terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

PEDAGOGIA DA 'INVENÇÃO'


O jogo de forças entre diferentes grupos sociais e políticos, com distintos bens econômicos e simbólicos, refletem-se, sobremaneira, no território escolar. Este reflexo, porém, não se dá de forma mecânica e reducionista. No caso específico das escolas públicas, ainda existem elementos que valorizam – por parte dos professores e professoras – o estudante ou a estudante que corresponde ao ideário escolar, ou seja, ao/à mais afeito/a às expectativas da escola e, consequentemente, ao seu currículo.
Sabemos, contudo, que não é possível transformar o currículo sem que os trabalhadores e trabalhadoras em educação (agentes da mudança) incorporem em suas práticas pedagógicas diferentes formas de ensinar crianças e jovens que não possuem os códigos culturais e linguísticos das classes sociais mais bem providas de capital econômico. Nos termos do sociólogo francês François Dubet, os ‘sobreviventes’ da educação básica romperam a trágica barreira da seletividade e da meritocracia, ainda que isso não garanta galgar outros níveis e títulos de escolaridade socialmente reconhecidos.
Outro aspecto a ser considerado tange ao mergulho na empiria, que se por um lado favorece novas problematizações no campo da pesquisa, de outro pode ofuscar discussões teóricas mais fundas. A propensão a um praticismo/ativismo ingênuo pode enfraquecer as dimensões teórico-metodológicas que precisariam ser investigadas num determinado recorte espaço-temporal, tão repleto de contradições e suscetíveis a alterações de categorias e conceitos pertinentes à pesquisa pedagógica.
Nos embates e contradições se busca, sobretudo, um compromisso civilizador e o não-encolhimento da vida pública. Tal aposta no vazio político e no silenciamento das falas de dissenso são produtoras e reprodutoras da violência estatal. Logo, a busca do consenso na pólis vai se dando pelo apaziguamento do conflito e das tensões sociais e ainda por meio da privatização dos espaços públicos. Nesta direção, os territórios educativos e a cidade, necessariamente, devem dialogar. Isto significa compreender e tratar as culturas escolares com um olhar voltado às políticas públicas vigentes, diferentemente das práticas pedagógicas da ‘invenção’, hipertrofiadas de subjetividade e relativismos. Na pedagogia da ‘invenção’ tem-se a impressão de que as propostas curriculares oficiais representam um artefato desprovido de sujeitos históricos. Em outras palavras, a linguagem é um fim em si mesmo, repleto de neologismos e expressões semânticas de efeito, pouco propositivas e desvinculadas do sujeito da pólis. Urge, portanto, um compromisso pedagógico público que tenha por horizonte uma formação plena e efetivamente emancipadora.  

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O COMPROMISSO COM A CRIANÇA QUE ME HABITA...

Possivelmente, alguns não entenderiam as últimas mudanças. E te exigiriam compromissos inadiáveis; e te
cobrariam pela ausência; e inventariam falsas histórias a teu respeito. Depois, começariam a enxovalhar tua
reputação; que deverias ser internado; que estarias enlouquecendo de forma irreversível; e seriam
hipocritamente solidários ao te convidarem para lugares que sempre detestou. E nunca conseguiriam entender porque,apesar de tudo, ainda te alegravas com coisas irrelevantes, que não gerariam lucro, muito menos renome. E não sendo mais a matéria inerte e desastrada, terias vínculo com a vida; combatendo a barbárie e a rudeza de homens e mulheres tristes; e terias projetos, mesmo inacabados; e vingarias o menino trágico da infância.

VESTÍGIOS DA CIDADE


A cidade que se revela é o próprio desterro. A cidade é um conjunto de pedregulhos em sacos invernais de tempestade. A mesa com suas quatro patas de afiada lasca de mogno suporta um café requentado e uma dúzia de biscoitos com a validade vencida. O frio resseca a minha pele de lagarto e descamo como os peixes abissais...

Enquanto a ressaca invernal é submergida, fico com as imagens da mulher sonhada, carne suprema de forma-conteúdo amada. Seus olhos prófugos querem também o movimento centrípeto da entrega. E fico com a sua face congelada... futuro encontro pleno (?!).

E na cidade litorânea em chamas, chumbo e morte no coração das crianças... a cidade arde e se desespera... tropas armadas como nos tempos das fardas auriverdes...hoje, entretanto, clama-se por fuzis e metralhas a estourar cabeças vazias de jovens bandidos. O horror noticioso por câmeras nervosas... o tempo para na acidez da revolta. Vestígios do dia e largas vontades à espera de um sossego impossível. E toda a pressa e todo o afã galopam insolúveis na rigidez da caótica urb de sol, montanhas e água marinha...

SURPRESA


A surpresa do espaço me aguardava. Nada dizia...retinas arrombadas... que foi feito de nós, ninfa-noite e escândalo de mil sóis? Eu só tinha o fardo do tempo como última linguagem... e mesmo assim, trazia nas mãos as asas fosforescentes da borboleta noturna. A minha primeira morte depois de tudo!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

RISCOS NO LABIRINTO

Toda dor é um tormento breve ou um interlúdio-signo. A carcaça que não atende ao impulso de Eros, encarcerado na masmorra do trabalho inglório.

E tinha motivos de sobra para crer no apaixonamento repentino, como se fosse a dose mais certa para destruir pedrarias e rochedos do coração sem alegrias.

Descendente da tragédia, neste curso rotineiro não saberia onde se enterrar. Ir por aí entre casos e ocasos, contornando ruas e esquinas. Não entender mais nada... às vezes uma entrega por coisas sem valor... é o frenético moribundo a se queixar da sua pequenez e autoflagelo. 

Quantas vezes tiveste medo destas esquinas por medo! Avistando Rilke às gargalhadas, desprezando tuas idiossincrasias vazias! Quantas vezes golpeado em tua intimidade por pura inércia e falta de vontade! Nas horas malditas te consomes sem nenhum perdão. Há de ser assim, como quem não vislumbra mais nada. 

Terás fogo e energia para te consumir nas labaredas do estranhamento e do risco inédito?

MEMÓRIAS ENGAVETADAS


Revirando gavetas encontro cartas e fotografias antigas. Peregrinação de memórias. E num estado de interessante embriaguez, sou capaz de encontrar minhas outras vidas num instante. São sonhos de navalha! São as quedas sublimes! É o entressono permanente, como se vivesse dopado... Algures uma caixa imensa de papelão: mais cartas e recortes de jornal. Fitinhas do Senhor do Bonfim intactas depois de anos e anos. Até mesmo um chaveirinho ordinário e oxidado no fundo da caixa.

Retornei à rotina de escritas e leituras. Demorava-me diante de um e-mail e sequer conseguia responder qualquer coisa com o mínimo de coerência. Tudo exigia um esforço descomunal. O vento sacudia as janelas. Parecia que tudo viraria uma explosão de vidros cortantes.

Terminei de ler um poema e pensei logo em música. Depois, abandonei o projeto da hora. E quando finalmente decidi responder os demais e-mails, eis que o dia se findara sem graça. E o bilhete deixado na mesa dizia da ausência e do desconforto. O bilhete de um mês a decorar a mesa e migalhas de pão. Eu nunca respondi. Deixei que os dias se passassem para que a dor cicatrizasse. E, quem sabe anestesiado, pudesse, enfim, recobrar-me de todo o estrago.

ARQUÉTIPOS


Tudo se reduzira a uma aparência absurda! Imediatas morfinas que nos escondem muito! O arquétipo ibérico circulando entre nós como ogivas nucleares. Desejamos uma coisa e fazemos outra; impregnados de uma ética que nos esmaga. A arte já não sacia. Só há saberes de cicatrizes na pele dos cordeiros-ordeiros...

Haverá limites para este descaso? Haverá limites ao exagero da imundície? Quem elaborará a ode ao criador infinito?