quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O QUE É MESMO UM SINDICATO?

A seção sindical do ANDES na Universidade Federal de Santa Catarina tem se pautado pela efetiva luta em prol dos trabalhadores e trabalhadoras do Ensino Superior. Em nível nacional, o ANDES-SN (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior/Sindicato Nacional) e suas respectivas seções sindicais, tiveram participação inequívoca nas negociações com o governo federal na recente greve que atingiu mais de 40 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). A APUFSC-Sindical, por seu turno, tem se configurado no âmbito da UFSC como uma entidade anódina no que se refere à defesa dos direitos dos professores. Sequer conseguiu realizar uma única assembleia para discutir os rumos da greve, numa evidente manobra política desmobilizadora.

No que tange à pretensa ilegalidade da seção sindical do ANDES na COMELUFSC (Comissão Eleitoral da UFSC), a APUFSC-Sindical se mostrou desde o início, avessa à comissão, inclusive acionando a justiça contra o Conselho Universitário (CUn). Logo, a consulta sobre o processo eleitoral para a Reitoria na UFSC se deu na instância máxima de deliberação da universidade, ou seja, o CUn, prevalecendo a manutenção da consulta paritária entre os três segmentos (docentes, servidores técnicos administrativos e estudantes). Muito diferente do que a APUFSC-Sindical defende, ou seja, 70% de peso eleitoral para os docentes e os demais 30% divididos entre técnicos e estudantes. A COMELUFSC, nesta direção, respaldada por princípios e resoluções contidas em edital próprio, seguiu a orientação da paridade. Ao realizar uma ‘consulta paralela’ (apenas com docentes) e sem qualquer validade, a APUFSC-Sindical procurou desestabilizar uma discussão que diz respeito a toda a comunidade universitária.

Um sindicato, em seu sentido pleno, precisa estar atento às reivindicações de sua categoria e não se comportar como uma entidade ‘beneficente’ ou um ‘clube social’. As demandas e os desafios que as IFES enfrentam e enfrentarão nos próximos anos exigem compreensões mais sólidas e estruturadas, consolidadas em assembleias democráticas e encaminhamentos coletivos. Ao se confundir a real função sindical com interesses privados, torna-se inócua qualquer bravata beligerante.



domingo, 11 de outubro de 2015

INJUSTIÇAS E DESIGUALDADES NO MUNDO DO TRABALHO

   O sociólogo francês François Dubet (1946-), na obra Injustiças: a experiência das desigualdades no trabalho traça uma importante análise investigativa sobre a percepção dos/as trabalhadores/as dos mais diferentes ofícios, sobretudo na França, no que concerne a três princípios de justiça considerados fundamentais no mundo do trabalho: 1) igualdade; 2) mérito e 3) autonomia. Para Dubet, a “injustiça se beneficia de uma espécie de primazia existencial que se remete a justificativas, argumentações, generalizações, das quais emergem princípios de justiça, que criam ou sustentam os sentimentos de injustiças”. Enfatiza ainda o sociólogo da educação de que a massificação escolar não foi capaz de reduzir as desigualdades sociais ou econômicas, num cenário de desvalorização e simplificação dos diplomas escolares, realidade que não se restringe ao país europeu.
    As desigualdades no mundo do trabalho seriam cada vez mais múltiplas a ponto de se considerar que há determinadas ‘desigualdades justas’, por mais contradições que isto possa expressar. Logo, considerando os três princípios de justiça acima assinalados, Dubet considera que a igualdade no mundo do trabalho passa por complexos níveis hierárquicos, que servem como mecanismos de contenção das diferentes classes a uma possível ascensão na carreira profissional. Tal hierarquização nos diferentes ofícios é simbólica e ‘aristocrática’, porque segundo a perspectiva dos próprios trabalhadores a “divisão do trabalho muda precisamente o grau de dignidade das atividades: no topo a ciência e a técnica, na base o sofrimento”. Além disso, e nada mais atual, os processos migratórios recorrentes nas fronteiras europeias também têm elevado as disputas por postos de trabalho, já que os trabalhadores precarizados da África Central, especialmente, submeter-se-iam a condições mais degradantes do que os trabalhadores nativos.
   As mulheres também se ressentem por serem mais mal pagas e terem menos acesso aos postos de responsabilidade e, por conta disso, mais expostas ao desemprego e à precarização. O sotaque ou os estereótipos associados às diferentes raças também são elementos de discriminação e de desigualdades no mundo do trabalho.
   No que concerne ao mérito, Dubet demonstra que em âmbito escolar o mesmo não é distribuído de maneira aleatória e que, frequentemente, trata-se apenas da transformação de determinações sociais em talentos pessoais. A escola, nesta direção, continua sendo “a grande máquina de distribuição das desigualdades legítimas”. Na percepção dos trabalhadores, o mérito não é somente impedido pela “influência dos estatutos e posições adquiridas”, mas ela se confronta diretamente com as relações de trabalho e o poder dos chefes, que “distinguem indivíduos partilhando a priori posições e tarefas idênticas”.
    Já o princípio da autonomia seria a satisfação subjetiva e social da liberdade do trabalhador, compensada pela criatividade em seu ambiente de trabalho. Em síntese, Dubet distingue que se a “igualdade é um postulado ontológico, o mérito uma regra aristocrática, a autonomia é de natureza ética, ela não repousa nem sobre um postulado relativo à natureza humana, nem sobre um cálculo das utilidades, mas sobre uma relação de si para consigo”. A autonomia expressa, assim, um princípio de engajamento do sujeito em seu ofício, que caso seja negado, fere a autonomia e a dignidade do trabalhador, levando-o ao adoecimento crônico.
   A ampla e densa pesquisa de François Dubet, da qual extraímos apenas a primeira parte, revela ainda nas narrativas dos trabalhadores uma frágil compreensão da importância da luta de classes, ainda que os sentimentos controversos de injustiça sejam percebidos por quase todos os trabalhadores entrevistados. Isto pode denotar que vivenciamos um consenso preocupante assentado na ‘adaptação social’ num mundo perversamente ‘desigual’. Uma alternativa à lógica do capital, aparentemente, torna-se mais restrita e quimérica, diante dos avanços preocupantes da xenofobia em todos os setores da sociedade. Nunca a classe trabalhadora foi tão protagonista e tão exacerbadamente explorada como nos dias atuais, ou nas palavras de Dubet, ainda que os trabalhadores disponham livremente de sua força de trabalho (do qual são proprietários) numa sociedade democrática liberal, as desigualdades de suas posições na divisão do trabalho se determinam por ‘habilidades’ e ‘competências’ cada vez mais difusas.

PARA SABER MAIS:

DUBET, François et. al. Injustiças: a experiência das desigualdades no trabalho. Traduzido por Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: EDUFSC, 2014.



PMDB: O 'MALINO BASTANTÃO'

O PMDB, de aliado formal da presidenta Dilma Rousseff, tornou-se o principal eixo de contraposição ao governo, encampando sem peias o pedido de impeachment do Executivo, denotando evidente intento golpista. Para estear a sobrevivência do governo petista, exigiu cargos e maior poder/participação política por meio de ministérios e secretarias, algo bastante conhecido na cultura política brasileira e também da América Latina (patrimonialismo).
Segundo a pesquisadora e urbanista, Erminia Maricato, a desigualdade social combinada com a dominação externa por mais de cinco séculos na América Latina fortaleceram, sobremaneira, as elites internas dominantes, de agudo acento patrimonialista, que se destaca pelas seguintes características: 1) a relação de favor ou de troca é central no exercício do poder; 2) a esfera pública é tratada como coisa privada e pessoal; 3) existe correspondência entre detenção de patrimônio e poder político e econômico. Além disso, clientelismo e oligarquia são conceitos intimamente relacionados ao patrimonialismo. Em tal contexto e por meio de tais dinâmicas fisiológicas, a corrupção se torna um subproduto do exercício de empoderamento, mantendo igualmente no sistema político do Legislativo e do Judiciário características de atraso e de ‘pré-modernidade’. Em síntese, a aplicação da lei segue caminhos tortuosos quando se trata de contrariar interesses dominantes, tendo em vista que os julgamentos não ignoram relações pessoais ou de compadrio.
O PMDB – que não lembra nem remotamente o MDB histórico – como força política de um país marcado pela estrutura de poder relatada acima, assim como os demais partidos (neo)liberais e ditos de oposição, habituaram-se a conviver com a interferência do Banco Central na vida dos brasileiros que, via de regra, não prestam contas à população. Sob a ótica da agenda neoliberal, os Bancos Centrais possuem autonomia em relação a governos ou a qualquer instituição. O ‘risco país’, por exemplo, propagandeado como um indicador de prestígio no mundo da economia tem mais importância do que a distribuição de renda. Mas, como nos alerta Maricato, quem define o ‘risco-país’? Quais são os critérios para a sua formulação?
O conjunto de interesses políticos, agora despontado de maneira mais sistemática pelo ‘toma lá, da cá’ peemedebista, faz com que esta agremiação partidária se constitua, atualmente, e de forma desvirtuada, a baliza central nas relações de poder. O PMDB assemelha-se ao ‘malino bastantão’ (conforme linguajar dos nativos da Ilha de Santa Catarina), ou seja: perniciosamente, por onde passa ‘só deixa a baga’!



CRÍTICA DOS LIVROS SUSPENSO E ALHEIO & ÉGAB

No dia 9 de outubro de 2015 foi relançada a obra "Suspenso e Alheio [ou as minhas reticências sinceras] e a obra "Égab", na Biblioteca comunitária "Barca dos Livros". O escritor Paulino Júnior fez uma crítica das obras no Jornal Notícias do Dia, que pode ser acessada por meio do link http://ndonline.com.br/florianopolis/plural/286735-critica-historiador-mostra-ritmo-e-vigor-em-obra-literaria-com-lancamento-na-sexta-na-capital.html

As ilustrações das obras ficaram ao encargo da artista plástica, Hatsi Rio Apa.


domingo, 12 de julho de 2015

SOBRE O ASSÉDIO IDEOLÓGICO




Como enquadrar no âmbito das escolas públicas, especialmente, os professores que defendem determinadas posturas políticas e ideológicas e, assim, condená-los como criminosos? Afinal, as escolas ou todos os territórios educativos de maneira geral não são espaços de embates entre diferentes concepções de mundo e de sociedade? Cercear a liberdade de pensamento não é uma forma grotesca e retrógrada de limitar os processos formativos na Educação Básica, desvirtuando a franca expressão num mundo diverso e pontuado por disputas hegemônicas?

Pois bem, o deputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN), por meio do Projeto de Lei 1411/2015, acredita que é possível combater toda forma de doutrinação ideológica nas escolas (leia-se educadores comprometidos com um ideário de mundo diferente dos neoliberais). Causa espécie o aumento de grupos vinculados ao meio empresarial, incluindo as escolas privadas, que querem retirar dos currículos escolares os pensadores marxistas. Não por acaso, o educador José Paulo Netto afirma com propriedade que a teoria social de Marx, por vincular-se a um projeto revolucionário, fez com que milhares de homens e mulheres no século 20, cientistas sociais ou não, fossem perseguidos, presos, torturados, desterrados e até mesmo assassinados por serem marxistas. Nenhum adepto de Weber ou Durkheim, contemporâneos de Marx, teve, em contrapartida, seus direitos políticos violados.

Tais referências ideopolíticas anteriormente citadas dão bem a medida do que representa este PL num contexto histórico marcado pelo discurso do ódio, pela intolerância e por todas as formas de ataques sistemáticos aos que não se ‘enquadram’ numa lógica sexista, homofóbica, racista e fanática. É necessário ler nas entrelinhas o que representa este PL, pois sua formulação sim é ideológica e doutrinária, pois procura repulsar as falas discordantes, estabelecendo critérios formativos isentos de uma formulação societária, como se isso fosse possível numa instituição de ensino pública.

Logo, as principais pautas no Congresso Nacional estão sendo discutidas por frações de classe vinculadas a um triste e permanente passado histórico, assentado no clientelismo, patrimonialismo e troca de favores. Há um recuo nefasto da teoria e da política, que respinga, sobretudo, nas comissões de educação do Senado e da Câmara dos Deputados, tendo à testa uma linha de frente conservadora sem precedentes!



quinta-feira, 16 de abril de 2015

GALEANO ETERNO!



   As palavras de Eduardo Hughes Galeano (1940-2015) continuarão ecoando em todos os cantos da América Latina. O escritor e jornalista uruguaio, falecido no dia 13 de abril, foi um dos mais notáveis cronistas de nosso tempo. Sem abrir mão da contundência, deixou-nos um dos maiores clássicos sobre a violência colonial no continente americano: As veias abertas da América Latina. Esta obra foi lançada em 1971, período em que ditaduras militares grassavam pela América do Sul, deixando suas deletérias marcas de sangue, torturas, prisões arbitrárias e a infeliz certeza de que determinadas permanências históricas, por meio do imperialismo estadunidense, impunham-nos formas diversas e perversas de colonização.

    Na década de 1980, a trilogia Memórias do fogo, arrebatava-nos pelo poder de síntese e pela maneira como os diálogos históricos se entrecruzavam em diferentes épocas, sem perder o caráter de totalidade. Afinal, Galeano, como notório esgrimista das palavras, sabia como ninguém expressar a crueza das atrocidades humanas, mas igualmente a generosidade do gênero humano, com exemplar e preciosa habilidade poética. Aficionado por futebol, não se cansava de vangloriar a celeste uruguaia, que lhe deu imensa alegria na copa do mundo de 2010.

   Galeano foi inspirador para as minhas escolhas profissionais. Queria ser jornalista, mas me tornei historiador. Intencionava traçar novos horizontes no ensino da História para os estudantes da Educação Básica, acalcanhado em narrativas que posicionassem os povos latino-americanos como protagonistas de suas trajetórias e donos de suas memórias. Eduardo Galeano nos ensinou isso durante mais de cinco décadas: o respeito às nossas culturas ancestrais e a todos os trabalhadores que esmigalharam suas vidas em troca da exploração incessante e sistemática de suas forças de trabalho.

   A impressão que fica é de que Galeano não partiu. Nunca partirá. Está em algum lugar de Montevidéu observando a turba da ciudad vieja, imaginando novas histórias e influenciando novas gerações. Escritores da linhagem de Galeano são cada vez mais raros, porque sempre atuaram na contracorrente. A coerência da militância jornalística e o compromisso com os excluídos eram suas principais ferramentas analíticas. O Uruguai perde um grande escritor, reconhecido internacionalmente. Mas, sobretudo, a América Latina perde um ser humano que diante da aridez da existência era capaz de adocicá-la com as palavras ingênuas de um infante que pela primeira vez enxergou o mar. Galeano, és imortal!






segunda-feira, 23 de março de 2015

A QUEM INTERESSA DESQUALIFICAR O MAGISTÉRIO?




A desqualificação social do magistério é notória e, infelizmente, tem marcas históricas em nosso país. Em Santa Catarina o magistério na Educação Básica é representado de forma significativa pelas mulheres que, embora enfrentem condições de trabalho aviltantes e planos de carreira mais aviltantes ainda, são responsáveis diretamente pela formação de crianças e jovens em diferentes etapas de aprendizagem. O que seria da escola e da educação sem as mulheres? Qual será o futuro das Licenciaturas em tal contexto, tendo em vista o crescente esvaziamento dos conteúdos escolares e da pouca procura dos/as jovens para atuarem na Educação Básica? Por que o magistério é um dos poucos exercícios profissionais em que jornalistas, economistas, etc., acreditam poder se intrometer, ainda que não tenham qualquer conhecimento de causa sobre os desafios da organização do trabalho pedagógico e sobre as principais linhas teóricas e metodológicas da Educação?
Talvez nos encontremos muito próximos de um ensino apostilado em larga escala, em que a atuação do professor será cada vez mais pragmática e pouco propositiva. As consequências de uma escolarização aligeirada ou ‘por demanda’, atinge via de regra os filhos da classe trabalhadora, que terão uma diplomação simplificada para trabalhos supersimplificados. Tal lógica perversa, e que perpetua todas as desigualdades escolares possíveis, espraia-se em nível mundial, o que não é só preocupante como aterrador.
Ao se desqualificar o trabalho de um professor, de uma professora, desqualifica-se a formação de crianças e jovens que participarão da vida pública. O processo civilizatório assumido pela escola submerge-se em meio à falta de intencionalidade pedagógica e política, o que em outras palavras significa uma formação precária ou insuficiente. Se os professores forem reduzidos a meros instrutores pelas políticas públicas em vigor, teremos uma nação de analfabetos políticos, desconhecedores de sua própria história. Não por acaso, isto tem se revelado em nosso país por meio de divisionismos e maniqueísmos empobrecedores. Há um recuo da teoria, professores mal formados e inconsistência nas práticas pedagógicas em todos os níveis de ensino. Culpabilizar os professores e remetê-los à desqualificação é uma atitude cômoda por parte do Estado e, especialmente, por determinados matizes político-partidários. Faz-se urgente a qualificação da Educação Básica e o aprofundamento dos conhecimentos produzidos pela humanidade, caso contrário, caminharemos definitivamente para a barbárie!




CERCO À IGNORÂNCIA HISTÓRICA



   Há um Brasil profundo que foi tematizado por diversos pesquisadores ou intérpretes de nosso país, destacando-se Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Raymundo Faoro, Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre, ainda que pese sobre tais tendências analíticas controvérsias e toda sorte de contradições teórico-metodológicas. Este Brasil profundo exige um debruçar-se sobre o processo colonizatório e as diversas contendas aí brotadas entre os povos originários, afrodescendentes e europeus que aqui se enraizaram e formaram esta nação tão complexa e também tão desigual.
   As manifestações recentes no Brasil são reflexos imediatos de uma crise ética, moral e civilizatória, onde o que impera é a desistoricização, o presentismo pragmático, preconceitos de classe e de gênero e uma pauta reivindicatória difusa, autoritária e longe de ser propositiva. Ao não se radicalizar, ou seja, ir à raiz das questões estruturais deste país, comete-se em nome da moralidade, propriedade e bons costumes um ideário proto-fascista de contornos ainda não totalmente claros. Evidencia-se, pois, que todos os esforços analíticos de uma geração de pensadores das mais diferentes áreas do conhecimento estão sendo totalmente desqualificados em nome de uma doutrinação militarizada e saudosista, a ponto de se vilipendiar educadores da estirpe de Paulo Freire (1921-1997).
   Entre o Brasil profundo e o Brasil epidérmico há inúmeros embates a serem travados agora e futuramente. Há um divisionismo de classe instaurado e isto exigirá dos movimentos sociais formas organizativas não reformistas, pois isto não aplaca as gritantes diferenças sociais e econômicas. Em nível mundial, 1% da população mundial detêm 50% do PIB do planeta; enquanto no Brasil, os 50% mais pobres detêm apenas 2% da riqueza produzida; já os 0,20% dos milionários brasileiros detêm mais de 40% de nossa riqueza. Ainda assim, as grandes fortunas não são e, pelo visto, nunca serão taxadas.
   A denominada ‘classe média’ que foi às ruas pedir o impeachment da presidente da República, aliançada e sintonizada ideologicamente com as elites econômicas, desconhece olimpicamente um dos ensinamentos de Paulo Freire, ou seja, de que o oprimido nunca deixará de ser oprimido quando continuar pensando com a cabeça do opressor. Por fim, é bom destacar que o Brasil atravessa hoje tal crise civilizatória, justamente, por não ter priorizado uma educação formal efetivamente qualificada a todos, promovendo sérias e epidêmicas desigualdades escolares que se traduzem na simplificação do conhecimento político e do que isto possa significar para as transformações de nossa sociedade.





quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015


DUALISMO EDUCACIONAL E O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

Jéferson Dantas[1]

   Tratar sobre o currículo escolar na perspectiva da educação integral exige de nós, professores e pesquisadores, uma profunda análise histórica, tendo em vista que a dualidade educacional que até hoje permanece em nosso país, é fruto de uma imensa e intensa desigualdade social. O Estado Liberal brasileiro, ainda que garanta constitucionalmente em seu artigo 205 que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, oculta em sua formalidade uma realidade concreta repleta de contradições, exclusões ou inclusões excludentes.
   O longo descaso com a educação pública no Brasil atravessou toda a República Velha (1889-1930) e foi somente na década de 1930, durante a Era Vargas, que o denominado ensino primário passou a ser parcialmente garantido pelo Estado. No início da ditadura varguista em 1937, a nova Constituição do Estado Novo criou um duplo dualismo, isto é, uma escola pública para os filhos da classe média que não conseguiam entrar numa escola privada e uma escola pública voltada para as classes sociais menos favorecidas, abreviadas numa educação primária-profissional.
   Com a redemocratização do Brasil em 1946 e a promulgação de nossa primeira LDB em 1961, a exclusão social apenas se agudizou, pois o nosso parque escolar não acompanhava a crescente massa de trabalhadores nos centros urbanos, exigindo maior número de instituições de ensino e a preparação adequada de professores. O golpe civil-militar em 1964 sepultou de vez qualquer possibilidade de uma reestruturação educacional efetivamente equânime e includente.
   Após novo processo de transição democrática a partir da década de 1980 e uma nova Constituição em 1988, o Brasil se deparou com os efeitos adversos de um enorme contingente populacional de analfabetos, por não ter realizado ou priorizado o enfrentamento histórico da desigualdade social, da concentração de renda e da permanência do dualismo educativo.
   Na década de 1990 houve a formulação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada e promulgada em dezembro de 1996 (LDBEN 9.394/1996), fruto de um embate entre o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e o lobby dos empresários da educação. No que tange, especificamente, ao campo curricular da Educação Básica, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), formulados no final do primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, tornaram-se, em grande medida, elaborações conceituais alheias ao que se discutia nas escolas e nos sistemas municipais e estaduais de educação (já que tais sistemas também possuíam suas próprias propostas curriculares). Além disso, havia claros desencontros entre os PCNs e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) no que dizia respeito à perspectiva formativa docente.
   Assim, ao abordarmos o tema do currículo na perspectiva da educação integral temos de compreender, também, que não é suficiente que estudantes, sobretudo, fiquem mais tempo na escola sem uma proposição política e pedagógica que não ultrapasse os rudimentos da leitura e da escrita. Não é possível ambicionar mudanças curriculares sem alterar as condições de trabalho de professores e professoras, que ainda necessitam dedicar-se a mais de uma escola por jornada de trabalho, configurando um quadro tenebroso de precarização estrutural.
   Na prática, em nível nacional, programas como o Mais Educação, instituído em 2007 durante o governo Lula, tornaram-se o carro-chefe de uma perspectiva de formação em tempo integral de estudantes da rede pública, especialmente daquelas unidades de ensino que apresentavam baixíssimos desempenhos de proficiência no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Se, por um lado, o aumento do tempo na escola pode significar um aprofundamento de experiências cotidianas compartilhadas e o enriquecimento da vida intraescolar, não podemos perder de vista que tal acolhimento aos estudantes, especialmente das classes populares, não pode se transformar em mero atendimento, com sentido limitadamente clientelístico. Nessa direção, o programa Mais Educação tem se mostrado inepto diante das imensas demandas das escolas públicas, já que ao não privilegiar a contratação de profissionais habilitados e não remunerá-los de forma digna, acaba por reduzir sua ação a uma série de atividades pedagógicas duvidosas do ponto de vista da apropriação dos conhecimentos científicos produzidos pela humanidade.
   Não obstante, a discussão do “fator tempo” na escola está relacionada à própria organização do trabalho pedagógico (OTP), que pode se dar de forma seriada ou em ciclos, mas nunca dissociada de seu desenho curricular. Isto significa dizer que ao tratarmos do currículo da educação básica não podemos olvidar de uma pergunta central: o que queremos que as crianças e jovens se tornem em termos de uma formação humana integral?
   Logo, diante da perspectiva política e teórica que defendemos aqui, a escola pública integral não pode ser um espaço desprovido de intencionalidade e de um consistente projeto pedagógico; não pode ser um espaço para “alívio da pobreza”, como defendem os experts do campo da economia neoliberal, que não por acaso, são os mentores das políticas educacionais para os países do capitalismo periférico. Por outro lado, para não reprisarmos o discurso do “fatalismo pedagógico”, consideramos que para obter avanços significativos em suas formulações científicas, políticas e pedagógicas, um currículo na perspectiva da educação integral necessita estar atenta aos seguintes aspectos: 1) desenvolver um PPP que problematize as contradições e os desafios da classe trabalhadora no âmbito da sociedade capitalista vigente, onde os diferentes campos epistemológicos dialoguem por meio de uma perspectiva curricular que não dissocie o trabalho da educação; 2) que o corpo docente tenha dedicação exclusiva para atender as crianças e jovens das camadas populares, reforçando os laços afetivos com as comunidades escolar e local e estabelecendo os engajamentos empíricos necessários para que se torne uma comunidade investigativa; 3) que os diretores escolares possam ser eleitos de forma democrática por toda a comunidade escolar; 4) que todas as instâncias deliberativas da escola funcionem de forma efetiva (Associação de Pais e Professores, Conselho Deliberativo, Grêmio Estudantil e também o Conselho de Classe Participativo); 5) e, por fim, que a relação entre a escola e a família não se dê apenas de forma pontual, mas que se constitua como uma ação estratégica objetivando o fortalecimento dos vínculos pedagógicos e afetivos, assim como a sensação plena de pertencimento a todos os espaços de socialização da instituição escolar.





[1] Historiador e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor no Departamento de Estudos Especializados em Educação do Centro de Ciências da Educação (EED/CED/UFSC). Membro do Conselho Municipal de Educação na cidade de Florianópolis/SC (2014-2016). E-mail: jeferson.dantas@ufsc.br

OS “HERDEIROS” E A PERPETUAÇÃO DAS DESIGUALDADES ESCOLARES

Jéferson Dantas[1]

    A obra “Os herdeiros: os estudantes e a cultura”, de Pierre Bourdieu (1930-2002) e Jean-Claude Passeron (1930-), foi publicada na França em 1964 e traduzida no ano passado pela professora Doutora Ione Ribeiro Valle, do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, e por Nilton Valle. O que uma publicação de meio século ainda tem para nos dizer sobre os sistemas de ensino e a distribuição desigual das oportunidades escolares? Como podemos fazer tais interlocuções/associações teóricas e empíricas com o Brasil, reconhecidamente um país em que as desigualdades escolares são flagrantes e históricas?
    Os sociólogos franceses são taxativos ao afirmarem que os sistemas escolares operam de forma objetiva uma eliminação “ainda mais total quando se vai em direção às classes mais desfavorecidas”. Em outras palavras, dentre todos os fatores de diferenciação social ou de distinção simbólica, “a origem social é sem dúvida aquela cuja influência exerce-se mais fortemente sobre o meio estudantil, mais fortemente em todo caso que o sexo e a idade e sobretudo mais do que um outro fator claramente percebido como a aflição religiosa por exemplo”.
    Por outro lado, numa distribuição desigual das oportunidades escolares aliada à origem social, as mulheres formalmente estariam em condições semelhantes aos homens, segundo os autores. Todavia, a desvantagem das mulheres aparece mais evidente nas classes baixas: “Se globalmente, as moças têm pouco mais de oito chances em cem de acesso ao ensino superior, os rapazes têm dez; a diferença é maior na parte baixa da escala social e tende a diminuir ou anular-se nos quadros superiores e nos quadros médios”.
    Mas, é na tese central dos autores, ou seja, de que a herança cultural favorece uma adaptação menos traumática nos bancos escolares aos filhos das elites econômicas, que se configuram os distintos handicaps sociais, ainda que os sistemas de ensino procurem mascarar ao máximo tais distinções: “Os estudantes mais favorecidos não devem somente ao seu meio de origem hábitos, treinamentos e atitudes aplicáveis diretamente às suas tarefas escolares; eles também herdam saberes e um saber-fazer, gostos e um ‘bom gosto’ cuja rentabilidade escolar, por ser indireta, é ainda mais certa”.
Ainda que nos dias de hoje as informações circulem de maneira célere no mundo infoviário, a escola continua sendo um importante espaço de acesso à cultura e ao conhecimento científico produzido pela humanidade. A escola teria de ser o território da democratização da cultura, mas invés disso, de acordo com Bourdieu e Passeron, a mesma desvaloriza e esvazia os conteúdos escolarizados/científicos, aquilatando a cultura herdada dos bem nascidos. Nada mais contraditório e aterrador se não fosse, dadas as evidências, a mais pura e preocupante verdade. Além disso, a escola inculcaria desde a infância um ideal incoerente, isto é, o estímulo à competição individual.
    Mas, este é apenas um dos aspectos apresentados pelos sociólogos, já que as suas análises avançam em direção à relação entre estudantes e professores no âmbito universitário, desvelando os jogos acadêmicos, os estereótipos estudantis, as expectativas professorais e as diferenças existentes entre as denominadas ‘universidades de província’ e ‘universidades de metrópole’. Para os autores, “se é difícil reconhecer o que divide e o que realmente une os estudantes, se é difícil fazer parte do jogo e ser sério em seus engajamentos, suas convicções e seus exercícios, é porque as ideologias e as imagens que suscita a relação tradicional com a cultura condenam a prática universitária, professoral ou estudantil, a apreender o real somente indiretamente e simbolicamente, isto é, através do véu da ilusão retórica”.
    À guisa de conclusão, Bourdieu e Passeron, apontam que a cultura escolar é uma cultura de classe, onde os estudantes das classes cultas são os mais preparados para se adaptar a um sistema de ensino de exigências difusas e implícitas. Fica-nos, por conseguinte, reflexões imperiosas no que concerne aos desafios de, efetivamente, democratizarmos a educação básica e o ensino superior em nosso país. Isto vai se tornando mais dramático quando se percebe que o esvaziamento dos conteúdos escolares associado a uma formação precária nas diferentes Licenciaturas respinga, justamente, naqueles que mais precisariam se apropriar dos conhecimentos científicos.

PARA SABER MAIS:

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Traduzido por Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: EDUFSC, 2014.





[1] Historiador e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor no Departamento de Estudos Especializados em Educação do Centro de Ciências da Educação (EED/CED/UFSC). E-mail: jeferson.dantas@ufsc.br

A simplificação da política

Jéferson Dantas


   Uma série de adjetivações desqualificatórias/persecutórias tem percorrido as manchetes dos jornais e revistas de grande circulação no país, acusando o governo Dilma e o PT pelos descalabros na Petrobras e de estelionato eleitoral após a vitória nas últimas eleições presidenciais. Já se fala em sarneyzação do segundo mandato de Dilma, referência ao governo de José Sarney (1985-1990), historicamente reconhecido como um retumbante fracasso político e econômico. Os dois primeiros meses do segundo mandato do governo Dilma estão, assim, muito associados aos respingos da disputa eleitoral ocorrida em outubro do ano passado, onde o discurso do ódio e a simplificação da política se tornaram elementos chaves para a construção das pautas midiáticas e das siglas partidárias oposicionistas.
   Não se trata de defender, maniqueisticamente, o partido “x” ou o partido “y”, mas compreender que a história republicana brasileira é atravessada por golpes e contragolpes e isto tem um enorme preço político dependendo da conjuntura. Vê-se nitidamente um Congresso Nacional conservador e que legisla de costas para a população brasileira, correndo sério risco de ser um dos alvos de novas manifestações populares, como as que ocorreram em junho de 2013. Se, por um lado, as reivindicações provenientes das jornadas de junho de 2013 não apresentavam pautas muito claras (excetuando-se os movimentos sociais organizados) pode ser que agora as disputas por determinados projetos políticos venham a se tornar mais polarizadas. Não é nada desprezível o surgimento de grupos ultraconservadores no Brasil, que não se reconhecem nas atuais representações político-partidárias. E, mesmo no interior de partidos neoliberais, como é o caso do PSDB, já há uma movimentação denominada ‘onda azul’, formada por jovens bem sucedidos, que pretendem ajudar a ‘reformar’ o partido, aproximando-o das grandes questões nacionais.
   O PT não tem muito que comemorar nestes 35 anos de fundação. Historicamente identificado com sua militância desde meados da década de 1980, hoje se vê na contingência de alianças espúrias e comprometidas com um ideário econômico que sempre condenou. Isto não significa, todavia, que a irresponsabilidade da política fisiológica e de determinados conglomerados midiáticos atentem para princípios tão importantes e construídos a duras penas neste país de jovem democracia. Não se pode esquecer, por conseguinte, como nos ensina o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012), de que qualquer etapa histórica não é permanente e que a sociedade humana é uma estrutura capaz de mudança e o presente nunca será o seu destino final!