segunda-feira, 24 de novembro de 2008

As chuvas em Santa Catarina e o descaso do Poder Público






'São anos de descaso do poder público em Santa Catarina', avalia pesquisadora

Guilherme Balza, do UOL Notícias/ São Paulo (SP)

As características do solo e do relevo e as condições climáticas anômalas não são capazes de sozinhas explicar a tragédia ocorrida em Santa Catarina. Mais do que os fenômenos naturais, o descaso do poder público ao longo das últimas décadas foi a principal razão do elevado número de mortos, desabrigados e desalojados em decorrência das chuvas que atingiram o Estado no mês de novembro. Quem faz essa avaliação é a geóloga e pesquisadora do grupo de estudos de Desastres Ambientais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Maria Lúcia de Paula Hermman.
A Defesa Civil de Santa Catarina registrou, até o momento, 50 mortes, 7.703 desalojados e 15.434 desabrigados, vítimas, sobretudo, de inundações, desabamentos e deslizamentos de terra. Para a pesquisadora, que monitora os desastres ambientais ocorridos no Estado desde 1980, "há muito tempo essas tragédias vêm se repetindo em Santa Catarina e nada de efetivo foi feito por parte do poder público".
Hermman admite que uma quantidade incomum de chuva atingiu o estado nos últimos dias, mas avalia que não houve, ao longo dos anos, o esforço necessário dos governos e prefeituras para impedir ocupações irregulares em encostas de morro e em planícies fluviais, locais que sofrem quando há grande ocorrência de chuvas.

Solo e relevo catarinense

A pesquisadora explica que, ao longo do litoral de Santa Catarina, distribuem-se três grandes "serras". A primeira, semelhante à "Serra do Mar" do sudeste, começa no extremo norte do estado e vai até Joinville; a segunda, conhecida como "Serra do Leste", vai de Joinville até o começo do litoral sul; e a terceira, "Serra Geral", ocupa o litoral sul de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul. Nas proximidades dessas serras estão algumas das principais e mais populosas cidades catarinenses, como Joinville, Blumenau, Itajaí e Brusque.
De acordo com Hermman, uma boa parte da população litorânea de Santa Catarina reside nas médias ou baixas encostas destas serras. Enquanto as moradias localizadas nas médias encostas são suscetíveis a desmoronamentos, as situadas nas baixas encostas costumam ser atingidas por deslizamentos de terra.
"Nas baixas encostas há uma camada espessa, extremamente permeável, conhecida como 'manto superficial', formada pelo desgaste das rochas, causado pelas ações do sol, dos ventos e das chuvas. Essa camada fica entre a superfície e a rocha dura. Quando chove muito, a água ocupa toda essa camada, o manto fica encharcado e os deslizamentos inevitavelmente acontecem", explica a pesquisadora.

Rios

Outra região de risco, segundo Hermman, são as planícies fluviais, ou seja, regiões localizadas próximo das margens dos rios, que sofrem constantes inundações nos períodos de chuva.
"A legislação impede a ocupação de áreas a menos de 30 m de distância das margens dos rios, mas isso não é respeitado em Santa Catarina". A pesquisadora conta que no Vale do Itajaí, região do Estado mais afetada pelas chuvas, uma parcela significativa da população reside nas planícies fluviais.
"Várias cidades, como Blumenau, por exemplo, são cortadas por rios. Muitas rodovias, inclusive, foram construídas próximas dos leitos dos rios", diz. "Não há como transferir uma cidade de lugar, obviamente, mas o governo pode tomar várias medidas, como dragar os rios, aprofundar os canais, retirar as pessoas das margens, construir muros, limpar bueiros, coibir ocupações clandestinas, aplicar multas pesadas, entre outras. As cidades precisam ser reestruturadas e planos de prevenção mais efetivos necessitam ser colocados em prática para evitar tragédias como esta que Santa Catarina está vivendo", completa Hermman.


Prevenção e apoio

O coordenador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE), Gustavo Carlos Juan Escobar, acredita que a Secretaria Nacional de Defesa Civil foi informada em tempo suficiente para se articular com a Defesa Civil de Santa Catarina e impedir que uma catástrofe acontecesse em Santa Catarina.
"Alertamos as autoridades competentes na quarta-feira (19), três dias antes das chuvas mais intensas. Nesses dias dava para ter feito muita coisa para minimizar os efeitos das chuvas", disse.
"Nos municípios mais atingidos, como Itajaí, Blumenau, São Francisco do Sul e Luis Alves, choveu em quatro dias - de sexta (21) à terça (24) - quatro vezes mais do que a média histórica mensal para o mês de novembro. O que precisa ser feito é um trabalho preventivo de longo prazo e uma reestruturação das cidades", avalia.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A República nossa de cada dia



Por Jéferson Dantas

As comemorações referentes aos 119 anos da proclamação da República, que acontecem amanhã (15 de novembro), precisam ser devidamente problematizadas à luz do conhecimento histórico. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, o propagandista mais fervoroso das idéias republicanas, Aristides Lobo, sintetizou de forma muito nítida a participação popular: “O povo assistiu a tudo de forma bestializada”, demonstrando o seu desapontamento pela qual o novo regime havia sido proclamado. Segundo Lobo, o povo que deveria ter sido o protagonista do ideário republicano, não compreendia o que se passava à sua volta, julgando que aqueles homens fardados nas ruas do Rio de Janeiro estariam participando tão-somente de uma parada militar. Seguindo esta mesma lógica de raciocínio, o escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) disse numa determinada ocasião que o “Brasil não tinha povo, mas público”.

Levando em consideração tais aspectos, podemos dizer que o Estado republicano nacional ‘inaugurado’ em 1889 teve pequenos intervalos democráticos. A chamada 1ª. República (1889-1930) enfrentou antigas feridas mal curadas herdadas dos períodos colonial e imperial; o massacre à Canudos (Bahia) por meio de cinco expedições militares (1893-1897), por exemplo, retirou a vida de, praticamente, 30 mil brasileiros. Acusados de monarquistas e de ferirem os valores cristãos, Canudos foi esmagado finalmente no ano de 1897, através de um efetivo militar jamais visto na história do Brasil. Os poucos sobreviventes – em sua maioria, mulheres e crianças – foram violentados e degolados.

Na primeira década da ‘jovem República’, a oligarquia cafeicultora paulista, ao assumir em regime de revezamento com Minas Gerais, o poder executivo nacional, instaurou a ‘República do Café com Leite’ (1898-1930), estabelecendo os pilares de como o país seria governado: agroexportação (café) e exploração incessante de uma mão-de-obra agrária em condições de semi-escravidão. Novamente, a República ‘moderna’ e liberal brasileira destruiriam um movimento de pequenos agricultores em Santa Catarina, conhecido como a ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916). Neste novo massacre do Estado republicano, aproximadamente 15 mil brasileiros foram esmagados para beneficiar os interesses do capital privado internacional. Tantos extermínios sistemáticos continuaram ocorrendo na trajetória nada feliz da jovem República. O período varguista (1930-1945), marcado pela ditadura do Estado Novo, intervencionismo nos estados federativos e censura aos meios de comunicação, também foi responsável pela eliminação física de milhares de brasileiros à custa dos interesses da pátria. Outro exemplo significativo foi a expulsão de pequenos artesãos, mendicantes e prostitutas dos centros da cidade do Rio de Janeiro em 1904 (Revolta da Vacina), então capital da República, pelo prefeito-engenheiro Pereira Passos, desejoso de uma sanitarização social.

Reconhecer os massacres do Estado republicano e a ausência de um projeto social para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as omissões nos setores estratégicos (educação, saúde e infra-estrutura). Contudo, conflitos ideológicos de contornos internacionais (Guerra Fria) tiveram efeitos nefastos para o Brasil e para toda América Latina. A Ditadura Militar (1964-1985) deixou marcas indeléveis em muitas gerações de brasileiros: desaparecimento de presos políticos; torturas; tática da suspeição; fechamento da imprensa livre; mordaça na classe artística; exílios compulsórios; e destruição do modelo educacional em todos os níveis de ensino.

Por conseguinte, abarcar todas as contradições do modelo republicano brasileiro – e aqui tenho plena convicção dos reducionismos históricos –, é compreender os limites de uma democracia liberal legalista, conduzida muitas vezes por tecnocratas e por poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) bastante afastados dos interesses coletivos; um Congresso Nacional formado por 513 deputados e 81 senadores, muitos deles apoiados pelas bases ‘ruralistas’, ‘evangélicas’ e ‘empresariais’. Tal ‘representatividade’ não contribui para elevar o debate sobre a desigualdade social e diminuir a concentração de renda. A política do consenso pela força durante o regime militar foi substituída hodiernamente pela política do consenso legalista (a saída para os problemas sociais é de ordem técnica e não de ordem política). Princípios democráticos esvaziados e uma classe política narcísica ou arrivista têm conduzido o país a uma esquizofrênica conjunção de maniqueísmos levianos e por projetos de poder que reduzem a importância da ideologia e da participação popular.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No limbo


não há certeza

e isso

não importa.


bate-me a porta

e não volta.


ri de tudo

e se conforma.


e a louca-libido

te conforta

como narcótico

e enxurrada.


e limpa

despida

reage

ao segredo do desejo.


e eu fui teu

nestes

acordos mal

costurados do tempo.