quarta-feira, 28 de março de 2007

O Mito de Procusto


Jéferson Dantas


A visão politicamente correta ou os ajustamentos teóricos compatíveis com explicações abrangentes ou instrumentais têm reduzido a capacidade do sujeito coletivo em problematizar questões naturalizadas, socialmente. Na mitologia grega, Procusto convidava incautos para passar a noite em sua casa e repousar em sua cama de ferro; porém, caso o(a) visitante não tivesse as medições adequadas para cama, o(a) mesmo(a) era esticado(a) ou tinha suas pernas serradas. O mesmo tem ocorrido com o poder de discernimento dos seres humanos. Quando temos nossa capacidade reflexiva decepada ou achatada, reproduzindo dados descontextualizados, não conseguimos exercer efetivamente o nosso ‘ livre pensar’.

Nesta direção, quantas potencialidades humanas já foram jogadas no ralo? Quantos homens e mulheres rotulados como irrecuperáveis ou desajustados sociais tiveram suas existências ceifadas pela exclusão virulenta? Quando não expressamos nossos sentimentos ou quando não conseguimos argumentar qualquer situação que nos afeta, tornamo-nos servos obedientes da ‘lógica do capital’, representada no consumo desenfreado e frenético. A participação dos indivíduos na sociedade se reduz ao quanto ele pode adquirir e não o quanto ele é essencial na construção das políticas públicas.

A estupidez humana, a ignorância sistemática e um profundo mal-estar que nos abala neste início de milênio, apenas confirma que o ‘presentismo’, o ‘aqui e agora’, seqüestraram nossas identidades coletivas sem nenhum ressentimento. Enquadrar-se na lógica do capital é aceitar que nenhuma outra construção social é possível. Que podemos continuar despejando toneladas de lixo tóxico nos mares e rios do planeta, porque estamos certos da impunidade. Não quero que estiquem ou amputem as minhas pernas. Quero poder me movimentar livremente pela turba e ter autonomia para pensar diferente. É pedir demais?


sexta-feira, 16 de março de 2007

A criança e a educação ambiental



Por Jéferson Dantas


O referencial curricular nacional para a Educação Infantil elaborado pelo Ministério da Educação em 1998 traz inúmeras orientações didáticas para os(as) educadores(as) que lidam com crianças na faixa etária entre 0 e 6 anos. Recentemente, foi aprovada uma nova Lei que determina que as crianças passem a cursar a 1ª. Série do Ensino Fundamental aos seis anos de idade, o que tem reconfigurado a própria estrutura da educação infantil em todo o país. Em linhas gerais, o referencial curricular propõe uma série de atividades de investigação, socialização e de manifestações lúdicas que as instituições de educação infantil precisam oferecer para as crianças, alicerçado sempre nos contextos sociais onde as mesmas vivem. Apesar do seu alto teor propositivo, o referencial curricular traz importantes indicações metodológicas aos profissionais da educação infantil, principalmente no que concerne às interfaces entre o ‘mundo da criança’, a sociedade e a natureza.



Embora tenha se transformado num lema surrado, afirmar que as crianças representam o futuro da humanidade nos dias de hoje, torna-se cada vez mais relevante, essencial. A consciência ambiental que as gerações anteriores não tiveram e que tem ocasionado uma série de desastres ecológicos no mundo inteiro chegou a um patamar intolerável. Mais de um bilhão de pessoas no mundo já não têm acesso à água potável. O desmatamento indiscriminado passa ao largo da inoperância das autoridades públicas. Alertas de organizações não-governamentais como o Greenpeace há muito apontam o desaparecimento de várias espécies marinhas e terrestres. Neste ritmo, o ser humano será o próximo a entrar em extinção. Mas, antes, sofrerá os efeitos lancinantes dos verões intermináveis, da falta de água e comida, da ausência de coleta de lixo tóxico e do tratamento inadequado dos dejetos que escorrem pelos canais de esgoto, poluindo rios e mares. Não é uma visão apocalíptica. É o resultado do desrespeito que temos com a preservação de nossa própria espécie.



As crianças são muito afeitas às questões que envolvem a destruição da natureza. Entretanto, muitas delas vivem em contextos sociais onde a coleta do lixo, água encanada e o tratamento do esgoto ainda é um sonho. Por outro lado, as instituições de educação infantil em Santa Catarina e no Brasil como um todo não consegue atender a demanda desse público escolar e, em variados casos ou situações peculiares, creches e centros de educação infantil se transformam em verdadeiros depósitos de crianças, perdendo o seu valor educativo/formacional. Repensar o modelo de educação infantil no Brasil e, consequentemente, valorizar e formar profissionais capacitados para esse nível de formação, além de imprescindível e urgente, seria uma conquista formidável para um país com milhares de crianças fora da escola.


A violência na escola




Por Jéferson Dantas


A violência na escola quando ganha as páginas dos periódicos tem, em linhas gerais, apenas uma face: ora expõe os educadores como autoritários e punitivos, ora expõe os estudantes como verdadeiros criminosos ou delinqüentes. Quando não se procura compreender a violência estrutural, marcada sobremaneira pelo modelo econômico adotado no mundo, não é possível analisar a contento a cultura escolar e, principalmente, os mecanismos de exclusão, humilhação e enfrentamento no universo educativo. Tanto educadores como estudantes estão em contextos de violência física ou simbólica. Afinal, péssimas condições de trabalho, cargas horárias desumanas, salários aviltantes não é uma violência? Além disso, há de se acrescentar que a organização escolar calcada nos moldes tradicionais, baseada em avaliações certificativas e no monismo pedagógico, dificilmente consegue atrair a atenção do público escolar, principalmente àquele que necessita de mais atenção e de práticas pedagógicas diferenciadas no processo de alfabetização e internalização do conhecimento.

Recentemente, a UNESCO produziu um relatório sobre a educação na América Latina afirmando que a escola ‘produz violência’. Não há aí uma inversão dos termos? Será que a escola representa um mundo social à parte? Ela não sofre os efeitos da desigualdade social, do desemprego, da fome? Os sistemas de ensino não fazem qualquer interferência na autonomia pedagógica das escolas? Ora, os educadores são seres de carne e osso e muitas vezes encontram-se no seu limite físico e psíquico; da mesma maneira, os estudantes são provenientes de diferentes contextos sociais e não podem ser avaliados e formados homogeneamente. Evidente que a escola pode reforçar a violência estrutural através de seus aparatos normativos, logo, é necessário repensar seu currículo, como o conhecimento está organizado, partilhar diferentes práticas pedagógicas com os pais, educadores e estudantes e reavaliar o que está proposto no projeto político-pedagógico de cada unidade de ensino. Quando educadores, pais e estudantes sentem-se pertencentes à escola, a violência diminui sensivelmente.

Nessa direção, é bastante preocupante tratar a violência escolar como simplesmente um caso de polícia. Mas, se tivermos a sensatez de compreender a violência como um fenômeno histórico e que as escolas também são construções sócio-históricas, sofrendo os dilemas e/ou desafios de seu tempo, teremos condições de avaliar este lugar social a partir de um outro enfoque. Determinismos históricos, afirmações categóricas e irresponsáveis ou a mera desqualificação dos educadores, estes sim são fomentadores de violência.

terça-feira, 6 de março de 2007

A formação dos educadores


A importância da travessia na formação dos educadores

Por Jéferson Dantas


A formação de futuros educadores é um dos principais desafios em Santa Catarina e no Brasil como um todo. As demandas do mundo contemporâneo exigem dos (as) educadores (as) mais do que uma formação instrumental, razão pelas quais milhares de estudantes da Educação Básica encontram-se cada vez mais despolitizados e alheios ao modelo econômico vigente. As lacunas da formação inicial nas universidades não são os únicos entraves, já que as próprias instituições educacionais necessitam repensar os seus currículos e o processo de democratização de suas instâncias de deliberação coletiva (Associação de Pais e Professores, Grêmios estudantis e Conselhos Deliberativos).


Para o educador estadunidense Henry A. Giroux a racionalidade instrumental na formação inicial tem ‘treinado’ os educadores para obedecerem a pacotes curriculares oficiais das quais não opinaram ou não construíram coletivamente. Embora esta seja uma realidade dos Estados Unidos, no Brasil as políticas públicas educacionais têm seguido esta mesma corrente há alguns anos. A lógica institucional neo-tecnicista é preocupante, já que desvaloriza ou desqualifica a função social mediadora do (a) educador (a), tornando-o um mero repassador de conteúdos disciplinares descontextualizados. A politização dos (as) educadores (as) ao perder seu lugar para a mera instrução, empobrece o caráter epistemológico das diferentes áreas do conhecimento, sedimentando práticas pedagógicas desideologizadas e sensíveis à escamoteação do que efetivamente precisaria ser ensinado nos bancos escolares.


A travessia dos (as) educadores (as) em sua formação inicial/continuada é bastante árdua, tendo em vista as precárias condições de trabalho e uma carga horária muitas vezes desumana na Educação Básica. Um (a) educador (a) que lê pouco, que não freqüenta espaços culturais diferenciados e não reivindica sua autoria na construção de seu projeto existencial, dificilmente superará sua condição de subalternidade. A luta permanente da classe docente na valorização de seu ofício é o caminho possível para a mudança desse panorama. Caso contrário, continuar-se-á formando crianças e jovens menos solidários (as), insensíveis à violência estrutural e indiferentes à banalização da sociedade de consumo, cada dia mais individualizada e a mercê da manipulação da indústria cultural.