quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

O professor terceirizado



Jéferson Dantas


Não bastasse a precariedade das condições de trabalho com que os trabalhadores em educação se deparam em todos os níveis de ensino, surge uma nova modalidade de expropriação do trabalho intelectual desses profissionais: o professor terceirizado. A polêmica foi assunto da Folha de S.Paulo no ano passado e reacendeu uma velha discussão: até quando os educadores brasileiros continuarão exercendo seu trabalho sem qualquer dignidade e respeito ao seu ofício? Só no estado de São Paulo são 15 mil educadores do setor particular que estão nessa condição aviltante. O modelo de contratação dos professores é idêntico dos funcionários de limpeza e segurança, ou seja, contratos temporários e dependentes de uma demanda focalizada. A terceirização é realizada através de uma cooperativa e as instituições contratantes ficam livres de encargos trabalhistas, tais como FGTS, férias e décimos terceiros salários. A ‘economia’ na folha de pagamento chega até 50%. Um grande negócio à custa de uma mão-de-obra qualificada, porém, precarizada.



O impacto pedagógico também é imenso, pois os professores não recebem qualquer benefício caso sejam demitidos ou tenham de faltar por motivo de doença. A elevada rotatividade também é comum, pois os professores não criam vínculos com aquele espaço educativo. O que ocorre na prática é uma deturpação do cooperativismo, pois apenas uma parte – o dono da instituição de ensino – é que sai ganhando. Não há divisão dos lucros. Em grande medida, esta foi a saída nada honrosa dos donos de escolas de São Paulo, realidade também presente em várias partes do país, para amenizar a diminuição das matrículas tanto na educação básica como no ensino superior.



Sendo assim, com o setor educacional privado em crise as políticas públicas educacionais precisam promover a valorização dos educadores, tendo em vista que já há no Brasil vagas ociosas no ensino médio devido aos baixos salários. A qualificação dos educadores nas diferentes e variadas licenciaturas associado a um piso salarial nacional digno, reduziria bastante a procura por instituições particulares que exploram a mão-de-obra docente, ferindo inclusive princípios trabalhistas. Reforçar qualitativamente a educação básica pública é apostar num projeto de formação em longo prazo, o que trará, sem dúvida alguma, mudanças significativas em diversos setores produtivos da sociedade brasileira.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Ofício de historiador


Passado-Presente-Passado

Jéferson Dantas



Se não podemos exigir do passado o que ele não foi, tampouco podemos exercer destemperadamente, a futurologia. O “se” para os historiadores de ofício não existe. Entretanto, foi lá no passado que nos constituímos. Ele – o passado – é a substância do presente, onde lidamos com situações-problema não totalmente resolvidas e que nos servem como subsídios para a tomada de decisões. Na dimensão passado-presente-passado a dialética funciona como interlocutora do vivido e do que precisa ser ainda construído, portanto, exercício permanente de elaboração e reelaboração de aprendizagens significativas.

O passado não silencia e nem condena. Promove, porém, diferentes análises interpretativas do que ficou consagrado em documentos oficiais, livros, cartografias, atas, iconografias ou qualquer outro registro histórico. É justamente aí que reside a importância do passado: não repisarmos as mesmas ações equivocadas ou naturalizarmos a idéia de que tudo já foi dito ou pensado. Para o senso comum a ‘história sempre se repete’; para o pensamento histórico os acontecimentos nunca se repetem da mesma maneira, pois sendo frutos das ações humanas eles nunca podem ser recuperados tal como uma imagem estática, sem ruídos ou rupturas. A dinâmica do ‘pensar a história’ é resultado de indagações que fazemos ao presente, num processo dialógico coerente e constante com o passado.

Nesta direção, ainda que não seja possível recuperarmos o passado tal como ele foi - como ansiavam os positivistas -, podemos dar novos sentidos ao passado, vislumbrar nuanças ofuscadas por julgamentos precipitados. Recontar determinados recortes históricos situados em diferentes e variadas dimensões espaciais/temporais, exige dos historiadores mais do que uma colagem dos fatos; exige, sobretudo, uma mediação permanente, que nunca se esgota ou esbarra na primeira dificuldade pela ausência de fontes. Levando essa aprendizagem para a nossa experiência social mais concreta ou objetiva, o passado tem muito a nos ensinar. O passado é o nosso inventário material-afetivo, refundando metas e novas respostas para indagações supostamente insolúveis. Assim, para problemas semelhantes posicionados no presente, não podemos dar a mesma resposta insuficiente do passado, pois nossa memória social ou a nossa experiência coletiva já não é a mesma; ganhou contornos mais sofisticados e exigentes. Logo, tal como nos ensinou o poeta gaúcho Mário Quintana, ‘o passado não reconhece seu lugar: está sempre presente’.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Na voz de Bethânia, o texto de Pessoa...



Conta a lenda que dormia uma Princesa Encantada a quem só despertaria um Infante, que viria de além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, vencer o mal e o bem, antes que, já libertado, deixasse o caminho errado por o que à Princesa vem. A Princesa adormecida se espera, dormindo espera, sonha em morte a sua vida, e orna-lhe a fronte esquecida, verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, sem saber que intuito tem, rompe o caminho fadado. Ele dela é ignorado, ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o Destino. Ela dormindo encantada, ele buscando-a sem tino pelo processo divino que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro tudo pela estrada afora, e falso, ele vem seguro, e vencendo estrada e muro, chega onde em sonho ela mora. E, inda tonto do que houvera, à cabeça, em maresia, ergue a mão, e encontra a hera, e vê que ele mesmo era a Princesa que dormia.

(Eros e Psiquê - Fernando Pessoa)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Poesia grega


A importância histórica na obra de Hesíodo

Jéferson Dantas


A poética grega é um dos grandes mananciais da literatura ocidental. Nela se fundem ou se ressignificam os elementos estudados por poetas das gerações posteriores, ou seja, escritores dos períodos medieval, moderno e contemporâneo. Os temas da poesia grega vão da Epopéia à Lírica e desta última para a Alexandrina, já no período helênico. Um dos grandes nomes da poesia grega, sem dúvida, foi Hesíodo.

Acredita-se que Hesíodo nasceu na Beócia, em Ascra, deixando como legado duas importantes obras para a humanidade: Teogonia e os Trabalhos e os Dias. É possível observar na escrita de Hesíodo um estilo semelhante ao de Homero, embora de temáticas opostas. Hesíodo é o poeta do período arcaico grego, época de intensas turbulências no meio agrário. Se, por um lado, Hesíodo se afasta da temática social descompromissada de Homero, por outro ele vai empregar a mesma métrica e, praticamente, o mesmo vocabulário de Homero em suas narrativas. Supõe-se que 80% do vocabulário utilizado por Hesíodo sejam comuns àquelas utilizadas por Homero na Ilíada e na Odisséia.

Além disso, fica patente nas obras de Hesíodo o caráter didático. Na Teogonia ele faz uma explanação do universo a partir das divindades mitológicas. Metaforicamente, o poeta quer nos contar a origem do universo, servindo-se para tanto destas divindades perenes e austeras. No interior daquele contexto histórico (século 8 a.C., aproximadamente), Hesíodo nos traz com a pujança de sua poesia a manifestação de uma época de lutas entre grandes latifundiários e a população expropriada de qualquer espécie de privilégio. Cabe ressaltar que os desprivilegiados não são apenas os camponeses, mas todos os pastores e pequenos artesãos que começam a formar uma classe cada vez mais numerosa. Conforme o crítico literário e escritor Donaldo Schüller, “já não é possível silenciar a luta de classes, abafada nos poemas homéricos com o predomínio absoluto dos aristocratas e seus nobres”.

Embora didático Teogonia tem fortes elementos morais, formalizada pelo perjúrio dos deuses. As divindades gregas são as responsáveis pela ‘justiça’, controlando os homens em seus excessos e até mesmos em suas paixões. Porém, o que Hesíodo procura denunciar é a sociedade que corrompe e uma religião que tão-somente resigna o ser humano. O poeta de Ascra é o porta-voz da classe camponesa. Em Os trabalhos e os dias, Hesíodo lamenta a sorte dos fracos e despossuídos, assinalando a única atitude que lhes convém: a submissão.

Não há como negar que Hesíodo foi o mais importante poeta grego depois de Homero, nem tanto pela grandiosidade de seus poemas ou pela dificuldade em romper com a linguagem epopéica, mas, sobretudo pela sua visão dos acontecimentos sociais da época. Para Werner Jaeger, “o seu pensamento estava profundamente enraizado no solo fecundo da existência campesina [o que] lhe outorgava uma personalidade e uma força próprias, [...] concedido pelas musas desvendar os valores próprios da vida do campo e acrescentá-los ao tesouro espiritual da nação inteira”.

A consideração acima fica mais evidente em Teogonia, quando Hesíodo analisa as divindades tendo como enfoque principal Mnemósine (memória), que representa a mãe das musas. Esta divindade tem uma função psicossocial das mais fecundas, já que para a civilização grega no período arcaico (séculos 8 a 6 a.C.) a escrita era reservada a poucos e a memória – lembrança do passado – denotava a própria divindade. Aí reside toda a riqueza épica deixada por Homero ás futuras gerações – e que influenciaria sobremaneira Hesíodo -, já que o aedo (uma espécie de repentista), por valer-se de sua memória, vai criar a literatura oral épica, culminando na épica escrita do aedo Homero. Hesíodo, desta maneira, trata a memória (Mnemósine) como elevada técnica poética, propondo que a divindade dá ao poeta o dom sobrenatural para a busca da verdade e, com isso, a captura do passado como substância do presente.

Assim como os profetas são inspirados pelos deuses, os poetas são inspirados pela Mnemósine. Poetas e adivinhos são agraciados pela clarividência. O poder de saber as coisas que é dado ao poeta, pela mãe das musas, é explicado por Hesíodo como um dom divinatório. Acredita-se que Hesíodo se utilizou dos mitos de povos semíticos para a construção poética de Teogonia. Independente da influência que estes povos tiveram na obra hesiódica vale ressaltar o aspecto sócio-cultural que o poeta acoberta com uma linguagem sempre dirigida aos deuses, mas que na realidade descortina a repressão dos grandes proprietários rurais.
Para Hesíodo, as idades heróicas do ouro, da prata e do bronze já passaram. Vive-se agora a ‘idade do ferro’, onde a vida é cruel e dura. Para Baldry, “a sua preocupação incide sobre a necessidade de pelo trabalho e pela poupança, o agricultor encher os seus celeiros e de uma manifestação de amargo descontentamento, quanto aos desonestos julgamentos dos reis locais”. Nesta direção, Hesíodo carrega em sua obra uma universalidade onírica profundamente enraizada no chamado inconsciente coletivo, remontando a figura arquetípica estudada por Jung. Muitos poetas contemporâneos bebem do arquétipo para a composição de suas obras, como é o caso do escritor latino-americano Ernesto Cardenal.

Hesíodo não criou uma linguagem poética nova. A epopéia lhe serviu muito bem ao seu espírito arrebatado e justo e, nem por isso deixou de ser compreendido pelas camadas sociais mais empobrecidas. Homero tinha a verve fluídica, porém sintonizada com os interesses aristocráticos. Entretanto, a intensidade poética de Homero e de Hesíodo se assemelhava. Hesíodo, por ter reservado grande parte de seus escritos às reflexões sobre a justiça, antecipará a poesia lírica de Sólon, que era um legislador reformista e que foi diretamente responsável pelos princípios democráticos na Grécia antiga. Por fim, o avanço estilístico alcançado por Hesíodo devido ao seu brilhante nível de abstração, inaugurou uma nova fase na poesia grega denominada “pós-épica”.


REFERÊNCIAS


BALDRY, H.C. A Grécia Antiga: cultura e vida. Lisboa: Ed. Verbo, 1968.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

SCHULLER, Donaldo. Literatura Grega. Porto Alegre: Ed. Mercado Aberto, 1985.



quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Ano Novo!

Desafios para o ano que se começa

Jéferson Dantas


O ano de 2007 começa com enormes desafios para o Brasil, principalmente no que se refere à geração de empregos e esforços concentrados do capital produtivo para o crescimento significativo do PIB. Também é o momento do entendimento político e não de bravatas levianas, que tem ceifado tantas vidas inocentes nos grandes centros urbanos devido à violência em larga escala. O Estado burguês nacional precisa se desvencilhar dos fisiologismos, caso contrário, serão quatro anos de políticas sociais compensatórias, de benesses às velhas raposas políticas e uma estagnação econômica sem precedentes. As retóricas palacianas precisam ganhar corpo estrutural e, para tanto, a reforma política é apenas um dos tantos temas de pauta do Congresso Nacional.

Mas, as mudanças políticas e as reformas sociais não são particularidades do Brasil, evidentemente. A execução do ditador Saddam Hussein à véspera do réveillon e a morte de milhares de iraquianos e militares estadunidenses é a maior demonstração de prepotência e arrogância do governo Bush. O arrivismo sem limites das grandes potências econômicas e a fragilidade da ONU para fazer frente ao ‘senhor da guerra’ George W. Bush permanece sendo um desafio mundial. Até quando o império estadunidense continuará fazendo intervenções sistemáticas no Oriente Médio ou em qualquer outro território do planeta? Até quando a Indústria bélica continuará engordando os bolsos daqueles que fazem da guerra seu grande negócio, incentivado, sobremaneira, pelo Estado?

Logo, construir um país ou um mundo melhor não depende apenas de governos representativos, mas da força e organização da sociedade civil, esta sim, potencializadora de grandes projetos sociais, fiscalizadora dos poderes executivo, legislativo e judiciário. A grandeza de uma nação se dá pela inteireza de homens e mulheres comprometidos(as) politicamente, conscientes de sua prática social. Já é chegado o momento de abominarmos a brutalidade do terrorismo de Estado e desnaturalizarmos a miséria social nos quatro cantos da Terra. Afinal, as contradições do mundo do capital são efetuadas por seres humanos e somente estes últimos podem realizar as transformações necessárias para que vivamos de forma solidária e, coletivamente, mais felizes. Bom 2007 para todos(as)!