quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Do projeto literário "Kiara e o Encontro dos Anjos" (2001)

O silêncio do meu pai

Dia chuvoso de carnaval. Na praia com uma dezena de pessoas entre mulheres e homens, buscava me fortalecer e me proteger da selvageria carnavalesca. Encontrei a mulher com o sorriso da permissividade. A praia deserta e sem iluminação elétrica, dava contornos mais saborosos ao ambiente breu.
Todos sorriam, cantavam e bebiam. Banhávamo-nos numa lagoa que nos conduzia ao oceano. Volúpias de mistério e descobertas! Todos os dias a aurora insistia em seu canto último. Teimava em nos sacudir. Preâmbulo das horas matutinas. Ronronávamos, acreditando que poderíamos ludibriar o tempo. Uma alma desesperada do meu lado fechava os olhos e, em tal clamor, lancinava-me sem piedade. A miséria era maior do que a devassidão humana!
Conversávamos, animadamente, sorvendo o amargo do chimarrão. Na brasa, o carreteiro estava quase pronto. Nuvens carregadas ameaçavam inundar nossas tendas plásticas. Dois viajores da América Central falavam da revolução no país de origem. Quando anoiteceu, chuva torrencial nos acuou. Tremíamos e sonhávamos apertados em lençóis de algodão. De um canto da tenda, grunhidos últimos dos retardatários da madrugada insone.
O carnaval se foi. Ainda havia a última canção. A última lamúria dos ventos feminis. Ao regressar para o meu casulo de degredos, já não era o mesmo. O pai me visitou. Algo raro. Fomos almoçar juntos. Conversava com ele num restaurante de aparência suspeita. Era Domingo. O pai acreditava que as novas gerações iriam mudar a ‘cara’ do canil brasilis. Olhar distante era aquele. Uma pressa de ir embora. Para onde? Entremeado pelos goles da cerveja quente, olhava para ele, para o seu silêncio interno.
Nota: Meu pai faria 62 anos hoje (18/01/06).

Queda de braço entre Andes e Mec ainda não terminou...



> Folha Dirigida, 17/01/2006 - Rio de Janeiro RJ

Técnicos e professores podem voltar a parar

Natália Strucchi

Ainda sem um acordo com o Ministério da Educação (MEC), o conjunto de técnico-administrativos das universidades federais pode retomar a greve iniciada no ano passado e que acabou após o governo se comprometer a atender parte das reivindicações da categoria. Após 48 dias de retorno às atividades normais nas instituições, com o novo calendário acadêmico em vigor, o coordenador-geral da Fasubra, sindicato nacional dos técnicos, João Paulo Ribeiro, garante que diante da falta de acordo com o MEC, outra greve pode ser a saída. "Diante de tanta intransigência, o jeito vai ser botar o bloco na rua. Ou seja, pode haver greve novamente", avisa.
Ribeiro conta que, no último dia 10, houve uma reunião com o ministério porém nada ficou acertado. "Tivemos ma reunião no dia 10 e o MEC se contradizia o tempo todo. Uma hora afirmava que era uma reunião de negociação, outra hora dizia que não", afirma. O dirigente explica que a verba prometida pelo MEC, durante as negociações da greve que durou mais de
100 dias, não vai mais ser repassada agora. "Durante a greve, o governo prometeu R$255 milhões em incentivo para capacitação e carreira. Agora não vai mais dar esse valor, alegando que não tínhamos fechado um acordo", reclama Ribeiro. Com a situação atual, o coordenador garante que a Fasubra continuará a lutar pelos seus direitos. "Estamos em uma situação crítica, ficamos mais uma vez na pior, com grande indignação. Vamos continuar forçando a barra, afinal ficou muito difícil. O governo jogou tudo para o segundo semestre".
Andes se revolta com paralisação do PL - O Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes) também não está nada satisfeito com a atitude do MEC após a greve. Segundo a presidente do Andes, Marina Barbosa, o ministério paralisou o Projeto de Lei (PL) que estava em andamento na Comissão de Educação e Cultura da Câmara e que previa um reajuste salarial de 8,45% para a categoria. "O MEC simplesmente paralisou o PL para fazer algumas correções. Eles nem sequer avisaram isso para o sindicato. Ficamos
sabendo através da internet", reclama Marina. De acordo com a dirigente, o ministério não cumpriu o prometido. "A greve terminou e nós continuamos na mesma. O ministério não fez nada e ainda pretende diminuir nosso salário. Vamos denunciar à sociedade e ao Congresso qual o verdadeiro caráter do MEC", avisa a presidente do Andes. O sindicato vai tentar conseguir uma audiência no ministério, construir um calendário de lutas para reivindicar direitos e debater a campanha salarial de 2006. "Em janeiro já deveríamos receber o que tinha sido combinado com o ministério e não deve acontecer. Está marcada para 12 de fevereiro nossa próxima reunião nacional, para decidirmos que decisão tomar", declara. Sobre outra possível greve, Marina afirma que os professores não pensaram na questão, mas vão acompanhar tudo o que está acontecendo para decidirem o que fazer. "Vamos realizar muitos debates para resolver esta questão. Queremos primeiro trabalhar no acompanhamento das coisas", conclui a presidente do Andes.
Secretário desmente acusações dos sindicatos
O secretário-executivo adjunto do MEC, Ronaldo Teixeira, declarou que ambas as situações citadas são inverídicas. "No que diz respeito aos professores, o projeto está no Congresso e estamos fazendo grande esforço para sua aprovação, que não terá contrariedade, aumento nunca tem contrariedade. Em relação aos técnicos, a implementação da segunda etapa está em curso através da formação de um grupo de trabalho e de comissões", afirma Teixeira. O secretário conta que, na reunião do último dia 10 com a Fasubra, os representantes discutiram o assunto. "Fizemos a reunião para tratar da instituição de grupos de trabalho para que possam realizar a implementação da segunda etapa do plano de carreira, que é uma conquista histórica dos técnicos-administrativos. Essas declarações da Fasubra me surpreendem parcialmente", garante.
Em relação às declarações da presidente do Andes, Teixeira diz que o encerramento da greve foi unilateral, diante da proposta feita pelo ministério. "Não foi, lamentavelmente, assinado um acordo. Na verdade, estamos implementando nossa proposta com a compreensão da maioria dos professores. O sindicato em si não assinou nada. Já o ProIfes, que é a outra Associação Nacional dos Professores, concordou conosco, mas também não assinou um acordo", explica.
Teixeira falou da proposta feita pelo MEC. "A nossa proposta contempla reivindicações históricas. Serão R$650 milhões este ano e R$770 milhões de impacto para o ano de 2007. Estamos convencidos que é uma proposta qualificada. Tanto é que os professores saíram da greve, mesmo que não houvesse acordo formal, e decidiram ser favoráveis à proposta". Quanto à retirada do PL do Congresso Nacional, o secretário novamente desmente a
versão apresentada. "O MEC não retirou o PL do Congresso Nacional, de forma alguma. Não só foi enviada a proposta ainda em dezembro, como a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, já se comprometeu junto ao ministro da Educação, Fernando Haddad, de solicitar urgência na votação", esclarece.
Segundo ele, o ministério está trabalhando na expectativa da volta dos trabalhos do Congresso para intimar a solução. "Se for votado agora ou em março, ainda sim o impacto é a partir de janeiro. Portanto é retroativo, não haverá nenhuma perda para os professores", explica. O dirigente reforça que a palavra dada pelo governo continua de pé. "A palavra empenhada pelo MEC, pelo ministro e pelo presidente continua de pé. Talvez todas as acusações tenham um viés político, de parte daqueles que tentaram manter a greve e não obtiveram sucesso", finaliza.

Em busca da identidade brasileira



Vivemos, atualmente, não só no Brasil, mas em diversas partes do mundo, falsos dilemas e falsos problemas. Quero dizer com isso, que temos nos meios de comunicação de massa, diversos experts em assuntos econômicos, políticos, sociais e culturais, que tentam compreender o país numa dimensão bastante empobrecida de suas reais potencialidades, de suas reais motivações diante de um mundo carcomido pelo sensacionalismo, pelo arrivismo e pela competitividade cada vez mais desenfreada. É como se o ‘quarto poder’ quisesse impingir valores/crenças sem qualquer mediação histórica, desqualificando falas divergentes e/ou grupos sociais que discordam desta mimese absurda da sociedade de consumo.
Todas as formas de violência que assistimos hoje via satélite (homens-bomba, chacinas, estelionatos, corrupção estrutural, etc. e etc.), são fenômenos históricos que não foram devidamente resolvidos em suas diversas etapas históricas. A ‘fórmula da violência’ talvez tenha mudado o tom, mas continua sendo violência! Tudo que a sociedade produz materialmente/imaterialmente ganhou uma marca de qualidade que precisa passar, rigorosamente, pelos padrões ditados pelo ‘deus-mercado’. E se este acordo for rompido ou questionado de maneira veemente, o aparato repressor do Estado age sem qualquer receio ou lamento.
As práticas autoritárias se fazem sentir nas arenas política, econômica, cultural e educacional, como se todos pertencessem à alguém ou à alguma coisa da qual desconhecem, mas não conseguem se desvencilhar. Penso que ainda somos vistos como uma sociedade exótica, uma nação (?) terceiro-mundista cercada de miséria, inventividade, alegria e, ao mesmo tempo, de ‘passionalidade lusitana’. Entender o Brasil é analisar, efetivamente, o nosso passado colonial, daí a dívida que nós historiadores/educadores temos com uma História Comparada entre Brasil e Portugal. Isto explicaria, em boa parte, os mandos e desmandos de um Estado caolho, que necessita urgentemente ressignificar suas práticas políticas e ganhar um mínimo de credibilidade dos trabalhadores deste país.

O embrutecimento na relação pedagógica


Estou convencido de que o principal diferencial na formação de um graduando são as relações pedagógicas estabelecidas durante a sua vivência acadêmica. Ao integrar o quadro do magistério do Departamento de Estudos Especializados em Educação, em caráter temporário, tive contato com turmas da licenciatura (Letras Alemão/ História), e todo o trabalho desenvolvido deu-se no intuito de valorizar as experiências sociais e, principalmente, problematizar o inventário dos tempos de escola – ensinos fundamental e médio – dos graduandos. De acordo com a fala de um estudante de História, a disciplina que ministrei – Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1o. e 2o. graus – possibilitou a todos os seus colegas “expor em primeira pessoa” as angústias/dilemas da profissão. Na realidade, os encontros se transformaram em verdadeiros depoimentos dos tempos de escola, mediados pela legislação educacional vigente e referencial bibliográfico que tratava diretamente da função da escola pública e a valorização social do magistério.
Além dos debates acalorados, análises de casos e júris simulados, realizamos algumas dinâmicas de grupo, enfatizando a importância do carinho e do afeto. Foram momentos bastante marcantes, a ponto de alguns estudantes confessarem em grande grupo que depois dessa Disciplina, cresceu o desejo de serem professores da rede pública.
Mas, qual é a novidade deste relato aparentemente tão banal? Na verdade, algo bem simples. Há um elevado contingente de educadores espalhados pelos diversos centros da UFSC que têm desprezado as experiências de vida dos seus educandos, agindo de maneira fria e distante, menosprezando a própria razão de ser do processo ensino-aprendizagem: a(s) troca(s) pedagógica(s).
Compreender este fenômeno no âmbito do universo acadêmico parece-me essencial, já que a coisificação nos relacionamentos humanos tem ganhado uma dimensão perigosa, levando muitos graduandos à desistência de seus respectivos cursos. Aponto, pois, a necessidade de que nós, educadores, formemos homens e mulheres melhores, sempre preocupados com o restauro emocional efetivo desta nova geração de profissionais. Do contrário, estaremos reproduzindo a competitividade desenfreada, a meritocracia e a estratégia da desqualificação do outro, tão típicas da sociedade capitalista. Temos acima de tudo um compromisso ético com os nossos educandos e isto significa evitar o embate cada vez mais dilacerante entre Eros e Tânatos.

Para não esquecermos...


Ecos da Ditadura Militar em Florianópolis

04/07/2005

(após um relato de um estudante universitário: preso, desnudado e torturado psicologicamente).


Os últimos acontecimentos em Florianópolis têm nos revelado os limites da democracia representativa e, fundamentalmente, o desrespeito às liberdades individuais, o que é anticonstitucional. Evidente que me refiro ao movimento estudantil (ME) que tomou as ruas da capital catarinense, exigindo a diminuição das tarifas dos coletivos urbanos, algo que o atual prefeito havia se comprometido durante o pleito municipal. Na primeira manifestação de peso que o Sr. Dario Elias Berger enfrentou, não titubeou: acionou o aparato repressor para defender com unhas e dentes o capital/patrimônio privado.
Os jovens só são importantes, hodiernamente, quando se tornam consumidores de bugigangas eletrônicas ou quando vendem sua força de trabalho por míseros tostões. A potencialidade vital, o Eros criador da juventude, foi praticamente absorvido pelos instrumentos midiáticos, que os idiotiza de maneira implacável. Porém, quando a categoria “juventude” tenta se impor politicamente e ideologicamente é completamente desqualificada pelas mídias de massa, com termos no mínimo grotescos: baderneiros, vândalos, vagabundos, maconheiros, etc. Sim. A mesma juventude que consome e produz, não pode se rebelar. A rebeldia tem de ser silenciada para garantir o “direito de ir e vir” do cidadão pacato, honesto, resignado e respeitador da ordem. Estes termos lembram em muito o discurso dos parlamentares catarinenses em relação à população de Florianópolis, quando da visita do general-presidente João Baptista Figueiredo à capital em novembro de 1979. Os ecos da repressão militar, 20 anos depois, impõem-se de forma preocupante. O prefeito-empresário tem internalizado muito bem estas práticas arbitrárias.
O ME deve se orgulhar deste momento histórico, até porque estamos num processo de paralisia intelectual/política jamais vista neste país. Não serão as tropas de choque, as balas de borracha e os cães excitados que vão conseguir destruir aquilo que é intrínseco à juventude; a capacidade de sonhar e transformar a realidade existente! Precisamos estar atentos aos abusos do aparato repressor do Estado, pois isto pode se configurar como algo naturalizado na sociedade; em outras palavras, uma Ditadura Civil!