sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A ATUALIDADE DA DISTOPIA ORWELLIANA

Em tempos de reforma verticalizada do Ensino Médio no país, em que a disciplina de História passou a ter uma posição coadjuvante no currículo, nada mais oportuno do que revisitar a obra 1984, de George Orwell (1903-1950). Escrita em 1948, portanto, no período pós-guerra, 1984 projetou há sete décadas aquilo que denominamos atualmente de operacionalização da ‘devassidão do privado’, assim como o apagamento sistemático e deliberado da memória social . 
Uma das personagens trabalha para um Estado totalitário, na ‘campanha da economia’. Tal personagem é responsável pela manipulação das notícias e dos acontecimentos históricos, todas elas definidas pelo ‘Partido’, tendo como mandatário-mor o Big Brother (O ‘Grande Irmão’). Toda a narrativa se passa numa Londres sombria e distópica. O ‘Partido’ tem quatro ministérios: o ministério da verdade (que inventa/distorce as notícias); o ministério da paz (que se ocupa da guerra); o ministério do amor (que mantém a lei e a ordem); o ministério da fartura (responsável pelas atividades econômicas). No ministério da verdade o que importa transmitir à população é o ‘fragmento’, boas-novas inexistentes! Londres faz parte de uma potência denominada Oceania, em conflito constante com a Eurásia e a Letásia, outras potências políticas da ficção. Orwell preconiza aqui as alianças políticas e econômicas de superpotências num mundo globalizado.
Há um inimigo comum a toda a população da Oceania, repudiado todos os dias nos ‘dois minutos de ódio’, catarse coletiva comandada pelas teletelas. O inimigo é caracterizado por Orwell como um homem magro, de procedência judaica, com referências nítidas ao antissemitismo do período hitlerista. Para que não ocorram motins e atentados contra o Big Brother, o Partido possui uma ‘polícia do pensamento’. Assim, qualquer ato de subversão (chamada de crimideia) é passível de execução pública por meio da forca.
Há referências à criação de uma nova linguagem (novilíngua), onde a contração e a supressão de determinadas palavras possibilitara uma estruturação linguística minimalista e instrumental. Não por acaso, a língua inglesa nos dias de hoje tem se tornado universal no mundo dos negócios e dos megaeventos esportivos, sendo disciplina estrangeira obrigatória no currículo do Ensino Médio no Brasil em detrimento do espanhol. Outra estratégia de manipulação popular realizada pelo ‘Partido’, especialmente da população juvenil, é o duplipensar, um condicionamento coletivo que promove a dissociação espaço-temporal e a deturpação da memória construída histórica e socialmente. Diante das contradições do que é ‘certo’ ou ‘errado’, ‘real’ e ‘imaginário’, o Partido falsifica a História. O único gérmen revolucionário parece se concentrar na prole, bastante combatida e assassinada pela polícia do pensamento (embora isso não aparecesse nas estatísticas oficiais). Segundo a narrativa de Orwell, os proles por adorarem o jogo e a loteria, compreendiam a realidade à sua volta de maneira intuitiva; revoltavam-se, mas não conseguiam se organizar, politicamente.
George Orwell nos brindou com metáforas extraordinárias, aonde as forças repressoras associadas à cultura do fragmento vão estabelecendo padrões comportamentais desmobilizadores na população menos esclarecida ou com menor acesso aos bens culturais e simbólicos. Se levarmos em consideração nos dias de hoje que o controle e a seletividade da informação em larga escala estão nas mãos de determinados monopólios midiáticos e de que certas pautas não correspondem à realidade existente, 1984 há muito deixou de ser uma obra ficcional.

PARA SABER MAIS:

ORWELL, George. 1984. Traduzido por Wilson Velloso. 12 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1979.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A REFORMA DO ENSINO MÉDIO

O ‘mito da pós-verdade’ parece ter ganhado uma relevância preocupante na sociedade brasileira de forma geral, ou seja, são tempos em que convicções ou crenças pessoais são mais importantes do que pesquisas científicas sistematizadas, realizadas a partir de séries históricas, envolvendo grupos de pesquisa, financiamento público, universidades e escolas de Educação Básica. O imediatismo, a pouca clareza do que significa alterar itinerários formativos especialmente no Ensino Médio e por medida provisória, é a demonstração mais evidente de um modus operandi governamental pautado na ausência de diálogo, com efeitos nefastos para a juventude pobre deste país.
Aprovada no dia 8 de fevereiro pelo Senado Federal, a Reforma do Ensino Médio por medida provisória foi combatida por especialistas educacionais de várias partes do país e também de outras partes do mundo, pois ela representa a forma cabal de pauperização e restrição curricular desde os tempos da reforma impingida pela ditadura civil-militar por meio da famigerada Lei 5.692/1971. Tendo sete disciplinas obrigatórias (Português, Matemática, Inglês, Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia), os jovens do ensino médio poderão ‘escolher’ as áreas de conhecimento de seu interesse (parte flexibilizada do currículo), reduzindo, sobremaneira, o repertório de apropriação do conhecimento científico produzido pela humanidade, tão necessário para estudos subsequentes.
Há, portanto, unanimidade entre os pesquisadores da área, de que a Reforma do Ensino Médio, executada por este governo, nada mais é do que um projeto de simplificação curricular na Educação Básica pública, formando farta e alienada força de trabalho simplificada para trabalhos cada vez mais simplificados. A alardeada educação integral no Ensino Médio, dificilmente terá plena cobertura no território nacional, ainda mais com as fortes restrições orçamentárias em serviços básicos como educação e saúde, aprovadas no segundo semestre do ano passado. As Licenciaturas também sofrerão impactos significativos. Ao fim e ao cabo, o dualismo educacional perverso continua sendo a regra no Brasil.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O BRASIL DA BARBÁRIE

Tripudiar sobre a dor alheia e publicizar a privacidade de outrem de forma naturalizada; espancar e humilhar, publicamente, os/as que não se encaixam numa determinada racionalidade, especialmente aqueles e aquelas que, historicamente, foram massacrados/as por suas ideias, opções políticas, orientações sexuais, e por terem enfrentado com imensa dignidade e coragem o regime do patriarcado; eis o Brasil politicamente apequenado dos tempos atuais, que vivencia séria, conflituosa e tortuosa crise civilizatória.

O horizonte histórico não é nada ameno, tendo em vista que cresce, exponencialmente, os movimentos ultradireitistas e ultraconservadores em diversas partes do mundo. Não seria exagero afirmarmos que ingressamos num cenário distópico, para além das previsões aparentemente catastróficas da literatura de ficção científica. Diante de crises sistêmicas e irreformáveis do capitalismo, nota-se de forma incisiva o crescimento de lideranças vinculadas ao populismo autoritário, com promessas de fechamento de fronteiras aos imigrantes; de pretenso pleno emprego aos nativos; de reprise de medidas econômicas protecionistas e de isolacionismo territorial. Tais medidas só acirram as já tão difíceis possibilidades de diminuição da desigualdade social, que não são pautadas de forma prioritária pelos países centrais do capitalismo.


Logo, o recrudescimento de ações xenofóbicas, homofóbicas, de preconceitos de classe, de ódio explícito contra os pobres e oprimidos, desbragadamente socializados nas mídias sociais pela classe média, demonstram o quão miseráveis estamos nos tornando enquanto humanidade. De fato, responder a este momento histórico não tem sido fácil. Incautamente, tínhamos a sensação de que estávamos avançando socialmente, apesar de todas as implicações geradas pelo modelo econômico em vigor. Emburrecemos? Fracassamos?