segunda-feira, 31 de outubro de 2011

NA ESQUINA DA MAFRA

Na esquina da Mafra
com a Bento Gonçalves.
O sonho ainda possível
da poesia em fúria.





Derbakes e cordas
tingindo a tarde dos mortos.
Iluminando mendigos
e alimentando o céu plúmbeo.





A decadência de outrora.
A marcha triste dos bêbados.
No largo passo das horas,
mulheres varridas pelo tempo.





E são 'tragos' noite adentro,
nas fronteiras do indizível.
Eu a galope nas notas
e a companheira embalando
o sonho ainda possível...





(letra para uma milonga, Ilha de Santa Catarina
2006).

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

AOS PROFESSORES




Vivencia-se em Santa Catarina e no Brasil um momento nevrálgico da categoria docente na retomada de processos históricos adormecidos desde a década de 1980, quando professores e professoras, literalmente, paralisavam a nação. Em terras catarinenses não podemos esquecer o Plano Estadual de Educação (PEE) de 1984, assentado em bases populares e com a participação efetiva de escolas, associação de pais e professores, universidades públicas e sindicatos. Tempos em que a radicalização democrática era, de fato, um princípio ético a ser perseguido.

As mudanças históricas no final da década de 1980 e o triunfo do capital na década de 1990 esfacelaram as representações sindicais e desqualificaram a identidade docente. O pragmatismo pedagógico, a instrumentalidade do conhecimento, associado a índices alarmantes de evasão, repetência e violência no território escolar, passaram a fazer parte das tristes estatísticas no campo educacional. O Estado passou a ser ‘mínimo’ no que concerne aos investimentos educacionais e ‘máximo’ no que se refere ao controle de índices de aprovação, produtividade docente e vigilância aos professores afastados por motivos de doença crônica. Com tais dados à mão, as políticas públicas educacionais poderiam revolucionar este solo árido em que se transformou a escola brasileira que, apesar de tudo, ainda apresenta em seus quadros educadores valorosos, engajados empiricamente e compromissados com a sua comunidade local.

O educador popular Paulo Freire (1921-1997) enfatizava que homens e mulheres feridos como ‘seres de compromisso’, aos poucos vão abandonando suas lutas cotidianas e, infelizmente, tornando os espaços sociais desprovidos da ação transformadora, tão necessária em tempos de ‘fundamentalismo do mercado’ e a paradoxal ‘privatização da ira individual’. Logo, no epicentro destas questões essenciais, deve-se compreender que a insatisfação do trabalho docente não pode ser desconectada de todas as demais instâncias deliberativas da escola e das políticas públicas propagadas até o momento. Em tempos escassos de referências humanas íntegras, os professores devem continuar lutando por uma educação pública de qualidade, tendo como princípio-mor uma sociedade justa, solidária e igualitária.


terça-feira, 4 de outubro de 2011

DESVELOS (RELEITURA EM MESA DE BAR)




E, de repente, fiz-me dezenas de perguntas; os oráculos nesta hora se calaram, pois acreditavam, piamente, no silêncio farsesco de suas sabedorias.


Que se ame sem perda integral, nos moldes sem censura, no crispar dos corpos e no regurgitar do amor. Que as mazelas da noite, tal qual feminil prostituída e irreconhecível, possa irromper entre as esferas do medo!

Que se ame, mas que o amor não seja de um mais solene ou de outro mais ardente...que o amor se transfigure numa unidade destemperada e sem culpa...que o amor responda pelos seus destinos e obscenidades...

Que a fábula se rasgue e transpareça a gota orvalhada no caos do gozo total...Quando clamei aos deuses, riram do meu destino e cuspiram “groselhas de fogo” em minha face mirim. Infância destituída de onirismos e uma irmandade sem apiedações. Enfim, a chama do amor Fatal!

Que se ame quase que como num assombro tresloucado. Que a volúpia também encontre seu degredo. Que a dependência psíquica e o afeto desproporcional rebentem as últimas tábuas de salvação, tal qual flechas de fogo, rasgando o ventre das estrelas...lá no céu...!

                                                                                                                     1999.

OCASO


Duas taças de vinho me puseram em suposta leveza... Quando te encontrei, vi-me encurralado e sem ação... Teus olhos eram negros... Muito negros. Tuas mãos frias, desalentadas...


Brincamos como duas crianças e eu sabia o que a noite reservava a ambos... Sentamos nos bancos de um quiosque mal iluminado, peguei tuas mãos e disse coisas sem nexo... Nossas pernas se roçavam, nossas bocas próximas e os corações distantes... Disseste: “Não temos jeito!” - tuas últimas palavras...


Depois dessa noite triste, mergulhaste profundamente na agudeza de teus fracassos e de tuas mortes cotidianas ... e eu pensava, - serenamente - em como não te dizer nada e nem te procurar ....

FÁBULA







Na relva macia onde eles se entregavam, os espiões se refestelaram de novidades e toda a cidade soube do acontecido e todos se voltaram contra eles...

Eram jovens e bonitos. Ela tinha este brilho fácil das jovens de sua idade, o rosto macio, os cabelos loiros e ondulados e uma pureza inconteste. Ele era altivo e sereno. Não era rude, antes delicado e viril, sem ser vulgar e pernicioso. Diria mesmo ser um par raro.

Mas, estas cidadezinhas vis, onde os homens são taxados de frouxos e que bebem muito para esquecer as mágoas, nunca mudarão seus hábitos tácitos.

Os jovens foram expostos como criminosos. Recriminados por amarem livremente e por serem puros.    
Degolam-se cabeças como se degolam ervas daninhas. Misturas de tudo que é nocivo à boa planta.

Logo, quando amanheceu naquela cidadezinha torpe, encontrava-se em frente à casa do jovem uma mulher de luto, imensa cabeleira pestilenta, trazendo na mão uma Bíblia em frangalhos e uma corja de tantas velhas infaustas.

O rapaz assistiu sua casa ser queimada. Os ladrilhos arderam em chamas e os vidros das janelas, estilhaçados pelas pedras, rebentaram como disparos de revólveres.

A cidade estava salva daquele pequeno demônio. A moça passaria a morar com a tia distante, até que todos se esquecessem do ocorrido.

Eles nunca mais se viram. Sabe-se que a cidade está maior (principal produtora de arroz da região). Onde os jovens costumavam se encontrar foi erguido um enorme silo para guardarem cereais. Estranhamente, o silo tinha uma fragrância de rosas e todos que ali entravam tinham a sensação de estar flutuando.

Covardemente, o silo foi queimado.

FINITUDE






Quando tudo parecia bem, alegrava-se de maneira imbecil. Acreditava que tudo era fantástico. Assassinava todas as incredulidades e até achava que estava feliz. Mas, não podia. Porque o que ele via era muito mais grave. E era estarrecedor. O homem gordo, de aparência bondosa, jogava palavras cruzadas na sala. O filho ocupava o tempo com videogame. A mulher, também muito obesa, avistava as estrelas e tentava achar o ‘cruzeiro do sul’. Assim foi o que viu na casa de um amigo. A morte metafórica dos pais. E isto lhe revoltou o estômago.

Teve vontade de gritar, de sair correndo inúmeras vezes. As piores noites eram aquelas de solidão. Sem amigos, sem vozes. Apenas a televisão ligada num canal qualquer. Emitindo asneiras e sinais irritantes. Preparou o chimarrão. Tentou ler. Colocou um CD em seu aparelho de som. Música Popular Brasileira. Uma mulher que ficava sozinha na praia, brincava com a areia e com os peixes. Achou a canção surrealista. Desligou o aparelho. Sorveu o amargo e tentou continuar a leitura. O texto era sobre a infância de um garoto que havia mentido para um rapaz mais velho sobre a sua valentia. A mentira lhe valeu a honra. Chovia. Espreguiçou. Pareciam noites de carnaval.

No centro da cidade muitos tambores indicavam ensaios de escolas de samba. Aquilo tão próprio do Brasil não lhe pertencia. Os negros desciam os morros, cantavam, sorriam, bebiam e dançavam. Retomou a leitura, mas seus olhos não saíam da mesma linha. Espreguiçou. Telefonou para um amigo. Não estava. Ligou para uma amiga. A secretária eletrônica respondeu. Desceu as escadas do prédio. O céu plúmbeo prenunciava uma chuva. Caminhou pelas calçadas sujas do bairro. Se a chuva começasse naquele instante, os bueiros ficariam todos entupidos, imaginou.

Mais tarde contou que havia visto a face da morte. Ela não era horrenda. Era calma, tranquila, feminina. Além do mais, era paciente. Sabia a hora de levar os seus escolhidos. Todos tentavam lhe consolar. Todos? Pouco mais de três amigos. E, por todas as mortes, riu de tudo, um gargalhar largo de quem não precisa provar mais nada.



ENTREVISTA NA RÁDIO GUARUJÁ - AGOSTO DE 2011





А jornalista Carol Gonzaga e os músicos Jéferson Dantas (esq.)  e Júnior Guerra (dir.). Os créditos das fotos são de Dienífer Dantas Bartnik



Júnior Guerra e Jéferson Dantas divulgam o projeto 'Milongas Urbanas'. 



A primeira canção durante a entrevista: 'Marcha Estradeira'.




A foto final. Agradecimentos especiais à jornalista Carol Gonzaga e à equipe da Rádio Guarujá AM Florianópolis/SC