terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cinema


arte,
esta inominável.

território de luz, sombra, encanto e
poesia.

Mergulho!

Fábula e gestos exagerados.
Edições, cortes de imagens, suspensas falas, ritos no acaso.
[Pérolas escondidas no copião].

Sínteses de fotogramas que olhos humanos não apreendem.
Ensaios.

Ação!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Por uma educação estética



Por Jéferson Dantas

Num mundo cada dia mais embrutecido, onde as relações humanas estão coisificadas, a educação estética pode servir de alento no sentido de dar visibilidade às diversidades sociais. O ensino formal brasileiro, via de regra, tem se mostrado ineficiente na formação de estudantes que apresentam diferentes formas de aprender e de se expressar. Um currículo engessado, essencialmente disciplinar, eurocêntrico, onde os educadores exercem uma prática pedagógica notadamente focada em sua área de conhecimento, não tem possibilitado um diálogo mais horizontal e, portanto, menos excludente, entre educadores e educandos.



Para a educadora Graciela Ormezzano, a educação estética procura priorizar a imaginação, o lúdico e “o amplo espectro da estética do cotidiano que considera o design, a arquitetura, o artesanato, a música popular, a comunicação audiovisual e a arte da rua, assim como todos os estilos de sociabilidade”. Nesta direção, a estreiteza curricular do ensino formal, esmagada por uma avaliação certificativa e que atende, sobretudo, parâmetros burocráticos, as subjetividades são anuladas e descartadas do universo escolar. Tal análise torna-se ainda mais dramática no ensino formal noturno, onde é comum salas de aula esvaziadas, professores desmotivados e estudantes desmobilizados na relação com os diferentes saberes. A situação em tela, todavia, é muito mais complexa, pois exige formação continuada de qualidade aos educadores e a ressignificação do espaço-tempo no ambiente institucional de ensino, ainda bastante contaminado pela “lógica da fábrica” (customização das tarefas escolares, temáticas estanques e controle da ‘produção’).



A educação estética está longe de ser a panacéia para todos os males educacionais brasileiros. Entretanto, a arte pode minimizar as variadas carências afetivas e cognitivas de crianças e jovens em situação de risco social; ressocializar adolescentes marginalizados por um modelo econômico pautado na competitividade e no consumo exacerbado; recuperar a auto-estima de jovens mulheres violentadas; enfim, fazer da educação estética uma possibilidade de ressignificação da vida. Afinal, ninguém nasce bandido ou santo, como bem assinalam os educadores Pablo Gentili e Chico Alencar. Assim, continua sendo o objetivo maior da educação formal pública brasileira e de todo ato educativo ‘humanizar os homens’, como bem nos alertava a filósofa Hannah Arendt e o educador popular Paulo Freire.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Educação catarinense em alerta!




Por Jéferson Dantas


Os mais de vinte mil afastamentos médicos ocorridos no magistério catarinense, só em 2005, revelam os danos psíquicos provocados a estes/as profissionais devido às más condições de trabalho, salários indignos e carga de trabalho extenuante. Dentre as causas mais freqüentes do adoecimento docente, encontram-se: depressão, síndrome do pânico, síndrome de burnout, doenças cardiovasculares, estresse, etc.. Todavia, como se não bastasse a evidência das doenças laborais sofridas pelos/as educadores, - o que atinge, sobremaneira, sua estima e a própria identidade profissional – a Secretaria de Estado da Educação e outras instâncias burocráticas do aparato educacional catarinense, têm colocado em xeque a veracidade de tais afastamentos por atestados médicos. Nas entrelinhas, gerentes regionais de educação, secretários, diretores, especialistas (a lista hierárquica é imensa) duvidam tacitamente dos médicos que estão diagnosticando os/as educadores/as; ou seja, os/as trabalhadores/as em educação estariam fazendo ‘corpo mole’ para não irem ao trabalho.



Ao não reconhecer as mazelas estruturais que atingem a educação pública catarinense, a Secretaria de Estado da Educação se investe de uma postura prepotente, autoritária e antidemocrática. Apenas para dar um exemplo, a Comissão de Educação das Escolas do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC) que atendem, principalmente, crianças e jovens em situação de risco social em Florianópolis, tem sido atacada e ameaçada, sistematicamente, pela Secretaria supracitada, numa demonstração de inabilidade no trato da coisa pública. Os diretores eleitos democraticamente por sua comunidades escolar e local convivem com o fantasma da exoneração e do assédio moral, algo inadmissível em se tratando de um bem comum como é o caso da educação.



A permanência de tal comportamento do poder público no que tange à educação catarinense contribui muito para o desgaste dos/as que estão empoderados/as na máquina tecnoburocrática. Os diálogos inexistem. As decisões são verticalizadas. A CE/FMMC tem sido hostilizada nas reuniões administrativas promovidas pela Secretaria de Estado da Educação. Num Estado que se diz democrático, os dissensos e as opiniões divergentes fazem parte de tal embate. São, justamente, nos conflitos, que se estabelecem soluções alternativas e possibilidades que beneficiem a maioria. Entretanto, se os mecanismos de controle estatal servem tão-somente para reprimir, calar as vozes discordantes, a sociedade civil precisa estar devidamente organizada e pronta para os desafios que se apresentam no dia-a-dia.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Por que Chávez incomoda?




Por Jéferson Dantas


Hugo Chávez, presidente da Venezuela, tem ganhado a cena internacional com seus arroubos. Na reunião da cúpula ibero-americana ocorrida recentemente no Chile, foi ofendido com um sonoro ‘cala-boca’ pelo até então fleumático monarca da Espanha, Juan Carlos. Os adjetivos relativos à Chávez são inúmeros: ‘projeto de ditador’; ‘prepotente’; ‘arrogante’; ‘populista terceiro-mundista’; ‘bufão’; ‘caudilho’, etc.. Ainda que pese sobre o presidente venezuelano todos os adjetivos pensáveis e impensáveis, não há como negar as questões de fundo histórico suscitadas pelo mesmo, principalmente às que se referem à espoliação e/ou exploração das grandes potências européias no continente americano ao longo de séculos. É muito confortável que determinados congressistas brasileiros, ex-colaboracionistas da ditadura militar e, atualmente abrigados sob a égide da democracia, critiquem Chávez. Afinal, sua liderança pressupõe um ataque franco ao imperialismo estadunidense, algo que só Fidel Castro em Cuba era capaz de sustentar politicamente.



Não é o caso aqui de defendermos a política externa de Chávez ou de julgarmos seu comportamento numa perspectiva maniqueísta infantil. Se George Bush foi capaz de passar por cima da ONU e assassinar milhares de iraquianos e afegãos em ‘nome da democracia’ e gastar bilhões de dólares com armamentos, por que tal julgamento recairia apenas no ‘populista’ Chávez? A tão saudável democracia liberal defendida pelas lideranças latino-americanas não tem resolvido a contento o fosso entre os miseráveis e opulentos. A violência estrutural grassa o território latino-americano, num misto de desencanto e indignação social desarticulada. As questões ideológicas foram cinicamente incineradas e o desprezo à coisa pública arremessa cada vez mais os poderes republicanos constituídos na lama. Não por acaso, os mass media exploram com requintes de perversidade o ‘espetáculo da tragédia’. De um mundo mutilado pela desrazão, faz-se a manchete do dia seguinte. E Chávez é um prato cheio.



Vivemos um período histórico tão esquizofrênico, que até mesmo uma ofensa entre representantes de Estado, torna-se mercantilizável. E é, justamente, nesta sociedade de consumo, autofágica, neurótica e impotente coletivamente, que os/as representantes do povo articulam seus projetos individuais e a permanência parasita na cena política. Não precisamos que nos digam quem são os opressores e os oprimidos além de nossas cercanias. Tal desafio requer um posicionamento político coletivo capaz de discernir as opções de classe e os/as que defendem o status quo vigente; acima de tudo, exige compreensão histórica das lutas sociais, que continuam promovendo os dissensos e as denúncias de injustiça, para que, enfim, anuncie-se a igualdade entre os humanos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

GTPE DA APUFSC SE POSICIONA SOBRE ADESÃO AO REUNI


Senhores Conselheiros,


O modelo inscrito no Reuni atenta contra o conceito de universidade consignado na Constituição de 1988 (“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”). Para o cumprimento das principais metas de relação aluno-professor de 18/1 e diplomação de 90% dos ingressantes num período de 5 anos, será obrigatória uma reestruturação dos cursos para preencher vagas ociosas em qualquer etapa e disciplina dos cursos, ou pelo menos de alguns. A criação dos Bacharelados Interdisciplinares com certificação em três anos será praticamente obrigatória. Talvez a forma de acesso aos cursos profissionalizantes possa se dar em grande medida a partir dessa modalidade de curso, pinçando-se alunos para preencher vagas ociosas em todas as fases. Será que a reestruturação que acabamos de iniciar já está defasada? Será que ao discutirmos e mantermos pré-requisitos estamos na contra-mão da modernidade?


Toda a estrutura da universidade estará comprometida em atingir metas limitadas ao ensino em troca de míseros 20% a mais de sua verba de custeio. Se acreditamos, como preconiza o decreto, que há ociosidade de estrutura e pessoal, então não haverá problema em aderir ao Reuni, porém a ansiedade em aderir ao programa mostra tão somente a necessidade de verbas para ampliação de infra-estrutura e equipamentos que faltam agora, antes da expansão. Os 20% da verba de custeio que estão sendo negociados com a universidade são para aumento de vagas com estabelecimento de contrapartidas, portanto excluem as atuais necessidades. O Banco de Professor-Equivalente, ao contrário de incentivar o preenchimento das vagas abertas por vacância, vem efetivar a figura do substituto como horista, prejudicando o tripé ensino-pesquisa e extensão que caracteriza e qualifica a universidade pública brasileira.


O governo trata a educação como uma fábrica de certificados que necessitaria ter sua produtividade incrementada e, para se tornar um bom negócio, seus custos de produção reduzidos. A meta do governo é a de reduzir o custo médio anual do aluno de graduação dos quase R$ 6 mil e quinhentos investidos atualmente para R$ 4 mil. Para obter isso, ele precisa redefinir a forma de remuneração dos “recursos humanos”, em particular dos docentes. Eles terão que ser incentivados a darem mais aulas e para um número maior de alunos.


Na reunião do Andes com o Ministério do Planejamento do último dia 18 de outubro, o governo apresentou a proposta de criação de uma nova gratificação produtivista, mas agora aprofundando o modelo Bresser/ FHC: 20% de avaliação individual e 80% de avaliação institucional. O que dá para depreender disso é que teremos o fim da isonomia salarial nacional mesmo para os professores da ativa, já que a nota da instituição vai definir o salário dos docentes nela lotados. É fácil perceber que o principal quesito nesta avaliação será o atendimento ou não das metas do Reuni. As instituições que não atingirem as metas terão seus docentes punidos salarialmente.


Para receber quantidade elevada de pontos na gratificação, não bastará ao professor dar muitas e muitas aulas, será preciso que seu departamento, seu curso, sua universidade, alcancem bons resultados, nas metas definidas pelo Reuni. Lembremos que as metas não se limitam a quantidades de alunos, mas também de certificações. Portanto, no limite, a remuneração do docente dependerá também da redução da evasão e dos índices de conclusão dos cursos. A reprovação de alunos poderá ser sentida no bolso dos professores. O governo impõe a diplomação sem mérito acadêmico. Para atingir esse objetivo, busca uma fórmula para obter pelo “bolso” a cumplicidade dos professores. Esse envolvimento dos docentes, pretendido pelo governo, levará à degradação da qualidade do ensino.


É importante observar que a elevação anual dos valores do ponto da gratificação, expressa nos parâmetros apresentados pelo governo, tem por objetivo assegurar as etapas de implantação do Reuni. A cada ano, a parcela da remuneração que depende do desempenho assumirá proporção maior em relação aos demais componentes da remuneração: o vencimento básico e a titulação – esta última tornada fixa e que poderá ficar com valor congelado por longo tempo.


Aderir ao Reuni significa abrir mão da universidade que temos, que, se tem problemas, estes não serão resolvidos com a adesão a este programa. Ao contrário, a expansão sem garantia de financiamento suficiente, desvinculada da recuperação da estrutura atual, e colocada como condição para a recuperação salarial dos professores, levará ao agravamento dos problemas, impondo inclusive uma maior competição entre os centros, em uma mesma universidade, e entre elas em todo o sistema federal de ensino superior. É preciso que todos os professores sejam alertados sobre todas as conseqüências desse projeto. Na atual negociação entre Movimento Docente e governo está em jogo, também, o futuro das condições para o exercício do trabalho docente e o futuro da universidade fundada no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.



Magaly Mendonça, Bartira C. S. Grandi, Sandra Mendonça, César de Medeiros Régis, Jéferson Dantas, Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais (GTPE) da Apufsc-Seção Sindical do Andes.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O PACOTE EDUCACIONAL DO GOVERNO LULA





Por Jéferson Dantas



Este breve artigo procura suscitar uma ampla discussão na comunidade acadêmica, assim como na Educação Básica de forma geral. Parto, portanto, dos dois decretos elaborados em 24 de abril de 2007 pelo MEC: a) o Decreto 6.094/2007, que dispõe sobre a implementação do plano de metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com municípios, Distrito Federal e estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica financeira, visando a mobilização social pela melhoria da educação básica e b) o Decreto 6.096/2007 que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI.

Tais decretos supracitados só podem ser compreendidos de forma conjunta, tendo em vista que seus pressupostos estão inextricavelmente associados. Privilegiei neste estudo duas categorias de análise extremamente importantes na compreensão de tal tema: 1) O currículo acadêmico e 2) a reconfiguração do trabalho docente. Os ataques sistemáticos à universidade pública brasileira por parte das políticas educacionais, denotam claramente a opção de Estado nos últimos 12 anos, ou seja, a desresponsabilização estatal em manter uma formação pública e de qualidade. As 53 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) estão na berlinda. Acuadas pelo princípio draconiano de adesão voluntária ao REUNI, que se encerra em outubro de 2007[1], o que mais surpreende é a total desinformação de tal política no âmbito das próprias IFES. Talvez não devêssemos nos surpreender, haja vista a continuidade de propósitos utilitaristas, produtivistas e de acirramento competitivo financiados pelos órgãos de fomento e pesquisa. Tal prática, que assoberba os/as educadores/as com inúmeras atividades, também corrobora para uma despolitização estrutural, alienando-os de o seu próprio saber.
Não sei se serei suficientemente claro em minha apresentação, mas como se trata de um ‘início de conversa’, entendo que as problematizações surgidas nos diversos fóruns organizados nas próprias IFES (departamentos, pós-graduação), seções sindicais e centros acadêmicos, possibilitarão a ampliação do debate e escolhas acertadas sobre o que desejamos para o futuro da universidade pública brasileira.

1. O Decreto 6.094/2007 e a política da miséria na Educação Básica

Utilizar a expressão política da miséria parece muito contundente em tal contexto. Mas, se atentarmos ao significado que os dicionaristas utilizam, entenderemos muito bem a opção que o Estado faz em relação à Educação Básica no Brasil: ‘estado lastimoso’, ‘indigência’, ‘penúria’, ‘estado vergonhoso’, ‘bagatela’, ‘procedimento vil’ (BUENO, 1996, p. 434). Inicialmente, fica muito nítido e exposto no art. 2º do decreto em questão, que a principal bandeira do MEC é melhorar a qualidade da aprendizagem. No inciso II do mesmo artigo, comenta-se que a meta é alfabetizar as crianças até os oito anos de idade no máximo, verificando os resultados através de um teste (Provinha Brasil). Tal meta, sobretudo, atende interesses de organismos internacionais, ‘muito preocupados’ com a baixa escolarização dos países da América Latina. O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), que engloba todos os níveis de ensino do país, nesta direção, propõe várias medidas paliativas no combate à evasão e à exclusão de crianças e jovens em idade escolar.

Assim, em seu art. 2º, inciso IV, o decreto 6.094/2007 defende a idéia de combate à repetência escolar, sem citar uma única linha sequer sobre as condições salariais e de trabalho dos educadores. Ora, diante de tal desafio, não seria o momento de se recompensar os educadores dos ensinos fundamental e médio com dedicação exclusiva (DE)? Até quando teremos neste país educadores/educadoras trabalhando em tripla jornada? Até quando o discurso da ‘missão’, do ‘apostolado’, da ‘vocação ingênua’, continuará se perpetuando no mundo do trabalho educacional? Além disso, e em consonância com as propostas do PDE – o MEC tem como meta reformular o programa Brasil Alfabetizado. Para tanto, entende que a participação dos educadores é fundamental na alfabetização de adultos, visando, inclusive a sua melhoria salarial. De que modo? Tomando como exemplo a região Nordeste, onde segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar) 62% dos educadores das redes públicas trabalham 20 horas semanais e têm um turno livre, estes educadores completariam sua carga com tal função. Entretanto, não fica claro se estas atividades de docência serão incorporadas aos planos de carreira destes/as profissionais.

Já no inciso VII do art. 2º, comenta-se sobre a ampliação da jornada regular de crianças na escola, mas não estabelece de forma pontual como se daria a ‘integralização escolar’. Novamente, mais uma meta que foi levantada na LDBEN 9.394/1996 e que até hoje não é realidade em grande parte das escolas básicas brasileiras. Até porque, a escola integral para efetivamente funcionar, teria de apostar na dedicação exclusiva de seus educadores; no inciso XIII do art. 2º defende-se o mérito, a formação e a avaliação do desempenho do/a educador/a. Porém, pairam muitas indagações: baseado em que parâmetros? Assiduidade? Produtividade? Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria Estadual de Educação tem criado critérios extremamente subjetivos para avaliar o educador no seu trabalho em sala de aula. O/a educador/a que consegue manter as turmas ‘animadas’ e ‘atentas’ ao que se está discutindo em sala de aula teria um acréscimo em seu salário. Novamente aqui se inverte uma situação estrutural para uma situação conjuntural. A figura do educador-animador, tão comuns em unidades de ensino privadas, não pode ser utilizada como parâmetro em unidades de ensino públicas. Evidente que a competência profissional do/a educador exige avaliação, mas tais critérios precisam ser criados nas próprias comunidades escolares e com o apoio de estudantes, familiares e educadores, através de suas instâncias de deliberação coletiva (Conselhos deliberativos, Grêmios estudantis e APP).

O MEC pretende ainda levar às últimas conseqüências o estágio probatório dos/as educadores/as na Educação Básica, ou seja, de que a avaliação seja realmente qualitativa. Espera-se que tal ação não se transforme em breve na total instabilidade funcional do/a educador/a. No inciso XVII do art. 2º do decreto em análise, a figura dos coordenadores pedagógicos é incensada em prejuízo de outras habilitações, tais como supervisão e orientação escolar. Em Santa Catarina, por exemplo, temos nas escolas de Educação Básica os assistentes pedagógicos, profissionais vindos de diversas licenciaturas, com responsabilidades acima de sua formação inicial, executando atividades de polivalência nas escolas e, em determinadas situações, assumindo interinamente a direção da escola. Na seqüência, no inciso XVIII do art. 2º, não se defende a eleição direta nas escolas, até porque o poder de barganha estatal ficaria comprometido nos períodos eleitorais e o apadrinhamento político não se concretizaria através dos mal fadados cargos de confiança.

O inciso XXIV do art. 2º trata a matéria educacional de forma difusa, misturando-a com as áreas de saúde, esporte e assistência social. Indago se tal ‘confusão legal’ não estaria criando brechas para o trabalho voluntário, descaracterizando cada vez mais o espaço escolar. Isto fica ainda mais nítido no inciso XXVIII do art. 2º: “Organizar um comitê local do compromisso [Compromisso Todos pela Educação], com representantes das associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas da evolução do IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]”. Ainda que não esteja explícito, as parcerias entre o público e o privado estão cada vez mais presentes nas unidades de ensino públicas, através do protagonismo juvenil ou cursos de empreendedorismo infanto-juvenil coordenados pelo SEBRAE. O IDEB, índice que será divulgado e sistematizado pelo INEP, terá como base de dados o Censo Escolar, as provas do SAEB e também da ANEB (Avaliação Nacional da Educação Básica), também conhecida como Prova Brasil. As unidades de ensino públicas que aderirem ao Compromisso Todos pela Educação e se comprometerem a atingir as metas exigidas pelo MEC através dos procedimentos de avaliação e análise, receberão mais recursos do Estado. Tal atitude, em meu entendimento, acirra ainda mais a competitividade, podendo mascarar dados de aprovação em função de benefícios orçamentários. Além do mais, o Estado é sempre mínimo quando tem de investir e máximo quando tem de controlar. Nesta direção, o que temos é a perpetuação de um aceleramento progressivo de educandos/as, em contrapartida, a avaliação pedagógica poderá se tornar cada vez menos criteriosa.

Em seu art. 6º, o decreto assinala a instituição do Comitê Nacional do Compromisso ‘Todos pela Educação’; tal comitê poderá ser formado por representantes de outros poderes e também de organismos internacionais. Todavia, de acordo com o art. 7º, tal compromisso só poderia contar em caráter voluntário com os sindicatos, famílias e pessoas físicas/jurídicas que se mobilizarem para a melhoria da Educação Básica. Em outras palavras, afasta da sociedade civil a responsabilidade cívica e ética de avaliar a qualidade de seu próprio processo educacional. Já no art. 8º, o MEC reafirma que as escolas públicas só receberão assistência financeira da União, mediante o critério da ‘produtividade’.

Enfim, podemos deduzir que tal decreto aposta firmemente na gestão dos resultados, ainda que não haja recursos e condições de trabalho equivalentes para se chegar a tal meta. Repete-se aqui o que já se fazia durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), i.e., uma extremada racionalização de recursos humanos e físicos; aposta na polivalência; e evidências estatísticas que demonstrem, ainda que em valores absolutos, de que as taxas de evasão e repetência decresceram.

2. O Decreto 6.096/2007 e o desmonte curricular das IFES


Já em seu art. 1º o decreto assinala que tal meta a ser alcançada em seus propósitos leva em conta a criação de condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior. Em outras palavras, tal decreto defende o ‘melhor aproveitamento’ da estrutura física da universidade e também de seus recursos humanos. Para a professora aposentada, Lighia Horodynski[2], do Instituto de Física da USP e integrante do Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) do ANDES-SN, o inciso I do art. 2º do decreto em questão, objetiva a redução das taxas de evasão e ocupação de vagas ociosas no meio acadêmico, principalmente no período noturno. Para o cumprimento de tais metas, todavia, o art. 3º, § 1º, estabelece que o acréscimo de recursos referenciado no inciso III será limitado a 20% das despesas de custeio e pessoal da universidade, num período de cinco anos. Tal limitador está condicionado ainda à capacidade orçamentária e operacional do MEC (BOLETIM APUFSC, 2007).

Ainda segundo a educadora Lighia Horodynski, o REUNI representa o “ataque mais complexo à qualidade da educação superior pública” no Brasil. Ainda que tais metas estejam associadas à reforma universitária, como decreto, o mesmo tem validade legal imediata. Tal projeto continua forçando as universidades públicas federais a adotarem métodos de gerenciamento empresarial, cumprimento de metas e, na prática, efetuando o que a filósofa Marilena Chauí (2001) denominou de universidade de pesquisa e universidade de docência. Tal dualidade esmaga a autonomia universitária e o seu tripé ensino, pesquisa e extensão. Muitas dessas metas são impossíveis de serem alcançadas no ensino superior público brasileiro com a qualidade desejada, tendo em vista que se deseja a relação de 18 estudantes por professor e 90% de aprovação por curso de graduação. No mundo, só o Japão consegue tal meta de aprovação, a custa de suor, sangue e lágrimas de seus estudantes.

No inciso II do art. 2º, a diretriz do REUNI aponta para a mobilidade estudantil e cursos com extrema flexibilidade, os chamados bacharelados interdisciplinares. Nesta direção, no inciso III do art. 2º, a revisão da estrutura acadêmica dá abertura ampla para um modelo de ensino presencial e a distância compartilhado. Ou seja, invés de ampliar o espaço físico acadêmico, com boas instalações de salas de aula, laboratórios, bibliotecas setoriais, restaurantes universitários, etc., o MEC insiste em sua política de estrangulamento. Necessário entender aqui o significado dos bacharelados interdisciplinares na reorganização curricular dos cursos de graduação. Penso que tal formação lembra em muito os cursos de Licenciatura Curta promovidos pelas políticas educacionais do regime militar. Ora, o/a estudante ao escolher uma das áreas do conhecimento de seu interesse (Humanas, Artes, Tecnologia e Saúde) teria uma ‘formação geral’ num período de três anos, ou seja, receberia a certificação de bacharel interdisciplinar. Com a obtenção dessa graduação generalista, flexível e/ou polivalente, o/a estudante teria de concorrer novamente (como num novo vestibular) a uma formação específica. Em outras palavras, ao se defender a terminalidade de uma formação precária em três anos, o MEC sinaliza em definitivo para a escolarização da graduação. Os péssimos resultados de aprovação no Ensino Médio público e sua má qualidade de formação, associado à falta estrutural de educadores neste nível de ensino, fez com que os engenhosos legisladores pensassem numa estratégia para ‘fechar esse buraco’. Um bacharel interdisciplinar custa pouco aos cofres públicos, pois é uma mão-de-obra barata e com uma qualificação duvidosa. A tal mobilidade estudantil e a flexibilidade curricular dos cursos de graduação tem base argumentativa frágil. Segundo os educadores Cláudio Antonio Tonegutti e Milena Martinez (2007), ambos da UFPR, os motivos da evasão dos/as estudantes no meio acadêmico não se dão tão-somente por escolhas profissionais precoces: “O grande fator, cerca de 40% a 50% para a evasão nas IFES, e também nas IES privadas, é a incompatibilidade entre o estudo e o trabalho, associada à sustentação financeira do estudante ou de sua família. Fatores que poderiam ser associados com escolha precoce do curso (ou da profissão) é [sic] de cerca de 10%.”

Um outro ataque profundo à autonomia universitária é em relação à precarização do trabalho docente. Através da portaria ministerial nº. 22, de 30 de abril de 2007, foi criado a figura do professor-equivalente. De acordo com estudos do ANDES-SN, “[...] o banco de professores-equivalente corresponde ao total de professores de 3º Grau efetivos e substitutos em exercício na universidade, no dia 31/12/2006, expresso na ‘unidade professor-equivalente’. Para chegar a essa unidade, o governo, tomando como referência a equivalência salarial entre um professor efetivo e um professor substituto [...], atribuiu um fator (peso) diferenciado a cada docente segundo sua condição de trabalho. Na versão publicada da referida portaria, foi definido, como referência 1,0 de cálculo, o professor Adjunto I com 40 horas, ou seja, o professor Adjunto 40h-DE vale 1,55; o professor doutor 20h vale 0,5; o professor doutor substituto 40h vale 0,8 e o professor doutor substituto 20h vale 0,4. Nessa lógica, um docente com dedicação exclusiva vale um pouco mais (1,55) que três professores efetivos em regime de 20h (0,5) e um pouco menos do que 4 professores substitutos com 20h (0,4). (CADERNOS ANDES, 2007, p. 27).

Tal lógica defende, explicitamente, a precarização do trabalho docente, o processo formacional e aumento de turmas por educador/a. Ora, “ao considerar que 4 professores substitutos em regime de 20h, praticamente, equivalem a 1 professor 40h DE, a universidade será induzida a preterir este em favor daqueles, dos quais obterá uma carga horária de ensino maior do que a de um único docente efetivo que também teria as atribuições de pesquisa e extensão, além das burocrático-administrativas. Como a meta global do decreto é a expansão do número de matrículas nos cursos de graduação,a contratação de professores substitutos para a função exclusiva de ensino, como já ocorre atualmente (em média, um professor substituto 20h ministra 3 disciplinas por semestre), seria a maneira mais ‘racional’ sem custos adicionais, de atender às demandas de crescimento do ensino superior, uma vez que 4 professores substitutos 20h (equivalentes a um professor adjunto I- DE) atenderiam, em média, 12 turmas-disciplina” (Idem, p. 28).

Tal desmonte permanente das IFES ganhou seu estado mais complexo e devastador. Ao retirar do âmbito universitário a escolha de seu próprio programa curricular e, ao precarizar ainda mais o ofício docente, tais propostas se encaminham para o fim dos concursos públicos e a criação de contratos de trabalho flexíveis ou até mesmos voluntários. Este modelo de universidade, em meu entendimento, não interessa à sociedade brasileira.

3. Universidade Nova e o retorno à meritocracia ou os acólitos de primeira ordem no contexto do REUNI

Tomando como exemplo o Plano de Expansão e Reestruturação da arquitetura curricular na Universidade Federal da Bahia (UFBA), surpreende já de início que tal consulta pública foi realizada por listas eletrônicas, abrindo mão das importantes assembléias presenciais. Ainda que na introdução do documento, teçam-se críticas à globalização, a proposta curricular da UFBA está pautada em três grandes objetivos: “abertura de programas de cursos experimentais e interdisciplinares de graduação, que poderiam ser não-profissionalizantes ou não-temáticos, com projetos pedagógicos inovadores, em grandes áreas do conhecimento: Humanidades, Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Artes; - consolidar programas de renovação de ensino de graduação por meio de projetos acadêmicos criativos e consistentes, reduzindo as barreiras entre os níveis de ensino como por exemplo oferta de currículos integrados de graduação e pós-graduação; - incentivar reformas curriculares naqueles cursos que ainda não apresentaram propostas de atualização do ensino de graduação” (MEC/UFBA, 2007, p. 5).

O documento é por demais extenso e extenuante. E também contraditório e ambíguo. De acordo com estudos do ANDES-SN, “Nesse caldo de cultura, [foi] posta a público a proposta Universidade Nova, tida como originária de uma grande universidade federal e amplamente veiculada como solução contra a obsolescência ‘diagnosticada’ para as universidades do modelo tradicional. Houve um périplo, especialmente do reitor da UFBA, pelas demais IFES, explicando, preferencialmente, em Aulas Inaugurais, que a ‘formação generalista de um grande contingente de jovens em Ciclos Básicos de 2 a 3 anos, para posterior guindada de uns poucos, peneirados como os ‘mais capacitados’, até a profissionalização propriamente dita, seria a panacéia para todos os problemas diagnosticados. O ânimo propagandístico arrefeceu um pouco quando conseguiu ser difundida a contra-argumentação de que, numa situação de contingenciamento de recursos permanente e escassez de vagas na etapa profissionalizante, o Ciclo Básico ranqueador instalado se tornaria, indubitavelmente, um mecanismo adicional de exclusão social” (Cadernos ANDES-SN, 2007, p. 22).

Tanto a UFBA quanto a UnB querem convencer as demais IFES de que as diretrizes do REUNI vão beneficiar estudantes, docentes e o processo formacional. O que estamos vislumbrando, na realidade, é uma política de desmonte, que ataca de todos os lados no mesmo instante. Decretos e portarias pipocam num mesmo marco temporal, para que a estratégia de reação seja mais pulverizada e menos intensa. A estratégia divisionista que o MEC tem adotado neste atual governo e no antecessor também, demonstra claramente a importância da organização política dos Centros de Ensino, departamentos de graduação e centros acadêmicos na publicização de tais artimanhas curriculares. Corremos o risco de ‘assistirmos’ a implementação de um projeto formacional que desqualificará cada vez mais o trabalho docente. Uma IFES pouco atraente do ponto de vista formacional, condenará o ensino superior público ao seu desaparecimento e à integração plena à lógica privatista. Saibamos, então, reconhecer os limites de tal reforma e o seu impacto no ensino público em todos os seus níveis.



Referências


- BOLETIM APUFSC. Reuni: ataque mais complexo ao ensino superior público. Apufsc, Florianópolis, n. 608, p. 3, Set. 2007.

- BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD: Lisa, 1996.

- CADERNOS ANDES-SN. As novas faces da reforma universitária do governo Lula e os impactos do PDE sobre a educação superior. Andes-Sn, Brasília, n. 25, p. 1-41, Ago. 2007.

- CHAUÍ, Marilena de Souza. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed. UNESP, 2001.

- MEC/UFBA. Plano de Expansão e Reestruturação da arquitetura curricular na Universidade Federal da Bahia, jul. 2007, [mimeo.].

- TONEGUTTI, Cláudio Antonio; MARTINEZ, Milena. A universidade nova, o Reuni e a degradação da universidade pública, Set. 2007, [mimeo.].

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Magistério catarinense e monopólio da mídia



Por Jéferson Dantas

No dia 29 de setembro de 2007, sábado, deparo-me com a seguinte chamada da seção Visor, página 3 (Opinião do periódico Diário Catarinense): “O coordenador do Sinte [Sindicato dos Trabalhadores em Educação] reconhece o prejuízo à formação dos estudantes [diminuição de cada aula em 15 minutos], mas afirma que é uma forma legítima de forçar o poder público a resolver problemas do setor. Não é. A medida usa os alunos como massa de manobra e prejudica ainda mais a sua deficiente formação”. Tal visão do periódico é corroborada pelo colunista Moacir Pereira na mesma página acima citada. Contudo, em se tratando da ótica rasteira que a mídia impressa brasileira se dirige às questões estruturais no campo educacional, a abordagem em foco beira ao desconhecimento pleno do que tem sido a situação do magistério catarinense nos últimos anos.

Além de a educação continuar não sendo a ‘prioridade das prioridades’, como bem ressalta o educador Dermeval Saviani, nos últimos 25 anos em Santa Catarina - entre o fim da Ditadura Militar (1964-1985) e a redemocratização - temos a permanência no estado de duas legendas partidárias que se digladiam na esfera do público/privado. A aliança partidária que representa o atual governo do estado tem em seu histórico a sanha da perseguição, da desqualificação e da intriga. Como esquecermos a violência física contra os educadores em 1987 e a demissão sumária de 17 mil educadores em plena democracia?

Entender a estratégia de greve do magistério catarinense em detrimento da lógica estatal implica, justamente, nas opções claras que o Estado faz. Afinal, como admitir que Santa Catarina pague o terceiro pior piso salarial em nível nacional? Como admitir condições de trabalho indignas? Toda vez que o discurso estatal revela que o processo educacional onera os cofres públicos devido ao impacto orçamentário, mais certeza se tem de que a educação não se qualifica como prioridade em Santa Catarina e muito menos como investimento. Gerações de catarinenses estão se apropriando menos do conhecimento científico produzido pela humanidade, num empobrecimento formacional que grassa toda a Educação Básica. Todavia, ‘culpabilizar’ educadores não é a melhor forma de se resolver tal situação.

E, para finalizar, não fica bem para o aparato estatal desqualificar o magistério através das mídias impressa e eletrônica, com adjetivos impróprios, como se os representantes da res-publica não tivessem nada a ver com isso. Se os legisladores catarinenses fossem avaliados com a agudeza que merecem pela sociedade civil, dificilmente, seriam aprovados para uma nova legislatura.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Estado agressor



Por Jéferson Dantas


Meninos de 13 e 14 anos, moradores de uma das comunidades do Maciço do Morro da Cruz, preparavam-se para irem a uma festa popular na avenida beira-mar norte. Desciam por um atalho nas imediações do morro até se depararem com policiais militares armados. Um dos policiais fez a seguinte recomendação: “Vocês sabem correr?” Os jovens, acostumados com a repressão comumente utilizada pela polícia nas comunidades empobrecidas de Florianópolis, nem pensaram duas vezes. E correram. E, como numa ‘brincadeira’ de tiro ao alvo, um dos jovens foi atingido por uma bala de borracha na sétima vértebra da espinha dorsal e corre o risco de ficar paraplégico. O pai do menino ainda busca explicações para tamanha perversão. Na escola onde o menino estuda, os/as educadores/as estão comovidos/as e desalentados/as.



Num país onde a chacina de menores de rua não é novidade para ninguém (vide o massacre da Candelária) e grupos de extermínio agem sob a conivência do Estado, não é de se admirar que tal prática condenatória tenha ganhado terreno na capital catarinense. O regime de exclusão precisa atingir o seu ápice e, para muitos (principalmente os que defendem a diminuição da idade penal) o ‘mal’ precisa ser exterminado no nascedouro. Em outras palavras, matemos os jovens antes que se tornem marginais de alta periculosidade. Tal pensamento de cunho fascista não pode ser tolerado, ainda mais se tratando de crianças e jovens em situação de risco social.



Saibam, nenhuma criança ou adolescente nasceu com uma arma na mão, muito menos passou a vender/consumir crack ou heroína como passatempo. O testemunho existencial destes meninos e meninas foge à percepção leviana e/ou xenófoba dos/as que acreditam numa limpeza étnica ou num cordão sanitário entre o morro e o asfalto. Nunca perguntaram se estas crianças e jovens não desejavam carregar instrumentos musicais nas mãos invés de armas; nunca perguntaram se tinham sonhos, desejos ou se tiveram infância. É nisto que se transforma uma sociedade pautada no medo e no terrorismo de Estado: um território desigual em oportunidades e distante de qualquer lampejo de solidariedade!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A obra-prima dos irmãos Taviani 30 anos depois



Por Jéferson Dantas


O filme Pai Patrão (1977) dos cineastas italianos Paolo e Vittorio Taviani, ganhador do Festival de Cannes, completa 30 anos, mantendo, porém, sua atualidade e contundente crítica aos valores da sociedade capitalista. Baseado numa história real, a narrativa se passa na Sardenha, sul da Itália, onde um menino chamado Gavino (interpretado pelo ator Omero Antonutti) é obrigado pelo pai a abandonar os bancos escolares aos seis anos de idade para cuidar de um rebanho de ovelhas. O pai de Gavino ignora os anseios de sua família, tratando-os com extrema violência e intensa exploração laboral da própria prole. Gavino, sendo o mais velho dos irmãos, só consegue obter a sua ‘liberdade’ na vida adulta, quando faz o alistamento militar com outros jovens da região. Gavino aprende a ler e escrever, apropriando-se de um saber sistematizado, incorporando-o como uma segunda natureza. Em outras palavras, Gavino liberta-se não somente de uma condição perversa de exploração paterna, mas liberta-se da ignorância, passando a adquirir um habitus, ou seja, uma internalização dos princípios de interpretação do mundo letrado.


Tal exposição acima não se diferencia tanto de realidades muito presentes no meio rural brasileiro, principalmente em regiões de imigração européia. Os filhos homens (primogênitos ou não) representam a continuidade de uma racionalidade rural, arraigada à terra e aos valores restritos encharcados de religiosidade. “Servos” da terra, desde tenra idade os meninos têm um destino traçado: cuidar da lavoura e dos rebanhos (herança natural) e dos pais quando estiverem bastante velhos e doentes. No que concerne às filhas há uma possibilidade maior de ruptura com tal destino, ainda que os valores ali presentes permaneçam como molde na vida adulta, pois o peso da tradição está emoldurado na memória.

O pai-patrão castrador e indiferente ao filho que rompeu com a racionalidade rural entra, inevitavelmente, em conflito com a racionalidade letrada, condicionada ao setor produtivo industrial, portanto, calcada em outras formas de exploração da força de trabalho coletiva. Tal conflito de territórios (rural e urbano) não se estabelece tão-somente do ponto de vista geográfico, mas essencialmente, do ponto de vista simbólico. O filho que supera o pai e que agora pode lhe enxergar de uma outra maneira, não tem mais medo de ser castigado, porque tem em seu poder a cultura letrada, além de compreender como os trabalhadores rurais são explorados por atravessadores ou grupos econômicos de prestação de serviços. O pai-patrão, visivelmente fragilizado, velho e castigado por más colheitas e más negociações com capitalistas do meio rural, sente-se desamparado; desmorona-se sua pretensa convicção; o autoritarismo é quebrado pela própria lógica do capital, que negocia pelo menor valor aquilo que é produzido à custa de muito sacrifício.

Os irmãos Taviani, corajosamente, apresentaram ao público uma obra extremamente politizada num contexto de Guerra Fria (1948-1989) e de tiranias militares nas América Latina. Profundamente sensibilizados com as causas sociais, seus filmes tem sido muito discutidos no meio acadêmico, principalmente, na área de Ciências Humanas. Trinta anos depois, Pai-Patrão é a representação de um modelo rural não totalmente superado, além do que com o fim do socialismo real, (re)pensar a utopia passou a ser cada vez mais difícil. No atual contexto de práticas discursivas hegemônicas, onde os consensos sociais não são mais costurados através de ditaduras localizadas, a lógica do capital tem depositado um fardo excessivo aos trabalhadores em diversos setores produtivos; competitividade acirrada e a internalização da culpa pelo fracasso individual, tem sido a tônica destes tempos de Pai-Mercado!


PARA SABER MAIS: Acesse o site http://www.telacritica.org/. Você vai encontrar diversas sinopses de filmes premiados, tendo como enfoque analítico as interfaces entre a linguagem cinematográfica e a Sociologia crítica.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Movimento cívico promovido pela OAB/SP




Por Jéferson Dantas



A OAB (Organização dos Advogados do Brasil) está liderando uma campanha para paralisar o Brasil por um minuto no dia 17 de agosto, às 13h, em solidariedade às famílias que perderam seus entes queridos no trágico acidente aéreo do vôo 3054 da TAM. Tal ‘movimento cívico’ já tem, inclusive, um site (www.cansei.com.br). Na publicidade de tal movimento há o seguinte desabafo: “Cansei de gente que só quer levar vantagem, do governo paralelo dos traficantes, de pagar tantos impostos para nada, de tanta impunidade, do caos aéreo, de CPI’S que não dão em nada, de ver crianças nas ruas e não nas escolas, de presidiários falando ao celular, de empresários corruptores, de ter medo de parar no sinal, de bala perdida, de tanta corrupção, de achar tudo isso normal, de não fazer nada”.


O texto acima, todavia, revela o perfil e pensamento da classe média brasileira. O tom de indignação se dá, justamente, no medo de ter a propriedade individual roubada, no medo dos marginais que infestam os grandes núcleos urbanos e, provavelmente, a indiferença em relação ás crianças, jovens e velhos que (sobre) vivem nas ruas. Com todo o respeito à iniciativa da OAB, tal indignação é frágil, pois seus pressupostos estão alicerçados em questões aparentes e imediatistas e não em questões estruturais. Numa única expressão, poderíamos sintetizar a ‘campanha cívica’ da seguinte maneira: “Cansei da lógica perversa do capital!” Ora, a democracia representativa no Brasil está longe de atender as demandas sociais mais evidentes e o Estado brasileiro funciona tão-somente como regulador das tensões coletivas, já que atende clientelisticamente, os interesses de uma única classe ou grupo social.



A nossa capacidade de indignação só ganhará corpo e resultados mais concretos, quando pudermos vislumbrar os descalabros do comando político sem alienação ou tom passional. A naturalização da lógica do capital nos ensina que temos de ser competitivos; que temos de doar o nosso tempo livre para que o capital possa se reproduzir; que temos que consumir mais e mais para acompanharmos o mundo formidável das tecnologias de informação e comunicação; que temos de ampliar a jornada de trabalho em detrimento da companhia dos familiares e dos amigos. Ainda que a ‘ação cívica’ em questão seja significativa e importante, ela é, em meu entendimento, reducionista e focalizada. Para os/as que nada possuem e vivem à margem da sociedade, a ‘tragédia’ é vivenciada cotidianamente, e estes homens e mulheres precisam igualmente ser escutados/as. Ressalto, contudo, a contribuição histórica da OAB contra a ditadura militar no Brasil e o apoio aos movimentos sociais na década de 1980. Que o tom de indignação não escorregue numa passionalidade aparente e que, as questões estruturais – incluindo os desmandos do setor aéreo – possam ser encaradas com embasamento e boa argumentação.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O legado do carlismo


Por Jéferson Dantas


O desaparecimento de Antônio Carlos Magalhães da cena política brasileira, depois de mais de cinco décadas imiscuído no aparato estatal e controlando com mão-de-ferro seus interesses particulares na Bahia, pôs fim a um núcleo geracional de políticos truculentos. Magalhães sempre foi o colaborador de primeira hora dos governos militares e nunca titubeou em pulverizar desafetos, mesmo os que, em primeira instância, configuravam-se como aliados. Todavia, o carlismo não foi e nem será o último fenômeno histórico bem acabado do clientelismo e do coronelismo no território nacional. Há muitos "caciques" bem vivos e tão nocivos quanto "toninho malvadeza".


O discurso cuidadoso sobre a morte de Magalhães, beirando à fleuma, de políticos historicamente oposicionistas e que hoje estão no poder, revelam bem o tom asséptico de como se dão as relações palacianas com os antigos colaboradores da ditadura militar. Há, de fato, um mal-estar em comentar sobre a trajetória de atropelos autoritários de Magalhães. Para muitos um alívio! A sombra de Magalhães incomodava muitos deputados e senadores, tantas vezes desqualificados pelo "painho".


A maior herança do carlismo está alicerçada no legado colonial do Brasil. Público e privado sempre se confundiam. Em troca, o coronelismo carlista prestava importantes serviços aos generais-presidentes durante os anos de chumbo no país, silenciando a liberdade de imprensa em todo o estado da Bahia. Paradoxalmente, Magalhães teve admiradores na própria classe artística baiana, sendo o caso mais proeminente o da cantora Gal Costa. Odiado e amado. Assim, Magalhães adentrou o século XXI. Um pouco mais combalido é bem verdade. Cardiopata, quedou num quarto de hospital. Seus herdeiros tentam se desvincular da imagem truculenta do 'painho', afinal, há outras formas de se estabelecer o consenso popular. Mas, não há como negar a sua importância. Magalhães continuará sendo o modelo mais bem definido de tudo que deve ser condenado e extirpado da sociedade política nacional.


sábado, 14 de julho de 2007

Lutas incorporadas

O fatalismo e destinos traçados são um engano! Aprendemos mais quando conseguimos incorporar as nossas lutas cotidianas ao exercício laboral. A experiência coletiva nunca deve ser abandonada ou subestimada. Quando Marx dizia que o "professor precisava ser educado" ou quando Gramsci afirmava que "todo professor é aluno e todo aluno é professor", estavam na realidade defendendo a tese de que 'ninguém ensina ninguém'; a educação não é uma via de mão única; pressupõe trocas, desejos, vontades, projetos, utopias... Desplugados do que é essencial em sua existência, homens e mulheres passam a desconhecer a capacidade coletiva de mudar os rumos da sociedade capitalista. A alienação mediada pelo Estado e por grandes grupos midiáticos amortecem nossas percepções objetivas. Amorfinados, rumamos...pra onde?
Incorporar a luta coletiva, aproximando-nos dos movimentos sociais, exercendo plenamente a coorperação mútua e desmontando a lógica do capital e a opção de classes do Estado, são ações permanentes. Do contrário, o vazio e o sentimento de culpa acabam sendo incorporados de tal forma, que passamos a internalizar valores artificiais, desejos superficiais, em síntese, as relações sociais e de produção tornam-se meramente fetichizadas.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A vez dos "carentes" (?) na UFSC

Esta foi a manchete do tablóide do grupo RBS (A Hora de Santa Catarina) após a aprovação das cotas sociais na UFSC. Denota, em grande medida, o pensamento da classe média que, agora '"forçosamente", terá de conviver com os excluídos sociais.
A expressão "carentes" foi de uma infelicidade tamanha. Além de ser um periódico sensacionalista, voltado ao leitor despreocupado com o aprofundamento das notícias ou dos acontecimentos sócio-históricos, o tablóide procura dar um tom de chacota a um tema tão sério e caro aos afrodescendentes deste país. A vulgaridade e a superficialidade com que o tema é tratado retrata bem a opção classista deste conglomerado midiático.
A 'carência' não é uma escolha. Trata-se de uma sociedade controlada pela lógica do capital e pela produtividade sem limites, onde a alienação se torna cada vez mais contundente. Exige-se, pois , mais responsabilidade desta imprensa de intrigas, que entende o sujeito coletivo como ignaro e incapaz de compreender a sua dinâmica manipuladora. Os 'carentes' devem ter escolhas como qualquer outro cidadão. Que saibamos, pois, conviver com as diferenças sociais desta nação.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Entre fados e insônias


É quando a noite chega e eu me afasto de tudo que me enoja, que vislumbro o contorno de teu corpo, num local em que nunca estive. E são noites de arrepio e desejo; e sinto que tudo isso é muito caro pra mim. Foram anos de cultura cristã a crispar meu corpo e me infernizar com o mea culpa. Mas, eis que tu surges, assim, sem nenhuma exigência. E queres apenas o colo, o carinho nos cabelos e o beijo eterno de lábios.


Nem a secura dos olhos pouco serenos te acuaram. E esperaste até o último momento. E carregavas frutas frescas em tua própria roupa orvalhada. E assim caminhamos pelas veredas arborizadas e não tínhamos mais pressa. E a completude era tamanha que poderíamos ali mesmo abandonar o mundo.


E foi o que fizemos.

Quem sabe amanhã...


Quem sabe amanhã eu aprenda a dançar... quem sabe amanhã eu decida escrever o meu livro de romances e deixe de fumar... quem sabe amanhã eu tenha tanta energia e disposição para pedir demissão daquele emprego que me consome as forças e me corrói a alma criadora... quem sabe?


Quem sabe eu deixe de mentir e me lamentar. Quem sabe eu aprenda a tocar um instrumento musical e me dedique à boemia sem remorsos! Quem sabe eu deixe de ser generoso e tolo e abandone, de fato, todos/as que me pedem favores e ganham seus louros às minhas custas!


Quem sabe?


Quem sabe eu discuta sério com aqueles/as burocratas empedernidos que ocupam os espaços públicos como se estes lhe pertencessem e planeje alguma afronta de dimensões maiores?


Quem sabe consiga aprender uma nova canção. E possa ver pássaros multicores na outra estação e reencontrar a poesia dos anos passados.


Quem sabe o mendigo é mais pleno do que eu. E lembro de uma canção de Buarque: "Nós gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres!"


Quem sabe amanhã eu também me liberte?


Quem sabe?

O que importa?


O que importa agora se teus olhos cabisbaixos não respondem ao singelo apelo de um chamado; o que importa agora que eu saiba de teus secretos planos trancafiados, exigindo desculpas veladas; o que importa os anos modorrentos debaixo de tantas culpas e desenganos, como se uma força externa, mágica e estranha, pudesse te salvar?


O que importa se estás surda para me ouvires na escuridão do quarto; se ontem ainda choravas quieta e dizias palavras ininteligíveis e rias por dentro como quem faz uma molecagem atroz; o que importa o acinzentado de teus olhos mais distantes e mais opacos nos invernos do sul;


Eu posso te dizer agora que pouco importa a tua fúria e o teu desejo. Porque teu corpo e languidez foram apenas lampejos! Porque a muralha de teu corpo é um flagelo do qual não me amena e tampouco me absorve.


E eram escadarias tuas argumentações de boteco. Um jorro de pura e transbordante fluidez de passos nas nuvens. Nefelibata como te intitulavas, como se isso pudesse resolver tua cólera e o pouco sorriso. Economizavas até nisso.


E agora queres saber por que não te procuro? Por que deixei de escrever ou telefonar? Por que abandonei meu estado de miséria? Por que passei a valorizar minha existência? Pois bem, frágil aurora, vá procurar o que está distante e envolto em névoas. Eu estarei tranqüilo, passeando com meus pedregulhos de escritos e apostando em algo superior ao que definiste como inexorável.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

As cotas e a dívida social brasileira




Por Jéferson Dantas


As manifestações ocorridas recentemente em Porto Alegre contra o sistema de cotas para estudantes egressos das escolas públicas e afrodescendentes continuam acirrando os ânimos nas universidades públicas brasileiras. Tal medida desagrada em grande parte os/as estudantes que podem fazer cursinhos pré-vestibular e que já estão inseridos/as na lógica perversa da seletividade meritocrática. Até aqui, nenhuma novidade. Entretanto, a permanência do preconceito racial neste país é digno de nota. Os que são contrários/as às cotas preferem discutir a melhoria da educação básica pública brasileira o que, teoricamente, colocaria em pé de igualdade aqueles/as que podem realizar seus estudos em boas escolas privadas e os/as que não têm acesso a este tipo de ensino. Em outras palavras, joga-se para as calendas gregas uma discussão de cunho histórico, fruto da mais rasa e perniciosa permanência da exclusão social.




Se levarmos em conta os/as estudantes afrodescendentes que conseguem terminar os estudos no ensino médio em relação aos/às estudantes brancos, já teremos uma boa medida da discrepância de escolarização em nosso país. Apenas para citar um exemplo, em Florianópolis crianças e jovens em situação de risco são em sua maioria afrodescendentes. São as que abandonam os estudos ainda no ensino fundamental, ou porque precisam trabalhar (de forma precária) mais cedo ou porque a própria escola reforçou de maneira naturalizada a 'incompetência' destes jovens para os estudos. A violência estrutural atinge de forma muito mais cruel e nefasta os/as afrodescendentes. São os que têm os piores índices de escolaridade e, em conseqüência, de empregabilidade.




Ao tratar desiguais como iguais somos presas fáceis das contradições. Não olhamos para o passado como substância dialética em relação ao presente. Nesta direção, a preocupação se volta a uma competitividade desenfreada, movida a contrapelo pela lógica do capital. Certas coletividades desejam o fim da violência sem se darem conta de que a mesma é fomentada dia após dia pela ausência de trabalho formal e a intensa concentração de renda. A mentalidade "pequeno-burguesa", distante de qualquer solidariedade, alimenta a individuação exacerbada e o descaso com as questões de fundo histórico. Logo, discutir as cotas sociais/étnicas nas universidades públicas vai além dos discursos inflamados dos prós e contras. Ela está alicerçada na denúncia de que somos incapazes de assumirmos os nossos próprios preconceitos.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

A miséria da (in)formação



Por Jéferson Dantas


O conjunto de informações que recebemos atualmente dos mais diversos veículos de comunicação, modificou, sobremaneira, as nossas concepções de mundo e, principalmente, nossa percepção objetiva sobre os principais acontecimentos políticos, sociais e econômicos. A mídia impressa de massa – com raríssimas exceções –, brinda-nos com manchetes sensacionalistas e desprovidas de aguçada reflexão crítica dos fatos. Aliás, faz muito tempo que o jornalismo investigativo tem dado espaço para o roteiro de intrigas e fofocas, típico dos tablóides medíocres.



Nesta direção, é razoável, pois, considerar, nos dias de hoje, que tipo de informação precisamos selecionar. O consumo da mercadoria cultural funciona da mesma maneira que outras mercadorias, porém, seus efeitos nocivos se alastram pelas conversas de esquina, ganhando mesmo os territórios educativos. O monopólio de uma determinada indústria da informação corrobora para a hegemonia de um único grupo social, relegando às classes populares os noticiários infames, desprovidos de história e/ou dialética. Os movimentos sociais são criminalizados abertamente por este tipo de mídia, funcionando como reguladores das tensões envolvendo a sociedade civil e a sociedade política.



A miséria da informação está, inevitavelmente, globalizada. O que se pode reter ou internalizar de fragmentos paupérrimos provenientes desta mídia? Por que temos de aceitar este tipo de informação? Quais são os prejuízos conceituais e analíticos dos grandes monopólios midiáticos? Repensar os círculos de leitura nas escolas formais e nos espaços educativos não-formais e a elaboração de materiais informativos que fujam dessa lógica da indústria da informação, já é uma realidade presente, principalmente nos ambientes virtuais. Romper com tal lógica, porém, não é tão simples assim. Implicaria numa mudança profunda na concessão de emissoras de rádio/tevê, que beneficiam claramente elites políticas aninhadas em seus territórios de influência. Logo, a informação também é um instrumento de litígio. Nas mãos erradas, sustentam a hegemonia sem qualquer avaliação e sem nenhum pudor.


domingo, 3 de junho de 2007

É possível transgredir nos limites da lei?




Por Jéferson Dantas


Em sua última edição a revista Isto É trouxe uma entrevista com o deputado federal Fernando Gabeira (PV/RJ), tendo como eixo temático as manifestações estudantis em São Paulo e a invasão da hidrelétrica de Tucuruí, no estado do Pará. Em tom ameno e bastante pragmático, Gabeira (ex-guerrilheiro durante o período da ditadura militar) defende o Estado de Direito e a resolução de tais impasses em fórum jurídico. Em outras palavras, o deputado reconhece a soberania da lógica do capital e a ausência de autoridade do Estado para a resolução das lutas corporativistas. Nas entrelinhas, há uma compreensão explícita de que os modelos de embate promovidos pelos sindicatos e movimentos sociais no Brasil caminham em descompasso com um país liberal e democrático.

Desse modo, pensar no Estado de Direito num país como o Brasil é um enorme quebra-cabeças. O aparato jurídico além de moroso precisaria ser refundado com os demais poderes. Ainda que Gabeira tenha renegado em parte seu passado e a construção do socialismo, países como o Brasil ainda são bastante influenciados pelo passado colonial, sendo o Congresso nacional o palco privilegiado do clientelismo e da corrupção endêmica. Como legalista, Gabeira se esquece de que mudanças sociais profundas só podem acontecer no litígio entre a sociedade civil e a sociedade política. As relações de poder são extremamente desiguais no Brasil. Soma-se a isso a despolitização de grande parcela da população, descrente em seus representantes e tomada de um ceticismo perigoso.

Assim, há duas ações que trafegam em desnível: a transgressão e a obediência às leis. E deve-se entender, antes de tudo, que transgredir no Brasil não é simplesmente ‘desobedecer as leis instituídas’. Ela se refere a uma mobilização social constante, que inclusive revela os limites do aparato jurídico burguês ou as suas contradições. Desobediência civil nem sempre significa ‘baderna’, ‘arruaça’. É um sintoma relevante de uma nação ainda em construção, que não consolidou o ‘Estado democrático de direito’ e que está longe de solucionar suas mazelas sociais.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Nepotismo e outras excrescências


Por Jéferson Dantas



Muitos meses se passaram até que o prefeito de São José, Santa Catarina, acatasse a decisão do Ministério Público e demitisse parentes ligados à sua gestão. O município campeão em nepotismo no estado, enfim, obriga-se a respeitar a lei. Para uma cidade que cresceu populacionalmente nos últimos anos e que teve sua área industrial ampliada de forma significativa, não é possível aceitar tamanho descalabro com o dinheiro público. A ausência de concursos para o preenchimento de cargos em todos os setores da vida pública da cidade também são dignos de nota. Ainda que ocorram os concursos, são passíveis de fraudes ou desconfianças para garantirem os cargos de quem já exerce alguma função indicada na prefeitura. É a política do toma-lá-da-cá.

Exemplos como o relatado acima ocorre em muitas cidades interioranas, acostumadas ao clientelismo raso, propinas, favoritismos, etc. O senador Antonio Carlos Magalhães afirmou em recente entrevista que uma ‘propininha’ de R$ 20 mil não é corrupção. Afinal, nossos estimados representantes no Congresso Nacional trabalham com números mais polpudos. Tal lógica nefasta e incrustada no aparato estatal brasileiro é endêmico, ganhando ares de uma epidemia ou pandemia. Há a certeza da impunidade e os cofres públicos são sangrados à revelia da população.

Se para uma cidade de porte médio como São José, que tem em seu portal de entrada “Bem-vindos à cidade do século XXI” (e seria melhor dizer séculos XVIII ou XIX) a máquina pública é compreendida como território de uns poucos, portanto, privatizada, o que dizer dos mais de cinco mil municípios que existem neste país? Como tem se gerenciado a ‘coisa pública’? Como se dão as relações de compadrio? Tais excrescências precisam ser extirpadas, ampliando-se os fóruns decisórios e a própria idéia de democracia participativa. E isto significa pressionar, sistematicamente, os(as) que acreditam donos do que é produzido, socialmente.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Operação Moeda Verde: a privatização do público



Por Jéferson Dantas


A Operação Moeda Verde em Florianópolis - ação conjunta da Polícia Federal e do Ministério Público - revelou claramente a fragilidade da democracia representativa e os interesses privatistas que estão em jogo em diversos setores públicos que deveriam zelar pelo patrimônio ambiental. A concupiscência do legislativo municipal associado a uma política predatória que vem se agravando nos últimos anos na Ilha de Santa Catarina, responsabiliza e exige explicações também de seu executivo. Afinal, quem nomeia secretários e aliados políticos? A população florianopolitana desconhece ou ignora aqueles(as) que a representa, até porque diante do aparato burocrático estatal, dificilmente se sabe quem são os apadrinhados beneficiados pelas mãos caridosas do Estado.


As relações de poder no espaço público ainda são construídas pela prática colonial do favoritismo e o clientelismo, além da concussão de seus funcionários, sem nenhuma prestação de contas para o povo. O espaço público parece uma abstração: em benefício próprio tudo é permitido! A apropriação indevida, propina, presentinhos de luxo, boa comida em restaurantes caros, destruição do meio ambiente, empreendimentos milionários, segregação e exclusão dos que não podem consumir. A democracia brasileira é uma pilhéria das quais todos fazemos parte. Gargalhamos sarcasticamente das sessões ordinárias no plenário municipal, quando na realidade deveríamos avaliar seriamente esta tragicomédia de erros em que se transformou o circo da política partidária.


Todavia, para o senso comum, acostumado à impunidade histórica neste país, responsabilizar os criminosos que passeiam pela câmara de vereadores, resorts ou templos de consumo, ainda é algo inimaginável. O que deve ficar claro, entretanto, é que tal operação despertou a sociedade civil de uma sonambulia acachapante. As próximas eleições municipais serão um termômetro decisivo do quanto as atuais e anteriores gestões políticas do executivo/legislativo municipal se refletiram na opinião pública. Ainda que saibamos os limites da democracia representativa, os movimentos sociais e lideranças comunitárias em Florianópolis precisam estar mais do que nunca organizadas e atentas aos deslizes dos(as) que se julgam acima de qualquer Lei.

domingo, 29 de abril de 2007

Bento XVI e o ranço medieval




Por Jéferson Dantas


A visita do papa Bento XVI ao Brasil é uma tentativa de consolidar o espaço perdido do catolicismo na América Latina nas últimas décadas. Com uma organização apoteótica, própria dos grandes espetáculos, Joseph Ratzinger (o verdadeiro nome do papa) se apresenta em suas muitas visitas internacionais como o paladino mais fervoroso do conservadorismo religioso mundial, seguindo à risca os passos de seu antecessor, João Paulo II. Ligado à juventude hitlerista na década de 1940, Ratzinger pertenceu por mais de duas décadas à Congregação para a Doutrina da Fé que, historicamente, vinculava-se ao Tribunal da Santa Inquisição. Foi Ratzinger que impôs ao teólogo e ex-frade brasileiro Leonardo Boff, o silêncio obsequioso, devido à sua relação com a Teologia da Libertação.



Tratar de questões religiosas num país de forte matriz católica como é o caso do Brasil, não é uma tarefa fácil. Diria até que é inglória. Joseph Ratzinger e o seu séqüito de cardeais, tendo como cenário o Vaticano, é uma continuidade anacrônica de um mundo medievalizado, quando a Igreja Católica detinha forte influência política, econômica e espiritual. Deixar de apontar os inúmeros crimes em nome da fé realizados pelas missões jesuíticas na América, acompanhados da política da cruz e da espada dos saqueadores europeus, devem ser (re) lembrados em momentos como este da visita de Bento XVI. O que dizer, por exemplo, da conivência da ala conservadora do catolicismo nacional durante a Ditadura Militar (1964-1985)?



Além dos aspectos supracitados, temas polêmicos como AIDS, utilização de preservativos, aborto, são tratados por Ratzinger de forma desumanizada. Naquilo que é mais terreno e próprio dos embates sociais, o papa procura omitir ou renegar à esfera do divino, desprezando a historicidade da própria instituição que defende. Penso ainda ser uma grave ofensa às demais religiões praticadas no Brasil, a forma como a mídia de massa ressalta o catolicismo, esmagando o sincretismo espiritual de um país particularmente pluralista. Logo, devemos compreender no terreno da História que a mistificação religiosa tem diversos reveses e que são construídas por seres humanos. O deslumbramento diante do paramento medieval oculta segregações, preconceitos, opções políticas equivocadas e cegueira coletiva.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

A miséria da pós-modernidade



Jéferson Dantas


O pensamento pós-moderno já foi alvo de intensas críticas, principalmente dos teóricos marxistas. Em grande medida, tal crítica deve-se ao caráter caricatural que os pós-modernos imprimem em suas análises, apoiados em “fontes filológicas, sem nenhuma significação teórica”, conforme expressões de Antonio Gramsci (1891-1937). Os pós-modernos podem se achar detratados, excomungados do panteão das ‘grandes teorias’, mas isto tem uma razão de ser.

No terreno educacional tal exame analítico se faz às invencionices verborrágicas dos chamados pós-críticos que, emaranhados em seus próprios arranjos conceituais, desprezam a própria realidade social. O excessivo relativismo, posicionamentos políticos pendulares e um profundo desapego ao conflito de classes, fazem dos pós-modernos as principais referências dos defensores da ética de mercado. Como se sabe – ou deveríamos saber – a expressão ‘ética de mercado’ já traz em seu âmago uma profunda contradição.

Todavia, se por um lado os pós-modernos ampliaram determinados conceitos e categorias de análise (diversidade, multiculturalismo, gênero, interculturalidade), ao mesmo tempo dissiparam a importância dos movimentos sociais e as suas respectivas experiências concretas. Ou seja: como ainda não superamos o modelo econômico capitalista e como a desigualdade social caminha a passos largos ao longo das últimas décadas, os pós-modernos se contentam com frases de efeito, o fragmento, práticas discursivas e o imediatismo/presentismo, num mundo cada vez mais convulsionado. Acredito que ao relativizarmos excessivamente os conflitos sociais, caímos na armadilha da impotência coletiva. Entre o desespero de uma esquerda pouco aguerrida e o niilismo dos que advogam o cinismo e a indiferença, resta-nos buscar na realidade histórica dialética a compreensão dos fenômenos sociais, problematizando evidências orais/escritas e admitindo nossas próprias contradições.

sábado, 14 de abril de 2007

Paulo Bauer na berlinda



Jéferson Dantas


O secretário estadual de educação, Paulo Bauer, foi hostilizado na maior unidade de ensino de Santa Catarina: o Instituto Estadual de Educação (IEE). Em grande medida, tal situação ocorreu pelo fato do secretário não respeitar um processo democrático envolvendo as comunidades escolar e local. A prepotência de Bauer, que num passado não muito distante, desqualificou os educadores catarinenses alcunhando-os de “baderneiros”, encontra agora um novo episódio neste território de correlação de forças entre a sociedade política e a sociedade civil, ou seja: o embate com o Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC).

O FMMC passou a se organizar politicamente em meados de 2000, reunindo lideranças comunitárias dos morros e encostas de Florianópolis e trabalhadores em educação de dez escolas públicas estaduais e quatro centros de educação infantil mantidos pelo Estado. O público escolar é constituído principalmente por crianças e jovens em situação de risco social, portanto, a existência do FMMC como movimento social de base tem procurado investigar as demandas sócio-educativas destes estudantes com a construção de currículos diferenciados e uma formação continuada que privilegie as reivindicações pedagógicas dos educadores. Nesta direção, o FMMC não é tão-somente um “amontoado” de escolas que estão brincando de fazer “revolução”, como enfatizou o assessor direto do secretário estadual de educação. Reconhecer que há, de fato, um movimento social em Florianópolis e que a contra-hegemonia está no campo das contradições da lógica do capital, parece-me pertinente neste conflito que é próprio das opções políticas, relações de poder hierarquizadas e arranjos ideológicos diferenciados.

Por fim, ainda que a Gerência Regional de Educação (GEREI) e a Secretaria de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis (SDR) tenham sinalizado a nomeação dos diretores eleitos diretamente nas escolas do FMMC, Bauer tem emperrado o processo numa demonstração antidemocrática e que poderá, inclusive, desgastá-lo politicamente. A autonomia política e pedagógica nas escolas públicas deve ser exercitada pelas comunidades escolar e local como algo permanente, pois esta é uma das condições da plena cidadania. Cabe ao secretário estadual de educação repensar a forma como dialogará com o FMMC e com a organização sindical da classe docente nos próximos dias.
OBS: Os créditos da foto são do fotógrafo Jaime Tavares do Jornal A Notícia, Joinville/SC.


domingo, 8 de abril de 2007

Organizar-se é preciso!



Jéferson Dantas


As relações humanas estão cada vez mais embrutecidas, coisificadas. O corre-corre das grandes cidades, com seus milhões de automóveis poluentes, a individuação martirizante que promove todo tipo de adoecimento orgânico ou psíquico está na ordem do dia. A produtividade pela produtividade, a ansiedade coletiva que leva ao cansaço e ao sentimento de fracasso... Todos estes elementos estão inextricavelmente relacionados ao modelo econômico capitalista. Nesta direção, desacelerar é extremamente necessário, pois representa a salvaguarda de uma existência mais sadia, equilibrada emocionalmente e potencializadora de novos projetos sociais.
No outro extremo das implicações da sociedade capitalista temos a exclusão de vários segmentos sociais, a violência estrutural, a criminalização dos movimentos coletivos, o Estado paralelo com suas milícias de crianças e jovens que deveriam estar na escola. Tudo corrói. Condenamos a farra do boi como violência ambiental, mas milhares de crianças abandonadas nas ruas dos grandes centros urbanos não são considerados crimes de Estado. As contradições da lógica do capital assumem seu lado mais cruel quando nos deparamos com as armadilhas de sua própria arquitetura da competitividade, das humilhações sistemáticas de dirigentes de empresas ou dos ‘chefes’ das repartições públicas com todo o seu aparato hierárquico e burocratizante.
O modelo capitalista reinante para ser superado exige uma compreensão coletiva histórica de suas conseqüências para o futuro do planeta. Isto significa dizer que a sociedade civil teria de se organizar numa esfera contrapública, isto é, como as esferas públicas não dão conta das demandas coletivas, as organizações populares assumiriam as ações transformadoras da produção social e, consequentemente, redefiniriam o processo democrático em bases mais radicais. Para tanto, torna-se urgente que as lideranças comunitárias apropriem-se de sua historicidade, que estabeleçam suas próprias condições de convivência e laços de solidariedade, buscando a construção da contra-hegemonia possível.

quarta-feira, 28 de março de 2007

O Mito de Procusto


Jéferson Dantas


A visão politicamente correta ou os ajustamentos teóricos compatíveis com explicações abrangentes ou instrumentais têm reduzido a capacidade do sujeito coletivo em problematizar questões naturalizadas, socialmente. Na mitologia grega, Procusto convidava incautos para passar a noite em sua casa e repousar em sua cama de ferro; porém, caso o(a) visitante não tivesse as medições adequadas para cama, o(a) mesmo(a) era esticado(a) ou tinha suas pernas serradas. O mesmo tem ocorrido com o poder de discernimento dos seres humanos. Quando temos nossa capacidade reflexiva decepada ou achatada, reproduzindo dados descontextualizados, não conseguimos exercer efetivamente o nosso ‘ livre pensar’.

Nesta direção, quantas potencialidades humanas já foram jogadas no ralo? Quantos homens e mulheres rotulados como irrecuperáveis ou desajustados sociais tiveram suas existências ceifadas pela exclusão virulenta? Quando não expressamos nossos sentimentos ou quando não conseguimos argumentar qualquer situação que nos afeta, tornamo-nos servos obedientes da ‘lógica do capital’, representada no consumo desenfreado e frenético. A participação dos indivíduos na sociedade se reduz ao quanto ele pode adquirir e não o quanto ele é essencial na construção das políticas públicas.

A estupidez humana, a ignorância sistemática e um profundo mal-estar que nos abala neste início de milênio, apenas confirma que o ‘presentismo’, o ‘aqui e agora’, seqüestraram nossas identidades coletivas sem nenhum ressentimento. Enquadrar-se na lógica do capital é aceitar que nenhuma outra construção social é possível. Que podemos continuar despejando toneladas de lixo tóxico nos mares e rios do planeta, porque estamos certos da impunidade. Não quero que estiquem ou amputem as minhas pernas. Quero poder me movimentar livremente pela turba e ter autonomia para pensar diferente. É pedir demais?


sexta-feira, 16 de março de 2007

A criança e a educação ambiental



Por Jéferson Dantas


O referencial curricular nacional para a Educação Infantil elaborado pelo Ministério da Educação em 1998 traz inúmeras orientações didáticas para os(as) educadores(as) que lidam com crianças na faixa etária entre 0 e 6 anos. Recentemente, foi aprovada uma nova Lei que determina que as crianças passem a cursar a 1ª. Série do Ensino Fundamental aos seis anos de idade, o que tem reconfigurado a própria estrutura da educação infantil em todo o país. Em linhas gerais, o referencial curricular propõe uma série de atividades de investigação, socialização e de manifestações lúdicas que as instituições de educação infantil precisam oferecer para as crianças, alicerçado sempre nos contextos sociais onde as mesmas vivem. Apesar do seu alto teor propositivo, o referencial curricular traz importantes indicações metodológicas aos profissionais da educação infantil, principalmente no que concerne às interfaces entre o ‘mundo da criança’, a sociedade e a natureza.



Embora tenha se transformado num lema surrado, afirmar que as crianças representam o futuro da humanidade nos dias de hoje, torna-se cada vez mais relevante, essencial. A consciência ambiental que as gerações anteriores não tiveram e que tem ocasionado uma série de desastres ecológicos no mundo inteiro chegou a um patamar intolerável. Mais de um bilhão de pessoas no mundo já não têm acesso à água potável. O desmatamento indiscriminado passa ao largo da inoperância das autoridades públicas. Alertas de organizações não-governamentais como o Greenpeace há muito apontam o desaparecimento de várias espécies marinhas e terrestres. Neste ritmo, o ser humano será o próximo a entrar em extinção. Mas, antes, sofrerá os efeitos lancinantes dos verões intermináveis, da falta de água e comida, da ausência de coleta de lixo tóxico e do tratamento inadequado dos dejetos que escorrem pelos canais de esgoto, poluindo rios e mares. Não é uma visão apocalíptica. É o resultado do desrespeito que temos com a preservação de nossa própria espécie.



As crianças são muito afeitas às questões que envolvem a destruição da natureza. Entretanto, muitas delas vivem em contextos sociais onde a coleta do lixo, água encanada e o tratamento do esgoto ainda é um sonho. Por outro lado, as instituições de educação infantil em Santa Catarina e no Brasil como um todo não consegue atender a demanda desse público escolar e, em variados casos ou situações peculiares, creches e centros de educação infantil se transformam em verdadeiros depósitos de crianças, perdendo o seu valor educativo/formacional. Repensar o modelo de educação infantil no Brasil e, consequentemente, valorizar e formar profissionais capacitados para esse nível de formação, além de imprescindível e urgente, seria uma conquista formidável para um país com milhares de crianças fora da escola.


A violência na escola




Por Jéferson Dantas


A violência na escola quando ganha as páginas dos periódicos tem, em linhas gerais, apenas uma face: ora expõe os educadores como autoritários e punitivos, ora expõe os estudantes como verdadeiros criminosos ou delinqüentes. Quando não se procura compreender a violência estrutural, marcada sobremaneira pelo modelo econômico adotado no mundo, não é possível analisar a contento a cultura escolar e, principalmente, os mecanismos de exclusão, humilhação e enfrentamento no universo educativo. Tanto educadores como estudantes estão em contextos de violência física ou simbólica. Afinal, péssimas condições de trabalho, cargas horárias desumanas, salários aviltantes não é uma violência? Além disso, há de se acrescentar que a organização escolar calcada nos moldes tradicionais, baseada em avaliações certificativas e no monismo pedagógico, dificilmente consegue atrair a atenção do público escolar, principalmente àquele que necessita de mais atenção e de práticas pedagógicas diferenciadas no processo de alfabetização e internalização do conhecimento.

Recentemente, a UNESCO produziu um relatório sobre a educação na América Latina afirmando que a escola ‘produz violência’. Não há aí uma inversão dos termos? Será que a escola representa um mundo social à parte? Ela não sofre os efeitos da desigualdade social, do desemprego, da fome? Os sistemas de ensino não fazem qualquer interferência na autonomia pedagógica das escolas? Ora, os educadores são seres de carne e osso e muitas vezes encontram-se no seu limite físico e psíquico; da mesma maneira, os estudantes são provenientes de diferentes contextos sociais e não podem ser avaliados e formados homogeneamente. Evidente que a escola pode reforçar a violência estrutural através de seus aparatos normativos, logo, é necessário repensar seu currículo, como o conhecimento está organizado, partilhar diferentes práticas pedagógicas com os pais, educadores e estudantes e reavaliar o que está proposto no projeto político-pedagógico de cada unidade de ensino. Quando educadores, pais e estudantes sentem-se pertencentes à escola, a violência diminui sensivelmente.

Nessa direção, é bastante preocupante tratar a violência escolar como simplesmente um caso de polícia. Mas, se tivermos a sensatez de compreender a violência como um fenômeno histórico e que as escolas também são construções sócio-históricas, sofrendo os dilemas e/ou desafios de seu tempo, teremos condições de avaliar este lugar social a partir de um outro enfoque. Determinismos históricos, afirmações categóricas e irresponsáveis ou a mera desqualificação dos educadores, estes sim são fomentadores de violência.

terça-feira, 6 de março de 2007

A formação dos educadores


A importância da travessia na formação dos educadores

Por Jéferson Dantas


A formação de futuros educadores é um dos principais desafios em Santa Catarina e no Brasil como um todo. As demandas do mundo contemporâneo exigem dos (as) educadores (as) mais do que uma formação instrumental, razão pelas quais milhares de estudantes da Educação Básica encontram-se cada vez mais despolitizados e alheios ao modelo econômico vigente. As lacunas da formação inicial nas universidades não são os únicos entraves, já que as próprias instituições educacionais necessitam repensar os seus currículos e o processo de democratização de suas instâncias de deliberação coletiva (Associação de Pais e Professores, Grêmios estudantis e Conselhos Deliberativos).


Para o educador estadunidense Henry A. Giroux a racionalidade instrumental na formação inicial tem ‘treinado’ os educadores para obedecerem a pacotes curriculares oficiais das quais não opinaram ou não construíram coletivamente. Embora esta seja uma realidade dos Estados Unidos, no Brasil as políticas públicas educacionais têm seguido esta mesma corrente há alguns anos. A lógica institucional neo-tecnicista é preocupante, já que desvaloriza ou desqualifica a função social mediadora do (a) educador (a), tornando-o um mero repassador de conteúdos disciplinares descontextualizados. A politização dos (as) educadores (as) ao perder seu lugar para a mera instrução, empobrece o caráter epistemológico das diferentes áreas do conhecimento, sedimentando práticas pedagógicas desideologizadas e sensíveis à escamoteação do que efetivamente precisaria ser ensinado nos bancos escolares.


A travessia dos (as) educadores (as) em sua formação inicial/continuada é bastante árdua, tendo em vista as precárias condições de trabalho e uma carga horária muitas vezes desumana na Educação Básica. Um (a) educador (a) que lê pouco, que não freqüenta espaços culturais diferenciados e não reivindica sua autoria na construção de seu projeto existencial, dificilmente superará sua condição de subalternidade. A luta permanente da classe docente na valorização de seu ofício é o caminho possível para a mudança desse panorama. Caso contrário, continuar-se-á formando crianças e jovens menos solidários (as), insensíveis à violência estrutural e indiferentes à banalização da sociedade de consumo, cada dia mais individualizada e a mercê da manipulação da indústria cultural.