segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Os Analfabetos da Escola


Por Jéferson Dantas


Em recente pesquisa divulgada pelo IBGE, identificou-se que mais de 80% das crianças e jovens que ainda não sabem ler e escrever estão na escola. Tal situação, que vem se agravando nos últimos anos nas escolas brasileiras precisa, porém, ser mais bem problematizada. Acompanham estes índices as diversas reclamações de educadores, que defendem punições mais severas aos estudantes (na pesquisa, mais de 60% dos educadores exigem sanções sumárias para estudantes violentos ou que de alguma maneira ‘não se adaptam’ às regras da escola).

Em primeiro lugar, a violência escolar não pode ser compreendida descolada da violência estrutural. Uma das queixas mais freqüentes dos educadores é a falta de participação das famílias nas escolas e a desestruturação das mesmas. Ora, de que modelo de família estamos falando? Da família nuclear com suas divisões domésticas clássicas onde o pai era o provedor? Ou de famílias onde as mães são as responsáveis pelo sustento familiar ou ainda de famílias constituídas apenas de tios, avós ou agregados? Evidente, que acompanha este raciocínio, o fato dos/as educadores/as terem exíguo tempo para os planejamentos coletivos, o que demandaria, no limite, estudos sobre o entorno social; estratégias de aproximação escola e família; aulas de reforço para os/as estudantes com dificuldades sérias de aprendizagem e, sobretudo, dedicação exclusiva para as atividades pedagógicas numa única escola. Mesmo com estas mudanças (necessárias, sem dúvida alguma), isto não bastaria. As condições de trabalho e planos de carreiras pouco atraentes não conseguem seduzir jovens educadores ingressantes, que cada vez mais abandonam a carreira do magistério, fazendo com que o ambiente escolar fique cada vez mais ‘desabitado’ (absenteísmo docente).

Se o poder público não reconhecer estas demandas da escola, as escolas públicas brasileiras continuarão penando com os índices altíssimos de repetência, evasão e violência. A formação adequada dos/as educadores exige, sobretudo, o reconhecimento de seu ofício como ‘profissão’. Improvisos pedagógicos, ambiente educacional hostil, hierarquia verticalizante, descompromisso com o público e a ‘desistência’ em relação às crianças e jovens que mais necessitam da escola, representa um enorme prejuízo à nação. Em suma, uma tragédia anunciada pesquisa após pesquisa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A arte dos encontros




Por Jéferson Dantas


No turbilhão do mundo infoviário minha caixa eletrônica está repleta de spams, lembretes de responsabilidades acadêmicas, prazos para entrega de resenhas críticas e de textos definitivos para um congresso que será realizado no ano que vem. E, mesmo quando recebo um e-mail de um/a amigo/a, tudo não passa de um anexo com uma apresentação em Power Point. Certo dia, uma colega me confidenciou que não se permite mais entrar em contato com os amigos, pois acredita que tal atitude pode ser compreendida como ‘invasiva’. Já nem conseguimos mais atinar que a ‘invasão’ ocorre todos os dias em nossas casas, escritórios, escolas e ruas da cidade, através de sofisticados mecanismos eletrônicos de vigilância. O Big Brother se materializou na aposta trágica de Orwell.

As grandes rupturas sociais ocorreram nos momentos de elevada crise econômica e de instabilidade das instituições políticas. O gérmen de todo processo revolucionário sempre esteve permeado pela celebração à vida e às experiências elaboradas de trabalhadores e trabalhadoras de diferentes ofícios. A humanidade nos séculos 18 e 19, ainda que timidamente, começava a deixar para trás as indeléveis marcas do misticismo religioso, embora convivesse com as terríveis contradições do escravismo e os limites impostos pelas Monarquias Absolutistas. O racionalismo político e científico possibilitou novas rupturas neste estágio da humanidade. Entretanto, encontros secretos nas tabernas; nas casas de tecelões e artífices; na coletividade dos quilombos; na festividade do sincretismo religioso e nas rodas de batuques, apresentavam possibilidades de identificação social concreta, embora não necessariamente imediatas. O que significou/significa esta herança social para todos nós no século 21?

Ora, a ‘arte dos encontros’ é uma dinâmica coletiva que expressa o que desejamos e os níveis de partilha que asseguram nossa saúde física e psíquica. Todo isolamento é triste e sombrio, conduzindo-nos a um distanciamento do Eros criador e, portanto, a uma internalização parcial do fracasso individual. Perpetuar os encontros que subvertam a lógica asséptica da ‘acumulação flexível do capital’ é uma alternativa permanentemente válida em tempos de desencontros e de ‘amigos virtuais’.