sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

ENEM acirra a competitividade?


Igualdade entre desiguais

Terezinha Saraiva

Pela primeira vez, nesses oito anos em que o Ministério da Educação realiza o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o INEP resolveu publicar um "ranking" das escolas públicas e particulares de ensino médio, a partir dos resultados obtidos pelos alunos que o realizaram. Não sei qual foi a intenção. Considero, entretanto, uma decisão sem qualquer valor pedagógico, uma vez que a partir de uma comparação entre realidades diversas, em que inúmeras variáveis influem no processo ensino – aprendizagem e, em conseqüência, no desempenho dos alunos, a publicação do ranking levou a opinião pública a estabelecer um equivocado juízo de valor sobre as escolas. A publicação do ranking que comparou clientelas diversas, corpos docentes diferenciados, condições de trabalho desiguais, além de não traduzir um julgamento justo trouxe um grande desconforto e mal-estar às escolas, seus gestores, seu corpo docente, seus alunos e suas famílias. Qual o mérito de um ranking? A meu ver, como educadora, nenhum; sobretudo quando, como este, estabelece comparação entre coisas desiguais.
Se considerarmos estímulo e desestímulo, este último foi muito maior. A frustração alastrou-se entre os diversos atores das escolas mal classificadas no ranking. O esforço para construir e desenvolver uma boa proposta pedagógica, para oferecer ao seu corpo docente oportunidades permanentes de atualização, de modo a aperfeiçoar sua prática docente, de oferecer a seus alunos um ensino de qualidade, além de orientação para a continuação de seus estudos ou para buscar um espaço no mundo do trabalho, familiarizando-os com as várias profissões e com os cursos técnicos ou superiores existentes, enfim, o esforço para desenvolver um trabalho educacional de qualidade foi julgado pontualmente, por um único instrumento – a prova do ENEM, deixando de considerar as inúmeras variáveis que poderiam ter interferido nesse resultado. Por exemplo: sei de um excelente colégio particular do Rio de Janeiro, que não inscreveu para o ENEM os alunos das turmas de EJA, sabendo que seu desempenho seria, provavelmente, inferior, empurrando para baixo os resultados da escola. Do mesmo modo, conheço um outro excelente colégio particular, também do Rio, que inscreveu além dos alunos dos cursos regulares os das turmas que atendem jovens e adultos. As notas obtidas por esses últimos colocaram o colégio muito abaixo da classificação que obteria, se tivesse inscrito somente os alunos das turmas do ensino regular, que tiveram um excelente desempenho no ENEM. Por ter tido uma postura muito mais correta e democrática dando oportunidade, a todos, de realizaram o ENEM, o segundo colégio ficou mal classificado e julgado por mau desempenho perante os leigos, porque os educadores sabem que um ranking tem que ser visto com ressalvas e quase nunca traduz a qualidade do ensino oferecido pelas escolas e da aprendizagem alcançada
pelos alunos. Os aspectos positivos de um ranking são infinitamente inferiores aos aspectos negativos. Um outro aspecto negativo resultante do ranking foi a indução à comparação entre ensino público e privado, levando a uma assertiva generalizada que não é verdadeira: a de que escola particular é, em geral, melhor do que escola pública. Aliás, o próprio ranking mostrou os bons resultados dos Colégios de Aplicação, das Escolas Técnicas Federais, com destaque para a Escola Técnica, voltada para a área de saúde, mantida pela FIOCRUZ, do Colégio Pedro II, do Colégio Militar, todos eles públicos. Quem já foi gestor de um sistema educacional sabe que há boas escolas públicas e particulares; como há escolas fracas mantidas pelo poder público ou pela iniciativa privada. Generalizar é um erro.
Os dois exemplos aqui citados mostram o desserviço prestado com a publicação de um ranking de escolas, a partir dos resultados do ENEM. O desestímulo foi muito maior do que o estímulo, se era essa a intenção do INEP. É importante que as escolas recebam as notas obtidas por seus alunos, retirando, de sua análise, os procedimentos a serem tomados para cumprir, cada vez melhor, a sua missão: ensinar e fazer aprender. Quanto ao ranking, sua análise não leva a nada, a não ser afagar o ego de algumas escolas e levar frustração a muitas outras. E, pedagogicamente, sabe-se, e não é de hoje, que não se deve tratar igualmente os desiguais.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Do projeto literário "A precariedade do(e) Ser" (2005-200?)

a poesia
como o pão dormido
aguarda
seu destino.


na lata de lixo
meus
segredos
rotos e cegos.


e toda
a energia dos
dias
na presilha dos
sacripantas.



são com
estes que lutas
e desmoronas
por acaso.



há uma feição
estranha
nesta busca
e uma tarde morna
se enrosca
pelo teu corpo de estigmas.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Do projeto literário "Forma Crua e Poema pra quem tem verso" (reunidos até 1997)


ARTISTA

“Só raramente, por singularidade,
uma ou outra mulher ama o
artista, quando já acaso também
existe nela qualquer corrente de simpatia
mental, qualquer relação de afinidade
que estabeleça entre ambos uma claridade
e harmonia de sentimentos mais ou menos
congêneres, equilibrados.”
(CRUZ E SOUSA)


Quem saberá
das fugas
dos artistas e
de seus devaneios
noturnos...
Quem saberá de seus noctambulismos
e de suas sensibilidades
discretas ...

Quem saberá resistir
ao poeta
que se
traveste de mendigo
e abre
as portas
do Paraíso
com o doce
ciciar dos
anjos e das
floridas falas
das hipnotizantes
magnólias ...
Oh, triste pássaro
audaz!
Quem te seduz no vôo?
Não morra
sem conhecer
os doces
beijos dos
faróis, das
fêmeas endiabradas de Senso
Crítico e
de achismos tórridos ...
Não sonhe!
Oh, tresloucado
companheiro das
viagens mórbidas ! ...
Não te
imobilize por fragmentos
rotineiros
das tardes
infernais ...
Quem saberá encontrar
a dor do outro?
Das efêmeras casualidades,
dos registros
límpidos,
das cachoeiras
que inundam
teu corpo
de alvuras gélidas,
Enrijecem teus músculos fatigados
e o prenúncio dos dias
d’ouro
são as misérias
lúgubres
do instante da
volúpia
incerta ...
Quem poderá amar o artista?
Quem saberá o
infinito
desejo
de cada
alma peregrina?
São incertas as mariposas
e
os insetos zunem
pelo jardim
das delícias ...
Cálidos e
morosos
beijos,
desventuras
do artista
sem dono ...
Misturas de covardia
e
indolências alegres ...


Janeiro de 1997

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Qual educador(a) já não passou por isso?

> Zero Hora, 02/02/2006 - Porto Alegre RS

Demissões de docentes, uma surpresa anual
Cecília Farias/ Diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro/RS)



Início de ano... Reflexões sobre o que passou, balanço e novos desafios para o próximo ano. Para grande parte dos profissionais que iniciam mais uma jornada com a garantia de seus empregos. Mas, para uma expressiva parte dos professores da rede privada de ensino, o início do ano está sendo marcado pelo afastamento do seu ambiente de trabalho, pela angústia e preocupação com o sustento no próximo período. Esta tem sido uma situação recorrente há muitos anos.
As instituições de ensino privadas, diferentemente das instituições de ensino públicas, aproveitam o final de um ano letivo e o início de outro para fazerem uma "limpa" no seu quadro docente, seja com a justificativa de mudança na organização curricular, seja para superar eventuais problemas de gestão, seja, ainda, porque aquele professor "não mais atende às necessidades da instituição".
Essa última justificativa, normalmente nunca abordada pela direção das instituições com os docentes, se caracteriza, em muitos casos, em total surpresa para o professor.
A mudança do corpo docente, a cada ano, traz como conseqüência imediata a constante necessidade de incorporar novos profissionais que precisam se adequar ao projeto político pedagógico específico de cada instituição. Ocorre que a rotatividade de profissionais ataca sistematicamente a identidade da instituição, colocando em risco a consolidação do projeto pedagógico. Neste sentido, surge um primeiro questionamento: por que a escola particular do Rio Grande do Sul, que tem demonstrado uma extrema preocupação com a aprovação de seus alunos, não tem investido na capacitação de seus professores? O que pode justificar a demissão de um professor que há anos entrega para a instituição os finais de semana na preparação de suas aulas, as horas livres dedicadas às atividades extracurriculares e, até mesmo, a flexibilização no cumprimento da legislação trabalhista? Em que momento ela "perde" esse profissional?
É lamentável que o mesmo esforço da escola privada gaúcha em promover ações que inviabilizem a reprovação de seus alunos não seja estendido aos seus colaboradores. Que não haja, durante o ano letivo, acompanhamento do trabalho do professor para que possam ser superados possíveis problemas, que não aconteça a formação em serviço, a exemplo da previsão nas escolas públicas e, principalmente, que o espírito fraterno, enaltecido pelas diversas instituições confessionais, não tenha correspondência, muitas vezes, no dia-a-dia da escola privada do Rio Grande do Sul.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Do projeto literário "Suspenso e Alheio ou as minhas reticências sinceras" (2005-2006)


Só de pancadas e tragédias esse amor não conseguirá sobreviver. Ninguém consegue. O homem sério que conta dinheiro no ministério diz ter prioridades para a nação. O outro homem que quer fechar os olhos do país usa de trocadilhos populachos para adocicar o amargor destes dias de estupefação e impunidades. E há um parlamentar-anão que promete sermos homéricos! Líderes de comandos mafiosos assassinam prefeitos e testemunhas. E rimos disso tudo como num teatro do absurdo. É o teatro do absurdo! Brecht não riria.

E não veio o furacão. E não veio a dança. E não veio o verão. E não vieste. E não sofri. E os dias que passaram não contabilizei nas minhas anotações noctívagas. Os irmãos Graco jazem em terras longínquas. E a agrária reforma não veio, irmão. E a praia virou sertão, caro Conselheiro.