes executivo estadual e federal resolvem entrar em celeumas partidárias colocando em risco a vida de milhares de civis. Ou seja, os interesses privados e/ou partidários são mais importantes que os interesses do bem-comum. E, quando o Estado deixa de fazer o seu trabalho, a violência social se agudiza e se complexifica, reforçando e aparelhando o Estado paralelo. E o poder judiciário? Isolado dos demais poderes, acompanha o marasmo da ausência de coragem para se tomar decisões históricas num país tão desigual!

Por fim, o que mais admirei na entrevista da ex-prostituta militante foi a sua clareza política e, principalmente, a idéia de que a sociedade civil organizada não pode se comportar como vítima do Estado neoliberal. Questionar o Estado Mínimo e as opções políticas, econômicas e sociais d@s que legislam em causa própria são temários que estão na ordem do dia, principalmente num ano eleitoral. O arrivista político é tão nocivo quanto qualquer criminoso, porém, o primeiro destróis gerações inteiras, rompe a possibilidade do sonho, desqualifica educadores e nos diz em alto e bom tom que as práticas politiqueiras justificam os meios.

segunda-feira, 22 de maio de 2006

O DESAFIO DA VIOLÊNCIA




*Leonardo Boff

A paz resulta da administração dos conflitos, usando meios não conflitivos. A paz só triunfa na medida em que as pessoas e as coletividades se dispuserem a cultivar, como projeto de vida, a cooperação, a solidariedade e o amor.
A violência ocorrida nos meados de maio em São Paulo nos obriga a pensar. Por que ela é tão recorrente? Para vislumbrar alguma luz temos que realisticamente partir desta ambiguidade fundamental: a realidade por um lado vem marcada por conflitos e por outro vem perpassada por ordem e paz. Nenhum destes lados consegue erradicar o outro. Mesclam-se e se mantém num equilíbrio difícil e dinâmico.
A arte consiste em manter a tensão, buscando aquela convergência de energias que permitem o surgimento da paz, fruto de instituições minimamente justas e includentes e ordenações sociais sadias, custodiadas por um Estado que zela pelo equilíbrio das tensões, usando, quando preciso, legitimamente da coerção. Se não houvesse essa busca do equilíbrio possivelmente a socialidade seria impossível e os seres humanos ter-se-iam exterminados uns aos outros.
A paz resulta da administração dos conflitos, usando meios não conflitivos. Assim, na construção da paz devem os interesses coletivos se sobrepor aos individuais, a multiculturalidade prevalecer sobre o etnocentrismo, a perspectiva global orientar a local.
Importa sermos realistas e sinceros. Há violência no mundo porque eu carrego violência dentro de mim na forma de raiva, inveja e ódio que devem ser sempre contidos.
A explicação da agressividade tem desafiado os pensadores mais argutos. Sigmund Freud parte da constatação de que existem duas pulsões básicas: uma que afirma e exalta a vida (Eros)e outra que tensiona para a morte (Thánatos) e seus derivados psicológicos como os ódios e as exclusões.
Para Freud a agressividade surge quando o instinto de morte é ativado por alguma ameaça que vem de fora. Alguém pode ameaçar o outro e querer tirar-lhe a vida. Então o ameaçado se antecipa e passa a agredir e, eventualmente, a eliminar o ameaçador.
Outro pensador contemporâneo, René Girard, afirma que a agressividade provém da permanente rivalidade existente entre os seres humanos (chamada por ele de desejo mimético). Esta rivalidade cria permanentes tensões e elabora sinistras cumplicidades. Ao concentrar em alguém toda a maldade e toda a ameaça, a sociedade torna-o um bode expiatório. Todos se unem contra ele para afastá-lo. Essa união instaura uma paz momentânea entre todos os contendores. Desfeita esta paz, inventa-se um novo bode expiatório (os terroristas, os traficantes etc) e novamente se cria a união de todos contra ele e se refaz a paz perdida.
Os antropólogos nos ajudaram também a entender a agressividade. Asseguram-nos que somos simultaneamente sapiens e demes não por degeneração mas por constituição evolucionária. Somos portadores de inteligência e de energias interiores orientadas para a generosidade, a colaboração e a benevolência. E ao mesmo tempo somos portadores de demência, de excesso, de pulsões de morte. Somos seres trágicos porque surgimos como coexistência dos opostos.
Dada esta contradição como construir a paz? A paz só triunfa na medida em que as pessoas e as coletividades se dispuserem a cultivar, como projeto de vida, a cooperação, a solidariedade e o amor. A cultura da paz depende da predominância destas positividades e da vigilância que as pessoas e as instituições mantiverem sobre a outra dimensão, sempre presente, de rivalidade, de egoísmo e de exclusão.

*Leonardo Boff é teólogo.

quarta-feira, 17 de maio de 2006

Cursinhos pré-vestibular esvaziados




Por Bruno Aires

Vestibular já foi sinônimo de sala lotada em cursos pré-vestibulares. Era uma época em que passar para uma universidade pública poderia significar o maior orgulho que uma família teria. Quem não passasse estava condenado a mais um ano de cursinho ou tentado a desistir do sonho do ensino superior. Apesar da procura pelas universidades públicas ainda ser grande, esta realidade mudou. As salas dos pré-vestibulares não estão mais tão cheias. E a universidade pública não é vista mais como a única alternativa de bons estudos. "O número de alunos dos cursos pré-vestibulares, hoje, é bem menor do que há dez anos. A expansão das universidades particulares fez com que, efetivamente, o interesse do estudante que conclui o ensino médio em fazer um curso preparatório tenha diminuído", avalia o diretor da rede MV1 de Ensino, professor José Carlos Portugal. Crise nas públicas tem seus reflexos - Uma das razões para que a procura pelos cursinhos tenha sido reduzida, segundo o professor Portugal, é o estado atual de muitas instituições públicas. "Um percentual de estudantes, não muito grande, está desiludido com o ensino público gratuito, pois não enxerga na universidade pública um caminho para a empregabilidade. Eles acabam buscando, equivocadamente, outras alternativas, comprometendo sua renda e sua escolaridade", lamenta.
Para o professor José Carlos Portugal, as constantes greves nas universidades públicas também contribuem para aumentar a desilusão pelo ensino superior público. "As greves, mesmo sendo justas, trazem um prejuízo para a formação dos alunos. O estudante não é bobo e, por isso, resolve buscar opções que vão lhe proporcionar melhores resultados no futuro. Neste sentido, a universidade pública está cada vez mais enfraquecida", afirma. Menos interesse pelas instituições públicas, menos interesse pelos cursos preparatórios. "A saída para os cursinhos é se adaptar, como fizeram as fábricas de discos e de videocassetas quando foram lançados os CDs e DVDs. Hoje, o mercado deve buscar um nicho específico e não mais ser um segmento de massa. Não há mais demandas reprimidas como antes", ressalta Portugal. (In)segurança é fator predominante.
De acordo com o professor Rui Alves, diretor pedagógico do Colégio/Curso pH, o que determina se o curso se mantém bem no mercado é a qualidade de ensino que oferece. Para ele, muitos estudantes ainda sonham com a universidade pública, mas o que acontece atualmente é que eles não têm mais o receio de optar por uma instituição particular. "Alguns estudantes, por exemplo, podem escolher tranqüilamente fazer Direito na UFRJ ou na PUC-Rio e optam pela segunda. Neste ponto, o que conta é a segurança. Muitos pais ficam preocupados dos filhos saírem à noite do Fundão, temendo a violência", destaca. O professor acredita ainda que as mudanças pelas quais os vestibulares vêm passando nos últimos anos contribuíram para que a realidade dos cursinhos também tenha mudado. "O vestibular mudou para melhor. Hoje, não há mais a ´decoreba´. As universidades querem fazer o aluno pensar cada vez mais. O melhor exemplo é a UFRJ, que faz um concurso totalmente discursivo. Isso contribui para mudar a situação dos cursinhos", analisa Rui Alves.

Mudanças começaram na década de 90

O professor George Cardoso, diretor pedagógico do Centro Educacional da Lagoa (CEL), concorda que as mudanças nos processos seletivos também foram responsáveis pela atual situação dos cursos pré-vestibulares. "Houve épocas em que as turmas dos cursinhos eram muito grandes. O professor tinha que lecionar no microfone. Hoje, os cursos trabalham com turmas menores. O vestibular atualmente cobra mais interpretação. Para você preparar o aluno para este tipo de concurso, é preciso um atendimento mais individualizado, impossível com o tamanho de turma que existia antes", explica. Para George Cardoso, os cursos pré-vestibulares estão em mudança desde o início da década de 1990, quando foram criadas escolas a partir de cursos preparatórios bem-sucedidos. "Nenhuma rede de ensino se mantém hoje só com o cursinho, que se tornou um apêndice financeiro. É a escola que permite que a rede continue. Por isso, todas as redes de cursos preparatórios, hoje, contam com escolas também. Aliás, apostar nessas duas vertentes é uma das características das melhores instituições de ensino", acredita.
As constantes greves no ensino público, mais uma vez, são apontadas como uma das razões para que as universidades particulares tenham atraído tantos estudantes. "Há mais de 10 anos que não se vê uma greve no ensino particular no Rio. Já no ensino público, há greve todo ano. Isso afasta alguns alunos, que optam por universidades particulares. Hoje, o ensino privado conta com instituições de muita qualidade e com bons recursos. O aluno quer estudar na UFRJ e na Uerj, mas também avalia se vale a pena ir para uma instituição particular. No mercado de trabalho, atualmente, o que conta mais é a competência e não o lugar em que o profissional se formou", diz George Cardoso. Para o diretor do Instituto Guanabara e do curso Miguel Couto, professor Victor Notrica, apesar de muitos estudantes pensarem na opção de uma universidade particular, o foco da maioria continua sendo a instituição pública, principalmente em algumas carreiras. "Nos cursos mais tradicionais, como Medicina e Direito, os estudantes querem passar para uma universidade pública ou, no máximo, para a PUC. Há uma qualidade reconhecida e um prestígio nestas instituições. Mas também há um percentual de alunos que, por optarem por outras carreiras, não tem este foco", afirma Notrica. Expansão das vagas e maior incentivo - O presidente da Fundação Cesgranrio e da Academia Brasileira de Educação (ABE), Carlos Alberto Serpa de Oliveira, lembra que outro aspecto vem aumentando o interesse pelas universidades particulares: o Programa Universidade para Todos (ProUni), do governo federal. "No Brasil, temos universidades de dois tipos, independentemente de ser pública ou privada. As boas universidades particulares são cada vez mais procuradas, principalmente porque elas
investem bastante em pesquisa e melhorias constantes", afirma.
Segundo o presidente da Cesgranrio, houve uma mudança fundamental nesta questão: o vestibular deixou de ser uma comoção. "Antes, faltavam vagas no ensino superior. Hoje, a realidade mudou bastante. Há muito mais oferta de vagas do que procura. E não só as universidades particulares estão se expandido. Algumas instituições públicas estão se interiorizando, abrindo novas unidades, e o governo também investe em abrir novas universidades", analisa. O professor Serpa, porém, revela que esta situação o deixa apreensivo. "Não se improvisam qualidade de ensino e um bom corpo docente de um dia para o outro. Uma mesma universidade não pode oferecer cursos de qualidades diferentes. Fico apreensivo de ver que algumas instituições públicas estão passando por situações difíceis para se manter e, mesmo assim, novas universidades públicas são criadas", avalia.
De acordo com Carlos Alberto Serpa, o fato de ser uma universidade pública não lhe dá o status de boa instituição de ensino. "Algumas universidades foram criadas há pouco tempo ou estão sem receber os investimentos necessários. Por isso, é importante que o governo faça periodicamente avaliações das instituições. É isso que vai indicar aos alunos e às famílias sobre a qualidade e o futuro dos cursos, garantindo uma escolha mais segura e consciente", orienta.

terça-feira, 16 de maio de 2006

A cultura da violência, por Jéferson Dantas

Ao lado, Fernandinho Beira-Mar
do PCC


As ondas de ataque em São Paulo comandadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e os seus efeitos em outras capitais do país, como é o caso de Florianópolis, apenas realça com cores vivas o fato de que vivemos uma guerra civil declarada no Brasil. Não há mais o que esconder! A elite econômica do país associada às antigas oligarquias políticas de norte a sul e também aos ideólogos neoliberais conseguiram o seu intento: agudizaram o fosso entre os endinheirados e os completamente miseráveis. Não é à toa que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo!
Mas, engana-se quem acredita que o PCC é apenas um grupo de bandidos sem discernimento das práticas sócio-econômicas impingidas pela classe política tupiniquim. A demonstração de força do PCC paralisou o Estado mais rico do país e os seus estragos podem ser muito mais devastadores numa cidade como Florianópolis, que já convive com uma população estimada em 30 mil pessoas nos morros e encostas da capital. E quando essa massa descer os morros e exigir atenção do poder público? O Estado de Direito vai fazer o quê? Reprimir e colocar em risco milhares de civis?
Sem projeto social nenhum país consegue dar dignidade ao seu povo. São tempos difíceis! De uma barbárie generalizada. Acredito que só é possível mudar o jogo quando o Estado brasileiro tomar a decisão histórica de investir maciçamente em educação e saúde pública. Não vejo outra saída. As gerações que vêm por aí estão desamparadas em diferentes níveis objetivos e subjetivos. O nível de exclusão social é brutal! E para piorar, a imprensa brasileira aposta na cultura da violência para alavancar programas sensacionalistas encharcados de moralismo cristão, hipocrisia e xenofobia!
Hard times, hard times caro Dickens... Continuarei escrevendo sobre as minhas impressões da cultura da violência nos próximos dias.
NOTA: Foi com profundo mal-estar que li a reportagem de uma agência internacional de notícias relatando a criação de um game baseado no massacre da Escola Columbine (EUA) onde jovens e um professor foram assassinados por dois estudantes. No game, o jogador que mais matar estudantes e professores avança para as próximas fase ou níveis de dificuldade. Não há dúvidas: são tempos de indiferença à vida!

quarta-feira, 10 de maio de 2006

O Legado de Paulo Freire, por Jéferson Dantas*



No dia 2 de maio fez nove anos que o educador Paulo Freire desapareceu. Porém, suas idéias e, principalmente, o seu legado no campo da Educação continua tão vivo quanto na época da Ditadura Militar (1964-1985), quando teve de abandonar o seu próprio país por acreditar numa educação popular emancipadora. Paulo Freire considerava também que o educador para atingir os seus estudantes precisava compreender a sua própria prática social, rompendo com o que denominou de “consciência ingênua”. Logo, o educador não deveria se entregar às questões educacionais como um missionário que libertaria seus educandos das trevas da ignorância, sendo tão-somente um depositário de conteúdos (educação bancária).
Para Freire, se o educador é um sujeito histórico, ele é um agente de mudança. Porém, agente de mudança da estrutura social. Neste sentido, quanto mais fosse levado a refletir sobre sua situação como trabalhador intelectual, sobre seu “enraizamento espaço-temporal”, mais conscientemente estaria carregado de compromisso com sua realidade comunitária. O comportamento ingênuo diante dos acontecimentos históricos era um dos grandes pontos de discussão de Freire, já que para ele o ingênuo era polêmico, com forte carga passional, compreendendo a realidade social como estática e não mutável. Já o educador crítico quando se deparasse com um determinado fenômeno histórico, tentaria se afastar o máximo dos preconceitos, “não somente na captação, mas também na análise e na resposta”.
Diante de tamanhos ensinamentos, do intenso e apaixonado legado de Paulo Freire, o que vemos em nosso país, atualmente, é a desistência sistemática de jovens educadores do magistério. A identidade do educador está cada vez mais agredida pela desvalorização de seu ofício. E é justamente a identidade que confere legitimidade ao processo de construção da prática pedagógica e suas conseqüentes rupturas históricas. Fiquemos, pois, com a herança de um homem que nos ensinou que educar é, acima de tudo, um exercício de imortalidade.

* Mestre em Educação (UFSC). Educador da rede municipal de São José/SC.