sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

É Natal!


Espírito natalino e realidade social

Jéferson Dantas



O escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) nos deixou obras inesquecíveis, dentre elas uma das mais conhecidas: Um conto de Natal (1843). É a história de um velho avarento (Scrooge) brutalizado pelo capitalismo e que explora seus empregados sem qualquer piedade. Na noite de natal recebe espíritos que elucidam sua mesquinharia e o doentio apego aos bens materiais, através de uma viagem pela sua infância, maturidade e velhice. Scrooge ao se deparar com a solidão iminente, reavalia suas ações e deixa a bondade natalina penetrar-lhe avidamente. Entretanto, o contexto da época na Inglaterra era o pior possível. A chamada 2ª. Revolução industrial não conseguia atender a demanda de operários desempregados e a situação de miserabilidade tornava-se flagrante nas ruelas fétidas de Londres, palco do capitalismo em larga escala. Aliás, as contradições do sistema capitalista começavam a ganhar corpo teórico com os primeiros escritos de Friedrich Engels e Karl Marx, que culminaria no Manifesto do Partido Comunista em 1848.

Assim, o tão propalado espírito natalino, encharcado de solidariedade cristã, ano após ano nos submete a este exame de nossas ações diárias, empurrando-nos, literalmente, para o esperançoso reinício de uma nova caminhada. Reconheço, porém, que a nulidade da atual composição de nossa sociedade política tem nos tornado mais amargos e céticos, aliado ao pífio crescimento econômico. A participação popular só é valorizada em relação à sua capacidade de consumo, ou seja, a participação no mercado é mais importante do que a participação nas decisões de cunho político. O dissabor que nos assola está intimamente associado ao fenômeno mundial da despolitização e do espetacular desmonte das organizações sindicais. Logo, como sorrir diante de um quadro social tenebroso? Como ter esperança quando a sociedade civil está mais preocupada com a sua cotidiana (sobre)vivência?

Não quero ser pessimista ou desmancha-prazer. Esta é uma época que voluntariamente ou não somos tomados de uma contagiante esperança no futuro. Muitos e muitas, certamente, reorganizam e limpam gavetas. Despacham móveis antigos. Pintam a casa com cores vivas, convidam amigos e familiares para a ceia, trocam presentes, estabelecem metas para o ano seguinte, etc. Mas, assim como Dickens conseguiu esboçar, literariamente, uma nesga de esperança numa sociedade industrial embrutecida, nós, brasileiros(as), precisamos mais do que nunca nos sentirmos pertencentes a este país. As manobras da sociedade política, os bolsões de miséria, os conchavos entre grupos oligárquicos regionais, baixa escolarização e a violência sem limites, continuam sendo as nossas inconclusas tarefas de um Brasil que desejamos mais feliz, socialmente equânime e ético!

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

A atualidade de 1984


As metáforas de Orwell e a cultura do fragmento

Jéferson Dantas



As categorias analíticas empreendidas no ofício do historiador (tempo, espaço, memória e identidade), permitem ao pesquisador realizar mediações interpretativas em diferentes contextos históricos sem perder de vista o devir social, fruto das ações efetivamente humanas. Entretanto, atualmente, em diversos níveis socioculturais, o que vislumbramos é o desamparo coletivo entremeado nos estilhaços imagéticos que nos empurram para o drama, a cólera e a imobilidade. As utopias foram arrefecidas. Nos termos do educador Paulo Freire, por mais paradoxal que possa parecer, urge “humanizar os homens” antes que se dilacerem de forma definitiva. Nesta direção, a categoria analítica memória se configura como uma referência histórica primordial na apreensão deste mundo envolvido na era do conhecimento e pensamento único.

A idéia de real e desenvolvimento social orquestrados pelas políticas globalizantes e neoliberais estão alinhadas à indústria cultural, que manipulam estrategicamente nossa percepção do mundo. As forças sociais produtivas foram transformadas num imenso palco, repleto de atores/personas cada vez mais individuados, em situações espaço/temporais efêmeras. As memórias coletivas ‘dão livre passagem’ para o instantâneo e, não por acaso, estamos sofrendo lapsos de memória, tal como na metáfora orwelliana. George Orwell (1903-1950), escritor inglês, notabilizou-se com a obra Revolução dos Bichos, mas foi com 1984 que o autor descreveu com extrema competência a devassidão do privado, tendo como instrumento de controle a teletela, tema desse breve ensaio.


Devassidão do Privado e a perda da identidade humana

O narrador-personagem criado por Orwell – Winston Smith – é um membro da campanha da economia e responsável pela manipulação das notícias e dos acontecimentos históricos criados pelo Partido, que tem como mandatário máximo o onipotente e despersonalizado Grande Irmão (Big Brother). A narrativa se passa numa Londres sombria e miserável. O Partido tem quatro ministérios: o ministério da verdade (responsável pelas notícias, diversão, belas-artes e instrução); o ministério da paz, que se ocupa da guerra; o ministério do amor, que mantém a lei e a ordem; o ministério da fartura, responsável pelas atividades econômicas. Os lemas do Partido são: Guerra é Paz! Liberdade é Escravidão! Ignorância é Força! Orwell monta sua narrativa na perspectiva dos regimes totalitários que surgiram pouco antes da eclosão da segunda guerra mundial (1939-1945).

No departamento de registro Winston se encarrega de manipular fatos e deturpar informações, inventando notícias auspiciosas à população eufórica. O seqüestro da memória aparece na obra em sua totalidade, analisada por Winston como um direito que não lhe era mais garantido, expressando categoricamente a cultura do fragmento. Importante assinalar que Londres faz parte de uma potência denominada Oceania, permanentemente em conflito com a Eurásia e a Letásia, outras potências políticas da ficção. Ao se referir às superpotências Orwell preconiza as alianças políticas/econômicas dos dias de hoje, ou seja, blocos econômicos unidos pelo controle da mão-de-obra abundante e barata, além de elevada quantidade de matéria-prima em regiões onde impera regimes políticos corruptos e fragilizados pelas sucessivas guerras civis.
Winston trabalha na mesma seção de O’Brien, membro do partido interno; um ser bruto, rude, de pouca conversa na concepção de Winston. O grande inimigo do povo é Emmanuel Goldstein, repudiado todos os dias nos dois minutos de ódio, numa espécie de catarse coletiva. Goldstein é caracterizado fisicamente pelo autor como um homem magro e de procedência judaica, referências implícitas ao anti-semitismo hitlerista durante o regime nazista. As formulações teóricas de Goldstein estão inseridas num compêndio denominado ‘O Livro’, numa alusão às idéias do filósofo Karl Marx. A fraternidade representa um grupo de traidores do Partido e do Grande Irmão, igualmente execrada pelos membros do partido interno/externo. Para que nenhum membro do Partido cometa qualquer tipo de atentado contra o Grande Irmão existe a polícia do pensamento. Qualquer ato de subversão é classificado como crimidéia, passivo de execução pública através da forca.

Há ainda no desdobramento da ficção referências à criação de uma nova expressão lingüística (novilíngua), onde a contração das palavras e a supressão de outras possibilitaria a estruturação de uma linguagem minimalista e instrumental. Esta ‘profecia’ de Orwell pode ser associada nos dias de hoje à língua inglesa, que é tratada como língua universal em diversas áreas comerciais, mas principalmente no mundo da cibercultura. O Partido tem a clara preocupação de atrair as novas gerações para a sua proposta ideológica, reunidas na sigla INGSOC: novilíngua, duplipensar e a mutabilidade do passado. O duplipensar é um condicionamento social na maneira de reagir diante de determinados acontecimentos sociais, promovendo a dissociação espacial e temporal e, portanto, a anulação da memória. Diante da contradição do que é certo ou errado, real e imaginário, o Partido cria a falsa idéia de que a Oceania progride a passos largos numa evidente manipulação dos dados concretos daquela sociedade.

Todos os produtos comercializados ma Oceania tem a marca Vitória (seria uma alusão antecipatória à globalização?). Convivem com o racionamento, embora o ministério da fortuna anuncie, regularmente, produções recordes de gêneros alimentícios. A uniformidade do pensamento propagada pelo Partido atravessa todos os sentidos humanos. Este controle excessivo e autoritário causa uma impotência coletiva, eterna ansiedade, claustrofobia social generalizada. Crianças desde tenra idade são adestradas para se tornarem espiãs e delatoras – caso necessário – de seus próprios pais, como acontecia durante o período de formação da juventude hitlerista.

Nesta direção, Winston entende que somente a revolução a partir da prole – pessoas que não pertenciam ao Partido e que moravam em bairros fétidos e afastados do centro de Londres – poderia alterar a correlação de forças determinada pelo sistema de vigilância das teletelas. Porém, sistematicamente a prole era aterrorizada pelo ataque de bombas-foguete jogadas pela polícia do pensamento, assassinatos em massa que nunca constavam nas estatísticas oficiais. Os ‘proles’ por adorarem o jogo, a loteria, compreendiam o mundo à sua volta de maneira intuitiva; revoltavam-se, mas não conseguiam se organizar politicamente, razão pela qual eram explorados e expurgados facilmente, conforme palavras do narrador-personagem.
Todavia, a busca de uma memória que se perdeu entre as ranhuras do passado histórico vale à Winston a traição de O’Brien, que através da polícia do pensamento tortura-o até à exaustão. Winston é transformado numa não-pessoa, assim como Júlia, sua amante e cúmplice. Ao trair o que lhe era mais precioso – o amor de Júlia – Winston, despersonalizado e autômato, passa a venerar o Grande Irmão.

Orwell nos brindou com metáforas subjacentes aos regimes totalitários (tanto de esquerda como de direita), ma que podem ser profundamente associadas aos dias de hoje. Na era da globalização e de regimes políticos neoliberais, grandes conglomerados midiáticos ditam o que precisa ser ‘lembrado’ e o que precisa ser ‘esquecido’. A cultura do fragmento tem aí o seu viés antidemocrático e imobilizador. O controle da informação e os monopólios da mídia são ameaças à organização coletiva, unidas que estão na desqualificação permanente das falas discordantes ou dos discursos dissonantes. Pensando bem 1984 deixou de ser uma metáfora!


REFERÊNCIAS


BERTONHA, João Fábio; MOSCATELLI, Renato. A revolução dos bichos como instrumento para estudo do estalinismo e da Revolução russa. Jornal Bolando aula de História. Abr. 2000.

ORWELL, George. 1984. Trad por: Wilson Velloso. 12 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1979.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006


Quando morre um ditador

Jéferson Dantas â



A morte do ditador chileno Augusto Pinochet aos 91 anos de idade é emblemática para a América Latina. Se, por um lado, todos(as) que sofreram com as perseguições políticas, torturas, mutilações e assassinatos de familiares sentem-se aliviados(as) com o desaparecimento do ditador, não se pode afirmar que é um sentimento compartilhado por todo povo chileno. O que mais me chamou a atenção nas capas dos periódicos nacionais e internacionais no funeral de Pinochet foi a representatividade significativa de jovens em sua despedida, grande parte nem era nascida quando Salvador Allende foi derrubado por um golpe de Estado.

O que isso quer nos dizer? Um primeiro aspecto a ser analisado é a longevidade dos ditadores na América do Sul. Recentemente, o ditador paraguaio Alfredo Stroessner morreu no Brasil com 93 anos de idade. Médici, Geisel e Figueiredo no Brasil também foram longevos. Quando morre um ditador fecha-se um ciclo histórico, mas não se arranca, definitivamente, páginas sangrentas de nossa história. Um segundo aspecto a ser elucidado é a frágil sensação coletiva de que a economia e a segurança nacional foram generosamente contempladas nos anos que os ditadores governaram. Aliás, para os conservadores e as oligarquias regionais do Brasil, a ditadura militar foi pródiga, acentuando o mar de corrupção, favoritismo, clientelismo e repressão sistemática aos desafetos.

Nesta direção, os locais de memória (escolas, museus, universidades, arquivos públicos) são importantes territórios de elucidação dos crimes cometidos em nome da Ditadura ou lugares em que se reforça a heroicização da brutalidade e da arbitrariedade sem limites. Pinochet divide afetos no Chile e, por ter se declarado um homem cristão, seria incapaz de cometer crimes bárbaros em nome de seu governo. A ameaça da comunização na América Latina era o argumento mais utilizado para o uso da força, do regime do medo, da delação e da violação dos direitos humanos. O desaparecimento de Pinochet carrega, simbolicamente, esta necessidade de repisarmos o terreno da história na América Latina sob uma nova perspectiva sócio-cultural, tomando o devido cuidado de não sacralizarmos ditadores post mortem.

â Historiador. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho - Estudos do Currículo - da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz E-mail: clioinsone@gmail.com

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006


Estranhamentos e fronteiras

Jéferson Dantas [1]


O compositor, músico e escritor gaúcho, Vitor Ramil, conseguiu imprimir em seu ensaio A estética do frio uma metáfora conceitual vigorosa e necessária, principalmente, para os que moram na região mais ao sul do Brasil. Ramil não se reconhece identitariamente próximo aos que habitam os territórios contíguos à linha do Equador, neste diverso e desigual país-continente. Segundo o autor, o “frio [é] a metáfora capaz de falar de nós de forma abrangente e definidora, [simbolizando] o Rio Grande do Sul e [sendo] simbolizado por ele”.

Só é possível compreender tal metáfora olhando um pouco para as histórias regionais desse país. Após a independência política formal do Brasil na primeira metade do século 19, o imperador D. Pedro I impôs uma constituição outorgada (1824), a permanência do escravismo e a punição severa às províncias que desejassem o mínimo de autonomia política. Daí já se depreende o quanto foi difícil estruturar um Estado-Nação num país onde reinava o absolutismo monárquico e a opção clara pela economia agroexportadora, ou seja, a continuidade do modelo colonial em detrimento das nações industrializadas. Abalado por intensas críticas internas e tendo de abdicar o cargo em favor de seu filho D. Pedro II – então com apenas cinco anos de idade - e retornar à Portugal para garantir a sua coroação, o Brasil passou a ser governado por um sistema de regências. E é, justamente, o período regencial, o divisor de águas na história política e cultural do Brasil.

Como bem assinala o professor Manuel Correia de Andrade “o sentimento de brasilidade ainda era muito tênue e os problemas locais e provinciais eram bem mais preocupantes que os problemas propriamente nacionais”. Foi nesse contexto que a revolta farroupilha ganhou força, sendo até hoje a mais importante guerra civil travada em território nacional, quer pela sua duração (1835-1845), quer pela ameaça real que trouxe à unidade nacional. Para Andrade, o Rio Grande do Sul tem uma história sui generis, pois foi tardiamente povoada pelos portugueses, além de ter convivido com o litígio fronteiriço entre Portugal e Espanha. Esta verdadeira área de conflitos entre lusitanos e castelhanos demorou a ser solucionada, tanto no Rio da Prata como nas margens dos rios Uruguai e Paraná (território das Missões jesuíticas). Os rio-grandenses tinham com os castelhanos da região do Prata velhos desentendimentos. A imprecisão das fronteiras, ainda que bem definidas pelos tratados realizados pelos impérios ibéricos, não eram formalmente aceitas pelos habitantes acostumados a atravessá-las, a participar de peleas, já que possuíam propriedades dos dois lados da fronteira e manejavam rebanhos inteiros sem respeitá-las. O vaivém dos rebanhos causava atritos entre os “industriais do couro e de charque sediados no Brasil, na região de Pelotas, e na Argentina, em Buenos Aires” (BANDEIRA apud ANDRADE, 1999, p. 78).

Em linhas gerais, a revolta farroupilha, que também envolveu a província de Santa Catarina, foi ocasionada pela exploração fiscal, má administração e ausência de afinidade entre os presidentes da província e o povo gaúcho. Aliás, os presidentes das províncias eram costumeiramente alheios aos problemas locais que administravam, pois eram somente homens de confiança do poder central.

Nesta direção, Vitor Ramil não pretende em A Estética do frio definir com precisão a identidade do gaúcho ou teorizar amplamente sobre ‘qual identidade nacional temos’ e como ela se projeta no imaginário coletivo. Seria uma tarefa hercúlea, com mais indagações do que aproximações identitárias. Logo, Ramil está mais preocupado em estabelecer uma análise pontual e particular do que compreende ser o gaúcho, não propriamente aquele estereotipado, vulgarmente divulgado pela mídia. Mas aquele gaúcho urbano que se depara com os diversos brasis e que, de repente, no centro da sala, seminu, em pleno inverno do Rio de Janeiro, olha pela tevê os campos tomados pela geada, a neve na serra, e se dá conta de que precisa retornar a esse lugar-território. Foi o que aconteceu com Ramil. A partir dessa alegoria semântica (o frio como emblema do território), o compositor gaúcho passa a se reconhecer, decisivamente, naquele lugar. A introspecção criativa de Ramil é tributária, pois, desse lugar-território que dialoga, exaustivamente, com a língua hispânica, mas que ao mesmo tempo tem a contribuição cultural do imigrante alemão e italiano e, evidentemente, dos afrodescendentes. A musicalidade de Ramil é a confluência do regional com o urbano, traduzida principalmente na milonga, gênero musical apreciado pelos gaúchos e castelhanos, de caráter repetitivo, melancólico e reflexivo.

As fronteiras territoriais/culturais promovem diferentes suscetibilidades, algumas animosidades e representações diversas do que chamamos Brasil. O estranhamento está incorporado ao modus vivendi do gaúcho, que se construiu, historicamente, em meio a batalhas contra o governo imperial, estando sua figura invariavelmente associada à pecha de subversivo, arrogante e destemido. A sensação de Ramil, compartilhada, certamente, por milhares de rio-grandenses, deve ser a mesma de todos os brasileiros desse território: o que é ser brasileiro na quentura do Oiapoque até às gélidas invernadas no Chuí?


REFERÊNCIAS


ANDRADE, Manuel Correia. As raízes do separatismo no Brasil. São Paulo: UNESP/EDUSC, 1999.

RAMIL, Vitor. A Estética do Frio: conferência de Genebra. Porto Alegre: Satolep, 2004.





[1] Historiador e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador do GIEL – Grupo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem e articulador do GTEC/FMMC – Grupo de Trabalho Estudos do Currículo, do Fórum do Maciço do Morro da Cruz, Florianópolis/SC. E-mail: clioinsone@gmail.com. Blog: http://clioinsone.blogspot.com/.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Os rumos da educação em Santa Catarina

Jéferson Dantas â



Confesso que, por um instante, fiquei na expectativa da nomeação do novo secretário de educação em Santa Catarina. Uma apreensão típica de quem acredita numa surpresa positiva para um terreno tão estratégico como é o campo educacional. A nomeação de Paulo Bauer, entretanto, traz-me más lembranças e gostaria de refrescar um pouco a memória do(a) leitor(a).

Durante a greve do magistério no primeiro semestre de 2000, o então vice-governador, Paulo Bauer, fez coro ao presidente da assembléia legislativa daquele período, Gilmar Knaesel, classificando os educadores catarinenses como baderneiros. O cuidado e a lisura com que o agora nomeado secretário de educação, - que se diz preocupado com a qualificação dos educadores - contrasta, fortemente, com o vice-governador da “oposição” de seis anos atrás. Na estratégia utilizada pelo atual governo catarinense, numa aliança que tem como tripé PMDB, PFL e PSDB, fica difícil discernir quais critérios foram ou estão sendo utilizados para acalmar os ânimos na luta por cargos públicos de destaque. Afinal, a pasta da educação representa 30% do orçamento do Estado. Em síntese, o novo secretariado estadual é fruto de um arrivismo desmedido, onde as questões estruturais e as áreas de investimento revelam-se como acertos políticos inquestionáveis.

O embate na área da educação é e sempre será legítimo, assim como as conquistas do magistério público ao longo do processo democrático em construção neste país. Então, o que esperar de um secretário que chama os educadores de baderneiros de forma generalizada? O que esperar de um governo que adota, claramente, a estratégia do toma-lá-da-cá para poder administrar sem sobressaltos e com o mínimo de oposição possível? Deste modo, se alimentei alguma expectativa em relação aos rumos da educação no Estado, esta se esvaiu rapidamente. Logo, melhor estar atento ao que virá!

â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da rede municipal de ensino em São José/SC. Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho - Estudos do Currículo - da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz E-mail: clioinsone@gmail.com

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Novembrada - 30 de novembro de 1979


Novembrada 27 anos depois

Jéferson Dantas â



A novembrada, como ficou conhecida a manifestação contra o último ditador do regime militar (1964-1985), João Baptista Figueiredo, ainda está bem fresca na memória dos(as) florianopolitanos(as). No dia 30 de novembro de 1979 uma comitiva do palácio do governo aguardava o ditador, sem sequer imaginar que um grupo de jovens do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina pudesse estragar a festa na tão acolhedora, pacata e simpática Ilha de Santa Catarina. Engrossava o coro dos descontentes os taxistas ilhéus, que tinham de conviver com o racionamento de combustível nos postos de gasolina, tendo em vista a crise do petróleo no Oriente Médio. “João, o presidente da conciliação”, - um samba fora de propósito encomendado para o músico Luiz Henrique Rosa - foi uma tentativa política mal fadada de tornar Figueiredo um homem popular. A derrocada populista iniciava-se, justamente, numa cidade escolhida a dedo pela sua aparente apatia e despolitização.

O que ocorreu depois foi catastrófico para os planos dos generais auriverdes. Houve empurra-empurra, bofetões entre ministros e populares. Nem o cafezinho no saudoso “senadinho” salvou Figueiredo dos encontrões com a população enfurecida e insatisfeita com o modelo econômico adotado pelos militares. Inflação galopante, dívida externa astronômica. Tempos de abertura política. Movimentos sociais se reorganizando. Tudo contrastava. Crianças com as bandeirinhas de Santa Catarina e do Brasil realçavam com matizes surreais as cenas desenroladas naquele fatídico dia. Uma placa homenageando Floriano Peixoto foi arrancada da Praça XV. Balões enormes de gás hélio foram despedaçados. Uma resposta surpreendente que o Brasil inteiro passou a ter como referência. Longe do alcance de populares, Figueiredo foi recepcionado com uma churrascada em Palhoça, maldizendo os que teriam destratado sua mãe.


O governador biônico (indicado pelos militares) Jorge Konder Bornhausen utilizou as prerrogativas da Lei de Segurança Nacional e algumas lideranças estudantis foram presas e julgadas. Entretanto, a ala progressista da Igreja Católica com o apoio da OAB/SC e membros do MDB histórico, conseguiu reverter as condenações. Os dias que se seguiram foram desconcertantes para o governo estadual, que sofreu um desgaste enorme durante o processo condenatório dos jovens universitários. Que este breve registro sirva-nos de alento no que se refere aos desmandos da democracia representativa e, sobretudo, contra qualquer espécie de ditadura. O escritor Lima Barreto (1871-1922) dizia que o “Brasil não tinha povo, mas público”. Pelo menos neste dia, Florianópolis foi povo. E com atitude!




â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor efetivo da rede municipal de ensino em São José/SC. Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho: Estudos do Currículo da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz e do GIEL – Grupo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem. E-mail: clioinsone@gmail.com

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Repensando a cidade que queremos e habitamos


Um olhar sobre a comunidade Morro da Queimada

Jéferson Dantas·

O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente.
(Mário Quintana)

1. A importância da educação do olhar


A epígrafe acima do poeta gaúcho Mário Quintana estava impressa na camiseta de uma das funcionárias de nossa Escola. Nunca tais palavras foram tão certeiras para os propósitos pedagógicos de nossa caminhada até à comunidade Morro da Queimada. No dia 13 de março de 2004, trabalhadores em educação da Escola de Educação Básica Jurema Cavallazzi, literalmente subiram o morro para conhecerem a realidade social de nossos educandos, num dos bairros mais empobrecidos da Ilha da Magia. Guiados pelo professor de Geografia, Eduardo de Souza, futuro articulador do Projeto Escola Aberta[1] em nossa comunidade, iniciamos o nosso trajeto pela servidão Manoel Sibrino Coelho. Esta servidão encontra-se paralela à rua principal onde está situada a Escola[2].
O professor Eduardo nos relatou que há poucos registros históricos sobre o Bairro, enfatizando que há uma fronteira social bastante nítida em nossa comunidade, isto é, os moradores da “parte baixa” pertencem ao Bairro José Mendes, e os moradores da “parte alta”, pertencem ao Morro da Queimada. Esta é uma problemática pertinente, tendo em vista que as rotulações e/ou preconceitos sociais das quais os moradores do Morro da Queimada são vítimas, deve-se, sobretudo à violência sistemática promovida pelo narcotráfico, algo que “pessoas de bem” não devem compactuar. Além disso, os escassos registros históricos das duas comunidades limítrofes revelam que os antigos moradores, como o senhor Manoel Sibrino Coelho, eram proprietários de imensos lotes de terra do local, configurando práticas privatizantes tão comuns no Brasil Colonial e pós-independente. Estas permanências estão enraizadas até os dias de hoje, pois mesmo numa comunidade tão pauperizada como é o caso do Morro da Queimada, há moradores que privatizam determinados espaços sociais para a prática de esportes, cobrando taxas de uso; há casos também de moradores que construíram galpões para se guardar automóveis, tendo em vista a ausência de locais para estacionamento. Logo, as garagens improvisadas também são importantes fontes de renda para quem as construiu.
Retomando a nossa travessia, o professor-guia nos relatou ainda que a servidão de acesso ao Morro só foi “lajotada” na década de 1980. Eram comuns os desmoronamentos e acidentes envolvendo os moradores locais. O sistema de esgoto continua precário e, por que não dizer, inexistente ou clandestino em grande parte do morro. No entanto, há uma organização política mínima na comunidade, que possibilita apontar e encaminhar soluções específicas para as demandas locais. Porém, a equipe pedagógica de nossa escola compreende que a articulação entre as duas comunidades – Queimada e José Mendes – é falha em vários sentidos, pois não se reconhecem identitariamente. A Escola, neste sentido, seria o locus social ideal para “amarrar” as demandas dos dois bairros, num processo de entendimento das realidades conjuntural e estrutural.
Indaguei ao professor Eduardo o porquê do bairro se denominar “Queimada”. O professor respondeu que nos terrenos baldios do morro, onde se concentravam toda espécie de lixo e mato, os moradores queimavam o matagal para as crianças jogarem futebol. Daí, o apelido pegou. Quando diferentes grupos de crianças e adolescentes combinavam uma “pelada”, era comum se ouvir: “Vamos bater uma bola lá na Queimada?”.
As histórias contadas pelo professor-guia e os diferentes olhares que se lançavam a cada trecho de nossa caminhada, denotavam também os imensos contrastes sociais na comunidade. Bem no início do morro era possível perceber casas de alvenaria, bem acabadas, contrastando com casebres de madeira sobre estacas, ou ainda casas com reboco à vista. No que se refere aos valores culturais da comunidade, são comuns as tendas espíritas, os terreiros de candomblé e a presença das crenças evangélica e católica, dando bem a medida de uma pluralidade religiosa no local (sincretismo religioso). O professor Eduardo chegou a mencionar que o Bairro Morro da Queimada, possivelmente, é o local onde se concentra o maior número de terreiros por metro quadrado do Brasil. Algo que precisa, efetivamente, ser pesquisado com maior nível de detalhamento.
Mas, não foi apenas o professor Eduardo que nos conduziu nesta travessia. Nossos funcionários de serviços gerais da Escola, que são ou foram moradores do Bairro, relataram que a comunidade sofreu profundas modificações estruturais nos últimos vinte anos. Janilton, colaborador da Escola há quase quinze anos, relatou-nos que antigamente havia um riacho que atravessava o início do morro, e até hoje é possível ouvir o som do rio sob uma horta construída no local. O riacho foi canalizado e desemboca no mar através de tubulação subterrânea. Até meados da década de 1980, segundo Janilton, era possível beber a água deste riacho. Porém, já a partir da década de 1990, o riacho estava completamente poluído por dejetos orgânicos, assim como o próprio mar que circunda o Bairro José Mendes.[3] A funcionária Jocélia nos relatou também que quando era menina, lavava roupa num tanque natural de água com familiares e outros moradores. Hoje, o local está aterrado é há uma residência em seu lugar. Todavia, algo nos chamou a atenção numa das residências – e, talvez aqui um dos maiores contrastes: uma casa bastante simples com uma antena via satélite.
Já no alto do morro, vislumbramos uma paisagem lindíssima da ilha de Santa Catarina, englobando os bairros da Costeira do Pirajubaé, Saco dos Limões e Pantanal. Aproveitei a formação específica de nosso guia para lhe perguntar o que significa, conceitualmente, o Maciço do Morro da Cruz. O professor Eduardo me disse que a denominação Maciço refere-se a uma formação rochosa ampla que já sofreu um longo processo de erosão com o passar do tempo. Entretanto, recomendou-me a leitura de um dicionário de Geografia com conceitos pertinentes à geomorfologia.
Prosseguindo a nossa jornada pudemos perceber que não estávamos diante de uma única comunidade, mas de várias comunidades numa só, e como isto se constrói historicamente. Para se ter uma idéia desta realidade, basta atentar para as denominações que alguns locais do Morro da Queimada recebem: Boca do Vento e Jagatar. O local denominado Boca do Vento fica bem em frente a um dos templos da Igreja Assembléia de Deus. Está completamente baldio, com muita sujeira e mau cheiro. Aliás, o lixo exposto a céu aberto é uma situação presente e permanente no Bairro. A Boca do Vento está circundada por muros – já que é uma propriedade privada - e deste local é possível enxergar as pontes que integram a ilha ao continente. O professor Eduardo fez uma importante comparação da situação urbana de Florianópolis nos dias de hoje com duas representações iconográficas de Debret no século XIX.[4] Os lugares de memória representados pelo pintor francês Debret estão, atualmente, quase que completamente desfigurados. O aterro da Baía Sul na década de 1970 tornou a paisagem de Florianópolis mais verticalizada e sem os ares de provincianismo tão comuns até a década de 1960.
Próximo à Boca do Vento havia muitas crianças que estudam em nossa Escola. Era transparente a felicidade destes meninos e meninas com a presença dos professores e diretores. Aliás, alguns professores chegaram a visitar seus alunos em suas residências. As crianças sentiram-se importantes e prestigiadas com a nossa visita. Antes de descermos o morro, fomos na divisa da comunidade da Queimada com a Comunidade do Mocotó, esta última tristemente conhecida pelo narcotráfico e por chacinas nos morros. O professor Eduardo comentou que, para os técnicos do IPUF – Instituto de Planejamento e Urbanismo de Florianópolis – os morros da Queimada e Mocotó estão assinalados como bairros centrais da capital, deturpando os dados oficiais de qualidade de vida da cidade e elevando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Na descida do morro entramos numa estradinha esburacada que dá acesso a um local denominado Jagatar[5], que foi invadido ilegalmente pelos moradores. Por ser um território não legalizado, os próprios moradores da comunidade da Queimada não respeitam os ocupantes deste local. No Jagatar não há tratamento de esgoto e toda a rede elétrica é clandestina, ou seja, a prática das gambiarras é uma constante no local. Perto desta localidade havia uma fabriqueta de massas, que chegou a funcionar por um tempo, absorvendo a mão-de-obra local. Com o fechamento da microempresa, os trabalhadores locais ficaram sem ter para onde ir e passaram a ocupar ilegalmente o terreno das proximidades. Hoje, a antiga fabriqueta de massas abriga uma Igreja Católica, que dá respaldo aos moradores ilegais. A prefeitura, no entanto, faz vistas grossas, mas em compensação não realiza qualquer iniciativa de urbanização da comunidade como um todo.
Antes de voltarmos para a Escola, passamos em frente à creche que atende a Comunidade da Queimada. A creche se chama São Sebastião e foi fundada no dia cinco de outubro de 1991, com recursos da Organização Não-Governamental Ação da cidadania dos empregados da Caixa Econômica Federal. Ao lado da creche há dois bares e mais adiante uma pequena mercearia[6].


2. O momento do registro Coletivo: limites e possibilidades de intervenção pedagógica

Ao retornarmos para a Escola tomamos um rápido café e depois fomos registrar coletivamente as nossas impressões da caminhada. Fiquei como sistematizador das falas coletivas, dividindo o quadro em três segmentos: 1) Meio Ambiente; 2) Aspectos sociais e culturais; 3) Aspectos econômicos e renda. A Diretora Geral ficou responsável pelas inscrições.
Os professores consideraram que a comunidade carece de uma coleta seletiva de lixo e o tratamento de água e esgoto. Aliás, uma professora me relatou que alguns alunos não têm banheiro e que fazem as suas necessidades fisiológicas no mato. Registrando fielmente a fala do aluno, ele teria comentado o seguinte para a professora: “Eu caco no mato!”. Ainda no segmento Meio Ambiente, os professores apontaram que as casas possuem uma construção frágil e que muitas estão em situação de risco (desmoronamento) e há muitos dejetos orgânicos de animais pelas ruas, principalmente de cachorros.
Já no segmento dos Aspectos Sociais e Culturais, foi considerado que a maioria de nossas crianças são negras, mas há uma diversidade étnica muito grande, principalmente de famílias originárias do oeste do Estado.[7] Além disso, apresentam diferentes crenças religiosas. Convivem diariamente com a violência doméstica e o narcotráfico. As crianças têm pouquíssimas áreas de lazer e as famílias, aparentemente, são bastante influenciadas pela televisão, já que na maioria das casas há pelo menos um televisor. Uma professora, ex-moradora da comunidade, enfatizou que o Bairro tem duas realidades bem distintas: uma realidade diurna, mais tranqüila, e uma realidade noturna, onde impera o tráfico de drogas, a prostituição e o alcoolismo.
No segmento Trabalho e Renda uma professora apontou que os moradores da comunidade são consumidores potenciais, pois querem ter os mesmos bens da classe média. Este apontamento foi questionado por uma outra professora, que considerou que eles não têm condições materiais para adquirir bens de consumo tipicamente da classe média, esta última, freqüentadora assídua dos templos de consumo (shopping centers); na realidade, estes moradores são consumidores de sobras dos feirões e usam roupas e calçados doados, fora dos padrões de suas medidas. Um professor comentou que já estão sendo realizadas pesquisas nos morros da capital por grandes empresas, objetivando a identificação do perfil consumidor destas comunidades.
Evidentemente, que outras questões foram levantadas e que não foram registradas neste breve texto. Afinal, são diversos olhares sobre a comunidade e é bem provável que muitos professores e funcionários tenham analisado a realidade social dos nossos educandos por diferentes prismas. O que ocorre, porém, numa atividade como esta pela qual nos propomos é a qualidade de nosso planejamento de aula e, por conseguinte, a importância de registrarmos as nossas impressões sobre o processo ensino-aprendizagem de nossos educandos. Volto a afirmar aqui o que disse para os professores no dia 13 de março: nós, educadores, fazemos a diferença sim! Por mais desenganados que nos encontremos, seja pelos salários aviltantes ou pelas condições de trabalho indesejáveis e insalubres, não podemos vendar os olhos para uma realidade evidente e estrutural. Ao retomarmos os nossos planejamentos, tenho convicção de que não estaremos executando uma tarefa burocratizante e mecânica, mas sim um projeto de ensino quiçá interdisciplinar, envolvendo todos os sujeitos históricos da Escola.
Por fim, é importante agradecer aos que entenderam ao chamado desta primeira caminhada pedagógica de 2004. Outras caminhadas estão previstas ao Morro da Queimada, desta vez com roteiros prévios, para que possamos dialogar com as famílias e com os alunos, identificando suas necessidades mais prementes, seus sonhos, suas utopias. E parafraseando o mestre João Guimarães Rosa, o importante não é a chegada e nem a partida, mas o processo histórico de nossa travessia; ou ainda lembrando a epígrafe deste texto: o passado não reconhece o seu lugar. Está sempre presente. E será justamente na construção dialógica do passado com o presente e do presente com o passado, que teremos as ferramentas conceituais para ultrapassarmos as concepções rasteiras do senso comum.


· Bacharel Licenciado em História e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
[1] O Projeto Escola Aberta configura-se como um dos antigos sonhos de toda a equipe pedagógica da Escola. Em linhas gerais, propõe a abertura da Escola nos finais de semana para os pais, alunos e equipe pedagógica, objetivando o oferecimento de oficinas diversificadas, treinamentos específicos para a área de informática, práticas desportivas e grupos de estudos para as diferentes áreas do conhecimento humano. Por ser um projeto orgânico, debatido nas instâncias deliberativas da Comissão de Educação do Fórum do Maciço, seu propósito maior é aproximar as comunidades locais às Escolas do Fórum.
[2] A rua principal de acesso à nossa Escola chama-se Professor Aníbal Nunes Pires. Esta rua foi inaugurada há cinco anos atrás – no dia 23 de março de 1999, aniversário da cidade - na primeira gestão da prefeita Ângela Amin, considerada por determinados meios de comunicação como uma das melhores prefeitas do Brasil. Entretanto, passados exatos cinco anos desde a inauguração da rua, os problemas estruturais continuam sendo os mesmos, embora a mídia impressa catarinense tenha ressaltado com orgulho o fato de Florianópolis ser considerada a capital com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para crianças e adolescentes do país.
[3] Cabe ressaltar que há alguns anos atrás a empresa Vonpar Refrescos Ltda., representante da Multinacional Coca-Cola, foi responsável por boa parte da poluição da praia do Bairro José Mendes. O fechamento da fábrica e pendengas judiciais posteriores, não solucionaram o processo de poluição permanente do local.
[4] A Missão Artística francesa chegou ao país por iniciativa de D. João VI, no ano de 1816. Os artistas franceses, inicialmente, foram contratados como professores. Além de ministrarem aulas em vários cursos criados durante a permanência da Família Real portuguesa no Brasil, os artistas franceses debruçaram-se sobre as paisagens e o cotidiano das cidades do litoral brasileiro, destacando-se Nicolas-Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret.
[5] O nome Jagatar foi retirado da ficção televisiva, mais precisamente da teledramaturgia global. A novela do horário das seis chamada “Estrela Guia”, estrelada pela cantora e dublê de atriz, Sandy, retratava uma comunidade hippie localizada numa cidade distante e cercada de bosques. Ironicamente e com uma boa dose de humor tipicamente brasileiro, os moradores ilegais desta região da Queimada batizaram o local de Jagatar, ou seja, um lugar no meio do nada rodeado de mato. Cabe ressaltar aqui a influência que os meios de comunicação, notadamente, a televisão, exercem sobre as comunidades empobrecidas, inculcando valores e um modus vivendi estranho ao seu cotidiano.
[6] Levando-se em conta que se trata de uma creche, os bares deveriam se localizar em pontos mais afastados, conforme a Lei vigente.
[7] Na periferia da capital e, principalmente nos morros, encontramos muitos migrantes catarinenses que, em busca de melhores condições de vida, acabam se marginalizando cada vez mais. A ausência de políticas públicas efetivamente estruturais no meio-oeste catarinense e também no planalto serrano ocasiona o inchaço urbano em Florianópolis e o desequilíbrio social crescente.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

A África revisitada




Jéferson Dantas



Segundo o geógrafo Rafael Sanzio Araújo dos Santos ainda não se fez o “suficiente, o necessário, o durável pela África. O mundo, a Europa, a América, tem grave responsabilidade nesse processo secular de falência”. Num continente onde 40 de seus 52 países estão entre os mais pobres do mundo, não há mais como vendar os olhos para a destruição permanente de um território historicamente explorado pelas grandes potências capitalistas. Uma exploração construída pela violência física e simbólica em relação às grandes civilizações africanas, escravismo mercantil e a ideologia xenófoba proveniente de várias partes da Europa.

O Brasil, sendo a segunda maior nação de ascendência africana do mundo, deve muito a esse continente. Afinal, foram os braços dos escravos africanos que construíram esse país nos últimos quatro séculos. E, assim como na África, os regimes colonial, imperial e republicano no Brasil não deram conta da inclusão da grande maioria dos afrodescendentes no processo produtivo nacional. Os afrodescendentes ainda não conseguiram estabelecer um processo de “empoderamento” que lhes dê a visibilidade merecida. Entre preconceitos e estereótipos que acompanham a triste e sinuosa história desses homens e mulheres separadas pelo Atlântico, há a permanência da ideologia eurocêntrica, mais apaziguadora do que comprometida com a situação de miserabilidade dos povos africanos.


Assim, para que a nação brasileira possa construir um projeto de inclusão, torna-se imprescindível reavaliar os descaminhos do processo educacional público brasileiro, pedagogicamente/historicamente autoritário e extremamente excludente. Além disso, é fundamental repensar a realidade cruel das comunidades periféricas de morros e encostas de várias cidades brasileiras, que apresentam como perfil étnico, em grande parte, homens e mulheres de descendência africana. O continente africano, assim como o Brasil, foi secularmente dilapidado. Na África, tragicamente, impera em grande medida regimes políticos frágeis e suscetíveis à corrupção endêmica. É esta a herança nefasta que queremos e projetamos para as gerações futuras brasileiras? Uma sociedade onde a impunidade, o racismo e o arrivismo são as faces da mesma moeda?




domingo, 5 de novembro de 2006

O custo das oligarquias




Jéferson Dantas



Nas primeiras décadas do século XVI a coroa portuguesa dividiu a sua nova colônia na América em quinze grandes trechos de terra que contornavam o litoral brasileiro, sistema que ficou conhecido como capitanias hereditárias. As capitanias hereditárias do ponto de vista social, econômico e político foi um total desastre. Além de ter concentrado enormes extensões de terra nas mãos de pouquíssimos donatários, representou a gênese perversa do latifúndio improdutivo numa terra em que, originariamente, civilizações autóctones extraíam sua subsistência da própria natureza. A lógica do mercantilismo europeu ou o pré-capitalismo teve no Brasil sua face perversa com a escravidão que durou mais de três séculos, situação que nos envergonha até os dias de hoje.

Todavia, os nichos sócio-culturais dos oligarcas continuam mais vivos do que nunca. Embora arrefecidos nas últimas eleições para cargos executivos no Brasil, as oligarquias regionais durante muitos séculos governaram e governam boa parte do Brasil. A truculência grotesca, favoritismo, clientelismo, paternalismo ou a ameaça sistemática aos seus desafetos, são as características mais evidentes deste gênero político nefasto e dasalentador. Se outrora as oligarquias rurais (coronelismo) chefiavam seus redutos eleitorais via voto do cabresto e outras artimanhas indecorosas, as oligarquias urbanas souberam muito bem se aproveitar dos anos de chumbo no Brasil através da conveniência com a tortura, repressão sistemática e delação em larga escala. Tanto as oligarquias rurais como as urbanas hoje se confundem. Ocupam o Congresso Nacional e mantém a mesma postura arrogante de seus descendentes seculares. Governam de costas para as populações empobrecidas. Oferecem migalhas em troca de seu empoderamento ad vitam aeternam.

Logo, o custo social das oligarquias é bem evidente. Entre outros aspectos, sepultam a liberdade de expressão, condenam a vivacidade das vozes dissonantes à humilhação pública e ao desterro. Submete a população empobrecida a uma condição cada vez mais paupérrima e ignorante. Anulam os projetos de ascensão social dos que mais necessitam. Os trogloditas de prenomes e sobrenomes que habitam esta terra há centenas de anos representam a imagem mais deprimente de uma nação que precisa crescer economicamente e socialmente apesar deles.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Plano Diretor Participativo


Plano Diretor Participativo em risco (?)

Jéferson Dantas â



O pedido de demissão de seis secretários do executivo municipal de Florianópolis é um importante alerta para avaliarmos a reestruturação administrativa da capital catarinense. Mais do que uma exoneração coletiva, as disputas internas pelo poder denotam o estilo de governo de Dário Berger, bastante acostumado à centralização, prática desenvolvida quando prefeito de São José, na grande Florianópolis. Entretanto, Berger necessitará ter jogo de cintura na continuidade das discussões do Plano Diretor da Capital, tendo em vista que os movimentos sociais envolvidos – principalmente o Fórum do Maciço do Morro da Cruz - não arredarão o pé enquanto não forem devidamente ouvidos. Uma novidade que o atual prefeito municipal desconhecia, ou seja, a mobilização organizada da sociedade civil.
Também é verdade que os demissionários – e aqui cito dois em especial – não estavam nada confortáveis em suas funções. Rodolfo Pinto da Luz, secretário da Educação, provavelmente reconheceu as limitações do cargo ou a restrita abrangência de deliberações mais autônomas. Pinto da Luz tem uma trajetória política que não lhe permite arriscar compromissos partidários que possam afetar a sua imagem. Optou por projetos pessoais mais focalizados. Ildo Rosa, responsável pelo IPUF, embora tenha voltado atrás em sua decisão, alegou orçamento apertado e excesso de burocracia em sua pasta. Todavia, estava tendo uma atitude democrática na condução do Plano Diretor, ouvindo, sugerindo e participando de diversas assembléias coordenadas por lideranças comunitárias.

Logo, os desdobramentos da exoneração coletiva do executivo de Florianópolis só poderão ser percebidos nos próximos dias, quando o secretariado for recomposto. Cabe, porém, enfatizar a condução de um Plano Diretor Participativo calcado nas necessidades prementes de milhares de pessoas em situação de risco nos morros e encostas da capital (em torno de 30 mil, atualmente). Florianópolis possui especificidades geográficas e naturais que precisam ser respeitadas. Para que Berger consiga se fortalecer no Executivo, terá de ouvir a sociedade civil. Caso contrário sofrerá reveses incalculáveis em seu ambicioso projeto de escalada política.


â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho Estudos do Currículo, da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz E-mail: clioinsone@gmail.com

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Projetos simplificados



Jéferson Dantas



Na reta final do segundo turno os dois candidatos à presidência da república brasileira ainda não manifestaram, claramente, seus projetos sociais. Acusações pessoais, maniqueísmo tosco, endemonização e tons desqualificatórios são destilados à revelia do eleitorado. Alckmin tem a seu favor os velhos caciques regionais, que não medirão esforços para convencer os eleitores indecisos no pleito de 29 de outubro. Lula ainda repousa na aura mítica que o levou ao poder em 2002, mas que não poderá se sustentar ad infinitum numa possível vitória no segundo turno.

Tanto Lula quanto Alckmin não farão grandes mudanças macroeconômicas. O comando tucano mexerá drasticamente no gerenciamento público – o chamado ‘choque de gestão, propalado por Alckmin -, já que sua agenda está intimamente associada ao reformismo neoliberal. Para o presidente Lula a reforma política passa a ser uma questão estratégica, o que poderá processar mudanças significativas na história do Partido dos Trabalhadores. Porém, uma coisa é certa: Alckmin e Lula não empolgam o eleitorado médio brasileiro. Há, inclusive, temores velados de que Lula, ganhando a eleição, terá enormes dificuldades para governar nos próximos quatro anos. Ou seja: rumores de golpismo no ar!

Os golpes contra a democracia acontecem, justamente, quando os mecanismos jurídicos existentes fracassam. Sempre há argumentações radicais e autoritárias reivindicando punições exemplares, exclusões, destituições e certo saudosismo auriverde. A polarização ideológica que se vê nesse momento histórico da política nacional revela ainda duas trajetórias distintas. Alckmin agrada em cheio as elites e parcela do eleitorado que aposta no ‘bom presidente’ que sabe representar o povo, isto é, o formato, a embalagem é mais importante que o conteúdo. Já Lula tem apoio dos mais pobres e para muitos ‘foi longe demais como presidente’. A endemonização de Lula por determinado segmento da imprensa não ajuda em nada a compreensão de seu significado político para o Brasil. Na longa e penosa consolidação democrática tupiniquim reinam os clichês envolvendo bandidos e mocinhos. Esquecem os polemistas de plantão que a nação brasileira é bem maior de que seus dilatados egos.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Um ex-cineasta formador de opinião e falsos polemistas!


Um ex-cineasta é o maior formador de opinião do país. Posa de jornalista e muita gente o leva a sério. Um outro articulista do semanário Veja - que escreve nas últimas páginas da revista - também gosta de ser levado a sério. Hoje convivemos com esses falsos polemistas! Gente sem caráter que ganha a vida desqualificando os outros com a maior naturalidade. A 'estratégia da desqualificação', aliás, é bem conhecida do tucanato. Não por acaso o ex-cineasta e o jornalista-marrom são defensores enfáticos da política neoliberal.
Em tempos de eleição, os falsos polemistas ganham ares de profetas, agradando a classe média classicamente influenciável. Está mais do que na hora de resgatar-se uma imprensa combativa e realmente preocupada com os interesses da sociedade. Se é que algum dia a grande mídia se interessou pelos incautos de olhares bovinos...

O Oligarca que gosta de desqualificar


O Senador Jorge Konder Bornhausen (PFL) - e toda a cúpula intelectualóide do PSDB/PFL - tem o feio costume de desqualificar seus desafetos. Governador biônico em Santa Catarina durante a ditadura militar (1978-1982), parece se ressentir dos tempos que podia utilizar as prerrogativas da Lei de Segurança Nacional (LSN). Naquela época nebulosa da história política brasileira, Bornhausen tinha como aliado o seu afilhado Esperidião Amin, Secretário de Obras de seu governo - a pasta mais bem servida de recursos públicos. A última pérola de Bornhausen (conhecido no meio político como 'alemão') foi essa:
O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), chamou nesta terça-feira o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "mentiroso" ao reagir às críticas do petista contra o candidato Geraldo Alckmin (PSDB), feitas durante entrevista concedida esta manhã à Rádio Bandeirantes. Bornhausen disse à Folha Online que Lula vem mantendo uma versão mentirosa sobre a possibilidade de Alckmin privatizar empresas estatais como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Formidável! Bornhausen acusa o presidente Lula de mentiroso! O oligarca agora posa de esteio da moralidade e da ética! Convenhamos, senador, é necessário muita pachorra para assumir esse papel que, efetivamente, não lhe cabe.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

O monopólio da mídia


Hora de decidirmos!

Jéferson Dantas â



Aproxima-se o dia das eleições. Momento de decidirmos os rumos do país, de apostarmos em novos projetos políticos ou de legitimarmos estruturas arcaicas, baseadas no empreguismo em larga escala, populismo desbotado, nepotismo e oligarquias fundadas e alimentadas durante o regime militar. Importante lembrar ainda a função das mídias impressa e eletrônica na cobertura do processo eleitoral e a responsabilidade da mesma na influência da opinião pública. Em tempos de desqualificação de intelectuais de peso - como foi o caso da filósofa Marilena Chauí -, pelo semanário ‘VEJA’, torna-se fundamental compreendermos os limites de atuação dos grandes monopólios do mundo da comunicação.

Na lógica do capital os monopólios ditam as regras do mercado e exigem que a sua oferta seja aceita em larga escala, ainda que o custo/benefício nem sempre seja favorável. Entretanto, imaginar essa lógica no mundo da informação ou do entretenimento é extremamente perigoso. Cai-se na armadilha de todos terem acesso às mesmas informações, reproduzidas ad nauseam em jornais, emissoras de tevê e rádio. A uniformização das notícias, com raríssimas reportagens de peso, introduz o incauto leitor na pachorrenta e miserável explanação de acontecimentos que dizem respeito aos rumos do país, como é o caso do processo eleitoral. Nada razoável aceitar diretrizes editoriais que tem dois pesos e duas medidas. Ainda mais numa democracia frágil como a de nosso país, onde o quarto poder tem mais barganha do que o Estado.

Logo, receio que nos encontremos diante uma imprensa cada vez mais homogênea e assecla de interesses escusos. Como já comentei em artigos anteriores, liberdade de imprensa pressupõe responsabilidade e compromisso ético com o seu leitor. Se assim não for, a falácia do jornalismo independente apenas reforçará o coro das retóricas vazias, e saberemos, perfeitamente, de que lado estará aquele que, teoricamente, preocupa-se com a informação isenta e desvinculada de grandes grupos econômicos.
â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor efetivo da rede municipal de ensino em São José/SC. E-mail: clioinsone@gmail.com

sábado, 16 de setembro de 2006

A escola dos meus sonhos




Jéferson Dantas


Na escola dos meus sonhos não há grades, nem sinal que lembre ambulâncias ou corpo de bombeiros; há, no entanto, um currículo integrado, educadores comprometidos politicamente, diretores eleitos pelo voto direto, espaços de inclusão lúdicos, pais participativos e estudantes entusiasmados com o processo de aprendizagem. Na escola dos meus sonhos todos são responsáveis pelos encaminhamentos pedagógicos. Há grupos operativos, com tarefas pré-definidas e avaliações permanentes. Sendo um lugar público, a escola dos meus sonhos se define e se identifica com ações públicas, e não com o poder estatal clientelista, alinhado ao favoritismo e ao nepotismo. A escola que povoa meus mais recônditos pensamentos entende a democracia como construção cotidiana, inacabada, imperfeita, porém, prenhe de possibilidades.

A realidade, entretanto, está permeada pelo embrutecimento e o desencanto. Dados do Ministério da Educação (MEC) revelam que o Brasil está com um déficit de educadores na Educação Básica em torno de 710 mil profissionais. Em médio prazo isso será o colapso da nação! Salários pouco atrativos, condições de trabalho desumanas, violência física e simbólica crescente no ambiente escolar, direções indicadas (cargos de confiança) e grades curriculares fragmentadas, são apenas alguns exemplos da desistência sistemática de educadores ingressantes no magistério. Um país que queira ser competitivo tecnologicamente e amadurecido, politicamente, tem de investir em educação de forma robusta, elegendo-a como a prioridade número “um” do país.

Nesta direção, a escola dos meus sonhos não é a utopia incerta, a idealização ad infinitum, as projeções que arrefecem ou vão para as calendas gregas. A escola dos meus sonhos é e sempre será possível, pois se configura como um dos poucos espaços públicos de construção do conhecimento e de exercício da democracia, da ética e da formação política. Desistir desse sonho é desistir da juventude, arremessando-a para a cultura da violência, desapego à vida e ao arrivismo sem fronteiras.

â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor efetivo da rede municipal de ensino em São José/SC. Articulador do GTEC/FMMC (Grupo de Trabalho Estudos do Currículo do Fórum do Maciço do Morro da Cruz). E-mail: clioinsone@gmail.com

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Indignar-se é preciso...

O gérmen da indignação

Jéferson Dantasâ

A indignação é uma das sensações humanas mais dilacerantes, porém, também é a que mais nos impulsiona à transformação e às reivindicações legítimas. Numa conversa informal com colegas de trabalho tive um exemplo nítido de como a indignação pode ter uma jornada tortuosa, culminando no arrefecimento profundo. Acontece que ouvir de educadores tão jovens a afirmação categórica, imperativa, inquestionável de que o Brasil não tem jeito e não é um país sério, concorre para um sinal de alerta há muito estudado e pesquisado: educadores ingressantes não querem mais trabalhar em escolas! Isto resultará em políticas públicas de valorização do magistério?

Há, contudo, um outro aspecto embutido na indignação arrefecida de meus colegas de trabalho: o desejo de ir embora do Brasil. Ir para um país onde as leis funcionem, onde a impunidade não impere e que a violência social seja tratada como política de Estado, preferencialmente com ações preventivas e que não determinem a chacina de vidas humanas por grupos de extermínio. Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Suécia, Dinamarca, Suíça... Estes são alguns dos lugares sonhados pelos jovens trabalhadores brasileiros. Potencialidades que o nosso país exporta a custo zero. Se tiverem sucesso, não voltam mais! Cuidarão de seus filhos longe do Brasil e lembrarão deste território em épocas de copa do mundo, num misto de exílio, exotismo e resignação.

Deste modo, indignar-se atualmente não tem mais a mesma compreensão semântica dos tempos de enfrentamento à ditadura militar ou a qualquer forma de autoritarismo (estatal ou privado). A indignação do tempo presente se limita às bravezas, explosões momentâneas e um profundo mal-estar, principalmente pela ausência da coletividade. Tenho cultivado a minha indignação entremeada ao lirismo. Mas, acima de tudo, há a recusa explícita do conformismo. A resignação é a desistência da Vida. Seria a vitória triunfal de Tânatos. Que o nosso Eros criador possa ser maior que a incompetência dos homens públicos e que nos orgulhemos deste país repleto de contradições, armadilhas, alegrias e muitas vezes sem nenhum caráter, tal qual o mito macunaímico.

â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor efetivo da rede municipal de ensino em São José/SC. Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho de Estudos do Currículo da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz e do GIEL – Grupo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem. E-mail: clioinsone@gmail.com

domingo, 27 de agosto de 2006

Candidato ao Senado por Santa Catarina decreta o fim das ideologias!



O fim das ideologias (?)

Por Jéferson Dantas



Um determinado candidato a senador por Santa Catarina tem pedido aos seus leitores no horário eleitoral gratuito um voto de confiança, “independente das ideologias”. Isto me chamou bastante a atenção, afinal escolhemos os representantes do poder Legislativo não só pelo seu histórico, mas, sobretudo pelo seu entendimento de sociedade e pela maneira como a sua agremiação partidária se comporta na elaboração de leis que atendam ao bem comum. O candidato decretou o “fim das ideologias” com a maior tranqüilidade, estabelecendo uma nova regra: os eleitores não precisam mais se preocupar com os matizes ideológicos de direita, centro ou esquerda; estão todos no mesmo barco (ou saco).


Embora a credibilidade da classe política se encontre bastante abalada, onde impera a impunidade e a corrupção nos três poderes, engana-se quem acredita que as ideologias estão mortas e sepultadas. O movimento histórico nos últimos vinte anos, com o fim do socialismo real e a hegemonia praticamente absoluta do neoliberalismo, apenas nos aponta com gravidade a necessidade da sociedade civil se reinventar. Em outras palavras, urge a elaboração de uma contra-hegemonia que recupere a força das utopias, de uma sociedade mais justa e igualitária. A violência crescente e o fosso cada vez maior entre a opulência e a miséria é responsabilidade do Estado sim! Porém, quando o Estado se desresponsabiliza de suas funções primordiais, jogando para o mercado o equilíbrio social e econômico, temos aí uma opção de classe, ou seja, a ideologia da classe dominante e a manutenção do statu quo de um determinado segmento social.


Logo, as ideologias não morreram e estão longe de serem sepultadas. O candidato ao senado por Santa Catarina comete um equívoco premeditado. Aposta na velha máxima de que os(as) eleitores(as) votam no “indivíduo” e não na ideologia partidária. As coligações inimagináveis, as bravatas de auditório e homens públicos comprometidos com as velhas oligarquias é que precisam ser desveladas em Santa Catarina. Se as opções são cada vez mais exíguas, que pelo menos saibamos reconhecer as práticas discursivas dos(as) candidatos(as) ao Congresso Nacional, discursos esses que beiram ao cinismo, baseados na crença de que os(as) eleitores(as) são ingênuos(as) e não sabem separar o joio do trigo.








segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Mídia e desqualificação do(a) educador(a)




Por Jéferson Dantas



Tem me causado muita surpresa a maneira como um grande grupo empresarial da mídia na região sul tem tratado a questão da educação em Santa Catarina. São matérias sistemáticas em periódicos impressos e também nos telejornais diurnos e noturnos que desqualificam os educadores catarinenses, invertendo a lógica de que a precarização da educação pública é, acima de tudo, uma questão estrutural e não simploriamente “culpa” de quem tem formado gerações inteiras de catarinenses.

Uma das últimas matérias publicadas por este importante grupo empresarial da mídia, apontou em “rápidas pinceladas” que os atestados médicos dos professores se ampliaram consideravelmente no mês de julho, denotando, aparentemente, que os professores estão se utilizando artificiosamente dos atestados para não trabalharem. Ou seja, as juntas médicas estão sendo coniventes, certamente (?). Nunca li neste periódico uma matéria consistente sobre as doenças psíquicas e físicas que os educadores sofrem nos ambientes escolares, muitos deles sucateados e impróprios para a prática pedagógica. Apenas para citar, a síndrome de burnout e o assédio moral são apenas algumas das situações corriqueiras em várias escolas catarinenses e do Brasil como um todo.

Já em seus telejornais, a empresa tem reservado espaços específicos para tratar da educação e os seus âncoras com olhares bravios exigem limites à indisciplina dos estudantes e atitudes enérgicas dos educadores. Num dos últimos programas que assisti, sugere-se sutilmente que o modelo privado de educação básica deve ser o mesmo seguido pelo modelo público, tendo em vista que os “resultados” são mais positivos, objetivos e direcionados (leia-se vestibular). Em outros termos, a relação mercantilista/trabalhista da educação acaba se tornando a mais adequada para se evitar as faltas freqüentes dos educadores e a disciplinarização de sua conduta no ambiente escolar.

Logo, faz-se importante a relativização do que tem sido publicado pela mídia no que se refere à educação catarinense, principalmente quando um determinado grupo empresarial se coloca como interlocutor privilegiado ou “arauto” das mazelas educacionais. Não se pode confundir a liberdade de imprensa com irresponsabilidade. Ao culpabilizar, nas entrelinhas, os educadores pela falência da educação, os empresários da mídia cometem uma grande violência simbólica contra aqueles(as) que estão, justamente, numa das pontas mais frágeis dessa problemática. Invés de culpar educadores e educadoras pelo fracasso escolar dos educandos, não seria mais honesto e responsável pesquisar profundamente o que está embutido no processo ensino-aprendizagem?

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Nada de novo no "front"...

Portal Último Segundo, 14/08/2006

Baixo nível da educação brasileira limita crescimento, diz estudo do Ipea

BRASÍLIA - O Brasil fez muito nas últimas décadas em matéria de educação, mas hoje há relativo consenso de que o baixo nível educacional da nossa força de trabalho é um dos fatores limitativos do crescimento. A constatação está no documento Brasil, o estado de uma nação, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o texto, a população brasileira é formada por pessoas que "podem ser tuteladas e podem até atingir bons níveis de produtividade". O estudo ressalta que essas pessoas têm baixa capacidade para realizar tarefas mais complexas e tomar decisões que exigem capacidade analítica mais sofisticada, o que impede o desenvolvimento.

Embora reconheça que há mais ofertas, o Ipea diz que falta qualidade no ensino. Entre 1970 e 2000, o número de matrículas saiu de 1,119 milhão para 3,680 milhões no ensino médio, e de 425 mil para 2,694 milhões no ensino superior. Entretanto, o texto qualifica de "lastimável" a educação básica no país, ao compará-la à de outros lugares. "A pior notícia das comparações internacionais é a constatação de que a capacidade de compreensão de leitura dos alunos das nossas elites é inferior ao nível obtido pelos alunos de classes mais baixas da Europa".
Apesar do aumento do número de vagas, especialmente no ensino fundamental, os pesquisadores do Ipea consideram má a qualidade do ensino, e constatam que não há estímulo para a permanência do aluno na escola. Embora o ensino fundamental tenha se universalizado, ou seja, todos entram na escola, somente 84% concluem a quarta série e 57% terminam o ensino fundamental. No nível médio, o índice deconclusão é de apenas 37%, sendo que, entre indivíduos da mesma idade, que entram ao mesmo tempo na escola, apenas 28% saem com diploma. O estudo relaciona a evasão à condição social do aluno. Na categoria dos 20% mais pobres do país, 95,2% dos alunos entre 7 e 14 anos estão na escola. Quando chegam à idade entre 15 e 17 anos, a proporção cai para 73,6%. No grupo entre 18 e 24 anos, apenas 28% permanecem estudando. Entre os 20% mais ricos, 99,3% das crianças entre 7 e 14 anos estão na escola. Dos 15 aos 17 anos a parcela é de 94,6% e dos 18 aos 24 anos, 51,6%. "A ordem do dia é investir incansavelmente em qualidade, passando pela melhor qualificação dos professores, pela melhoria da infra-estrutura de ensino e pela motivação de seus profissionais", conclui o texto do Ipea.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Para pensar...agir...e resistir!

Folha de São Paulo, 04/08/2006 - São Paulo SP

Esquizofrenia na educação e cultura

Alcione Araújo

Os números são eloqüentes: dos 186 milhões de habitantes, a educação -estudantes e professores, do ensino fundamental ao doutorado- envolve 55 milhões. Cotejar esses números com os da produção artística é deparar-se com outro país. A tiragem média de um romance no Brasil é de 3.000 exemplares; a ocupação média dos teatros, de 18%; em crise, as gravadoras têm números pífios, e a média de espectadores de filmes brasileiros, de 250 mil, está em 180 mil em 2006.

Os números revelam enorme desinteresse pela arte e, deduz-se, cresce a distância entre os significados percebidos pelo público e o conteúdo latente das formas de expressão. Nem os 55 milhões envolvidos na educação usufruem da produção artística. O país vive esquizofrênica fratura: uma educação sem cultura e uma criação artística sem público. A economia pode até crescer, mas cresce sem alma. Criação da subjetividade, de percepção subjetiva, as artes interagem com as demais metáforas -filosofia, antropologia, sociologia etc.- criadas pela sensibilidade e razão humanas para se entender, entender o mundo e se entender no mundo. Braço sistematizado da cultura, a educação tem métodos, normas e hierarquias para realizar a transmissão do saber. A expectativa é que, vivenciado o processo -graduar-se, digamos-, se esteja preparado e motivado para fruir a arte de várias épocas nas suas várias formas. O que se vê, porém, são médicos que jamais leram um romance, engenheiros que nunca foram ao teatro, advogados que não vão ao cinema, dentistas que não se emocionam com a música etc. Na origem do fenômeno, uma sociedade que não tem a educação e o saber como valores, mas sim como meios de ter uma profissão e se inserir na produção. Se assegurar o emprego, prescinde-se da qualidade no ensino, ou, num utilitarismo ingênuo, se dá o diploma, cumpriu o papel. Sem minimizar a importância do emprego num país carente dele, com tal visão, a educação renuncia à função de desvelar universos e se limita a formar mão-de-obra mais ou menos qualificada. Compelida pelos vestibulares, a idéia reflui aos níveis médios, reduzidos a cursinhos preparatórios. O pragmatismo expulsa as disciplinas chamadas de humanidades, que dão lugar àquelas de especialização prematura. Nessa moldura, a missão da universidade -universalização do saber pelo tripé da formação do profissional, do cidadão e do homem- torna-se uma trajetória de adestramento para a produção. A história reconhece na aliança entre educação e cultura a primazia de criar sonhos e inventar meios para realizá-los. O valor simbólico da cultura fecunda o processo civilizatório, dos valores às leis, da política à vida. A herança de colonizado, a exclusão social e a elitização da cultura atrelam o futuro da produção artística ao que a educação lhe reservar. A cultura é dependente da educação. Se não cumpre sua missão, sufoca as artes. Não se pode pensar a educação sem a cultura, nem a cultura sem a educação. No espectro cultural, há um vácuo entre arte popular -autônoma à educação- e arte tradicional, dita do espírito. Tentou-se fazê-las dialogar num amplo projeto nacional popular abortado pela ditadura. No "gap" entre as duas, irrompeu a indústria audiovisual de entretenimento, hoje hegemônica. O público, além de introjetar valores dessa indústria, assiste à contaminação da cultura do espírito e da cultura popular pela anódina cultura de massa.

Ao artista, resta o desalento por sua obra não chegar ao público, não emocioná-lo nem aguçar sua imaginação, não humanizá-lo nem levá-lo a pensar. Artista e arte perdem a função, o público empobrece e estreita o horizonte da sociedade. Não se formam platéias e as obras não circulam; não se viabiliza economicamente a produção, cujo custo crescente a torna mais dependente do Estado, suscetível à discriminação política e acomodação estética -o artista inibe a própria ousadia. À falta do público induzido pela educação, a produção artística se autodesqualifica na busca de audiências que não a reconhecem e perde o público cativo remanescente. Educar não é apenas qualificar para o emprego, nem arte é apenas adorno que aguça a sensibilidade. Há uma dimensão humana que, sem educação e cultura, nada agrega como experiência coletiva nem alcança a plenitude como experiência individual capaz de discernir e ser livre para escolher. E, sem isso, não podemos dizer que somos realmente humanos.
ALCIONE ARAÚJO , 56, pós-graduado em filosofia, é romancista, dramaturgo, cronista e roteirista de cinema. É autor de "Urgente é a Vida" (prêmio Jabuti 2005).

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Demasiadamente humano

Tenho passado pouco por aqui. Manter um blog não é tarefa fácil. E creio que tenho me repetido, exaustivamente. Parece que tudo já foi dito, mas o "tudo" é bastante prepotente. É imensa a tarefa daquele que se expressa! Na poesia, na arte plástica, na música ou numa sala de aula... Entretanto, resistir, dizer, falar, gritar, liberar os grilhões da expressividade cambaleante é um alimento perene! Único fruto que nos conforta e nos transporta à eternidade. Somente a obra nos redime! E somente o verdadeiro amor é capaz de nos purificar da imensa fadiga, da nossa pequenez e da inescapável finitude...

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Do projeto literário "Verdes Idades para serem ditas".

"Persistência da Memória", de Salvador Dali.













e o brilho
difuso
que ainda
se
espalha
pela casa:
é uma centelha
ou uma vel(h)a acesa?



e a valsa que
prometeste ao teu
amor
na primeira chance
de corpos colados
em noite-furor
em noite de amor
cambaleantes de éter
e álcool?

e a sedução
que nunca se abala
olhares
na tela
virtuais casualidades
encontros na chuva
pesadelos na rua
e sonhos de
desventura?

varando noites
tu te revelas
cão andejo!

ainda que revire latas,
ainda que revire cacos da memória,
ainda que te encontres
esfolado na matéria.

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Enquantos milhões de brasileiros passam fome...


Número de milionários no Brasil chega a 109 mil

CASSIANO GOBBET, da BBC Brasil

Um estudo da Merrill Lynch publicado nesta terça-feira mostra que número de pessoas no Brasil com mais de US$ 1 milhão (R$ 2,12 milhões) chegou a 109 mil em 2005. O número de milionários no Brasil em 2005 aumentou em 11,3%, comparado a 2004. Segundo o 10º Relatório sobre a Riqueza Global, o número de investidores que têm mais de US$ 1 milhão passou de 98 mil para 109 mil no período.O Brasil está entre os países onde o grupo de pessoas com mais de US$ 1 milhão além de suas residências mais cresceu. Coréia do Sul (21,3%), Índia (19,3%) e Rússia (17,4%) foram os países que tiveram os maiores índices.
No mundo todo, a quantia de dinheiro em poder das pessoas dessa faixa atingiu os US$ 33,3 trilhões (R$ 70,7 trilhões de reais), num acréscimo de 8,5% em relação ao ano anterior. Os Estados Unidos seguem como o país com a maior quantidade de milionários e também com o maior volume de dinheiro acumulado por essas pessoas. Contudo, pela primeira vez os EUA não conseguiram superar o crescimento do ano anterior, crescendo 6,8% em comparação aos 9,9% de 2003. O estudo também mostra que os patrimônios de ricos de continentes diferentes têm origens diversas.
Na Europa e na América Latina, o maior volume de recursos está alocado na propriedade de negócios ou no dinheiro vindo da venda de companhias, enquanto nos Estados Unidos, a maior parte do montante vem de renda.

terça-feira, 20 de junho de 2006

Tempos de Circo...

A mistura de Copa do Mundo e eleições, além da conhecida falta de prioridade à educação, está colocando em risco a aprovação de uma medida (Fundeb) que vai transferir, em quatro anos, R$ 4 bilhões de verbas federais para o ensino básico. Pode não ser muito, mas é o que se conseguiu depois de demoradas negociações. O pior nem é isso.O pior é que está para expirar a validade do sistema de financiamento do ensino fundamental (Fundef), e, se o novo mecanismo não for aprovado, entraremos num buraco jurídico, no qual quem será dragado é o ensino. Há meses está se alertando para esse risco (inclusive neste espaço) e pouco, ou quase nada, tem se avançado, apesar da gravidade do assunto. Dizem até que o tema não anda por questões eleitoreiras: não gostariam de dar essa conquista para Lula.O fato, porém, é o seguinte: o Congresso está montando uma armadilha para o país numa questão tão estratégica como educação. É necessário, portanto, que os políticos pensem um pouco menos em futebol e em eleições para evitar essa armadilha.


Gilberto Dimenstein, 48, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha Online às terças-feiras.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Sobre o Poder, por Jéferson Dantas

Na sanha pelo poder muitos homens tombarão, tomados de vaidade e arroubos juvenis, como se tivessem a solução para tudo e para todos! No entanto, no terceiro milênio que se descortina, assistimos apenas um tipo de liderança: o arrivista! O arrivista não tem sentimentos e nem se importa em ser dúbio ou ambíguo. Age por uma determinação calculada, cercada de 'marketing', maquiagem pesada e apoio de sanguessugas de plantão.
O poder público se transformou no espaço eterno do privado. Pelas paredes do Congresso Nacional, com seus corredores que mais parecem labirintos, só restou o teatro de homens e mulheres absurdamente despudorados. Não há ética! Só a sanha do poder! Só o desejo de esmagar/desqualificar o divergente. Numa democracia jovem como a nossa, não é de se espantar que os arrivistas arreganhem os dentes para os ingênuos do mundo apodrecido da res-publica.
Após leitura de "O dia em que Getúlio matou Allende", do jornalista Flávio Tavares.

terça-feira, 6 de junho de 2006

Do projeto literário "Verdes idades para serem ditas"

2

na manhã de
chuva
as leituras que faço
são tensas
confidenciais.


o café quente
preparado no acordo
das horas
reluz na
fina têmpera do
quarto de estudos.

preparo-me
para o exercício do tempo
e penso na mulher
que amo.

fico feliz
com as gotas
da chuva...
com
as minhas escolhas.


e quando
o domingo se finda
acenando para
mais uma semana
nem o coração
entende
o porquê de tanta
leveza
em tempos de
neve nos
semblantes alheios.

PEDAGOGIA WALDORF



Diário da Tarde, 06/06/2006 - Belo Horizonte MG

à esquerda, Rudolf Steiner






Felizes na escola

por Helena Trevisan


Nossa filha mais velha já morava em Barcelona há um ano quando fomos visitá-la com seus dois irmãos. Na ocasião, o caçula tinha seis anos de idade e ainda não estava alfabetizado. Esse detalhe é muito importante para o que eu vou contar em seguida, pois se tornou o motivo pelo qual acabei escrevendo um livro tempos depois. Aconteceu que em Barcelona fomos visitar a Casa Juan Miró, um acervo das obras do grande pintor catalão. Uma das salas do museu intitulava-se Constelación. Ali, nos sentamos diante de uma tela por alguns instantes. E então, meio provocativa, perguntei ao pequeno: Victor, o que você está vendo? Uma constelação , respondeu ele, candidamente, para o meu mais total espanto.

Se tivessem feito essa pergunta a mim, com toda a minha capacidade intelectual devidamente amadurecida, essa resposta seria mais do que esperada. Além do fato, é claro, de eu ter lido a palavra constelación escrita no pórtico de entrada da sala. Mas, em se tratando de uma criança não alfabetizada, o que isso revelaria? Anos depois, a lembrança desse fato me trouxe uma súbita clareza no entendimento do que preconiza a pedagogia Waldorf,metodologia empregada na escola em que o Victor estuda até hoje. Criada em plena desolação do pós-guerra, em 1919, em Stuttgard, Alemanha, por um visionário chamado Rudof Steiner, a pedagogia foi aplicada pela primeira vez numa escola fundada para os filhos dos empregados da fábrica de cigarros Waldorf-Astória, daí o seu nome. A pedagogia leva em conta temas tão atuais, como preservação do meio ambiente, justiça social, formação ética, inteligência emocional, que é fácil esquecer que ela já tem quase um século de existência.

Na prática, ela prega que a transmissão do conhecimento deve acompanhar numa obediência rigorosa e solene, o desenvolvimento do aluno. Isso quer dizer que se deve respeitar o momento certo para se ensinar determinado conteúdo, e esse momento é quando o aluno experimenta no seu íntimo uma experiência semelhante. A prova do vestibular que assombra nossos jovens cada vez mais precocemente, cai como uma bomba em plena flor da idade, aquela etapa da vida em que tudo é só promessa, e quase nada realização, pois estamos tratando de futuro. São raros os casos em que, aos 17 ou 18 anos, umacriatura possa garantir que a carreira escolhida será de fato aquela para todo o sempre, pelo simples motivo de que não houve ainda existência suficiente para tamanha certeza. Podemos dizer que uma escola Waldorf não prepara os jovens para o vestibular. Prepara para a vida, da qual o vestibular é apenas uma parte e um treino, basta se dedicar a esse fim específico e tudo se resolverá, com maior ou menor brilho.

Quando nosso filho foi capaz de captar o que Miró expressou em pinceladas, compreendi que, mesmo sem conhecer letras, sem saber fazer contas, ele entendeu. E seu entendimento foi muito mais espontâneo e verdadeiro do que o meu, sua mãe letrada e com diploma universitário. A pedagogia Waldorf se propõe a formar homens livres. Isso dá sem subterfúgios ao se expressar pela arte, através das emoções. O que se aprende com a alma, jamais sai da cabeça e se manifesta nos gestos naturalmente. Se todas as metodologias de ensino se propusessem a ouvir o que os alunos dizem sem palavras, haveria mais estudantes felizes nas escolas.