domingo, 11 de outubro de 2015

INJUSTIÇAS E DESIGUALDADES NO MUNDO DO TRABALHO

   O sociólogo francês François Dubet (1946-), na obra Injustiças: a experiência das desigualdades no trabalho traça uma importante análise investigativa sobre a percepção dos/as trabalhadores/as dos mais diferentes ofícios, sobretudo na França, no que concerne a três princípios de justiça considerados fundamentais no mundo do trabalho: 1) igualdade; 2) mérito e 3) autonomia. Para Dubet, a “injustiça se beneficia de uma espécie de primazia existencial que se remete a justificativas, argumentações, generalizações, das quais emergem princípios de justiça, que criam ou sustentam os sentimentos de injustiças”. Enfatiza ainda o sociólogo da educação de que a massificação escolar não foi capaz de reduzir as desigualdades sociais ou econômicas, num cenário de desvalorização e simplificação dos diplomas escolares, realidade que não se restringe ao país europeu.
    As desigualdades no mundo do trabalho seriam cada vez mais múltiplas a ponto de se considerar que há determinadas ‘desigualdades justas’, por mais contradições que isto possa expressar. Logo, considerando os três princípios de justiça acima assinalados, Dubet considera que a igualdade no mundo do trabalho passa por complexos níveis hierárquicos, que servem como mecanismos de contenção das diferentes classes a uma possível ascensão na carreira profissional. Tal hierarquização nos diferentes ofícios é simbólica e ‘aristocrática’, porque segundo a perspectiva dos próprios trabalhadores a “divisão do trabalho muda precisamente o grau de dignidade das atividades: no topo a ciência e a técnica, na base o sofrimento”. Além disso, e nada mais atual, os processos migratórios recorrentes nas fronteiras europeias também têm elevado as disputas por postos de trabalho, já que os trabalhadores precarizados da África Central, especialmente, submeter-se-iam a condições mais degradantes do que os trabalhadores nativos.
   As mulheres também se ressentem por serem mais mal pagas e terem menos acesso aos postos de responsabilidade e, por conta disso, mais expostas ao desemprego e à precarização. O sotaque ou os estereótipos associados às diferentes raças também são elementos de discriminação e de desigualdades no mundo do trabalho.
   No que concerne ao mérito, Dubet demonstra que em âmbito escolar o mesmo não é distribuído de maneira aleatória e que, frequentemente, trata-se apenas da transformação de determinações sociais em talentos pessoais. A escola, nesta direção, continua sendo “a grande máquina de distribuição das desigualdades legítimas”. Na percepção dos trabalhadores, o mérito não é somente impedido pela “influência dos estatutos e posições adquiridas”, mas ela se confronta diretamente com as relações de trabalho e o poder dos chefes, que “distinguem indivíduos partilhando a priori posições e tarefas idênticas”.
    Já o princípio da autonomia seria a satisfação subjetiva e social da liberdade do trabalhador, compensada pela criatividade em seu ambiente de trabalho. Em síntese, Dubet distingue que se a “igualdade é um postulado ontológico, o mérito uma regra aristocrática, a autonomia é de natureza ética, ela não repousa nem sobre um postulado relativo à natureza humana, nem sobre um cálculo das utilidades, mas sobre uma relação de si para consigo”. A autonomia expressa, assim, um princípio de engajamento do sujeito em seu ofício, que caso seja negado, fere a autonomia e a dignidade do trabalhador, levando-o ao adoecimento crônico.
   A ampla e densa pesquisa de François Dubet, da qual extraímos apenas a primeira parte, revela ainda nas narrativas dos trabalhadores uma frágil compreensão da importância da luta de classes, ainda que os sentimentos controversos de injustiça sejam percebidos por quase todos os trabalhadores entrevistados. Isto pode denotar que vivenciamos um consenso preocupante assentado na ‘adaptação social’ num mundo perversamente ‘desigual’. Uma alternativa à lógica do capital, aparentemente, torna-se mais restrita e quimérica, diante dos avanços preocupantes da xenofobia em todos os setores da sociedade. Nunca a classe trabalhadora foi tão protagonista e tão exacerbadamente explorada como nos dias atuais, ou nas palavras de Dubet, ainda que os trabalhadores disponham livremente de sua força de trabalho (do qual são proprietários) numa sociedade democrática liberal, as desigualdades de suas posições na divisão do trabalho se determinam por ‘habilidades’ e ‘competências’ cada vez mais difusas.

PARA SABER MAIS:

DUBET, François et. al. Injustiças: a experiência das desigualdades no trabalho. Traduzido por Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: EDUFSC, 2014.



Nenhum comentário: