quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ALHEIO


 


Vai se perdendo o desejo e a lascívia do primeiro encontro. Sobretudo, é o gozo interrompido; é a viuvez da relação carcomida pela verborragia narcísica ou pela masturbatória evocação de dizeres incongruentes e estéreis.
O que se vê é este homem suspenso e alheio. Que se alegra com pequenas peripécias do destino; incapaz já de evocar o instinto e a abertura plena às experiências afetivas que fogem do ‘controle’, por conta da eterna culpa judaico-cristã.
É este homem-vácuo que caminha pelas ruas e enojado com a sua condição indigna de estar-no-mundo, prepara seus pequenos venenos para que a embriaguez assuma o controle de tudo! Só neste estado emergente e anestésico que sua virtude enterrada pode atender demandas estratosféricas. E, assim, encerra-se no território autístico satisfeito com as elucubrações noturnas de suores aziagos.
Mas, deixar que se apodere da alma o medroso impotente, que se acomodou na jaula doméstica em troca de um aparente sossego, revela-se como a destruição da criação poética e potencializadora! São estes tempos de adagas no corpo e de frio na espinha; são estes tempos de corpos em brasa, mas que se auto-incineram e viram fumaça!
Este homem que se esfumaçou, síntese da automutilação, está condenado aos psicofármacos! A sua alegria vem da química induzida! E suas ações só podem ser concretizadas quando, virtualmente, sente-se liberto! E tudo aquilo que ele chamou de amor não aconteceu, de fato, em sua existência; são episódicos os estertores da alma! Isto já foi sinalizado na última aurora!
Culpado que está por não amar o suficiente, o homem-trágico trai o seu destino. Está humilhado! Divaga totalmente e divide suas parcas riquezas com tal parcimônia que nem parece se preocupar com as ruinosas escolhas e a decrepitude de sua aparência. Os sonhos são quimeras diante da cáustica urbanidade de múltiplos sons e pedrarias.
Suspenso, alheio e reticente, este homem vagueia atordoado, ora alegre com as pequenas conquistas, ora soturno com os seus embates interiores. Não há, aparentemente, mais tempo nem espaço para o rompimento do acordo tácito e imobilizador das alianças equivocadas e não-amorosas!
 

sábado, 19 de fevereiro de 2011

CARNAVAL E CINZAS


E se eu rasgasse
a fantasia?
A tua máscara?
Ainda ias
me querer?

Continuarias
insinuante
faiscante
loba-louca de desejo?

E quando
 a farra fenecesse,
seriam
cinzas
as tuas
lânguidas mordidas
agridoces?

E se eu te desejasse
além dos dias
da carne?
A provocação de
seios e coxas desnudas
fariam
parte de nossos
rotos dias?

Eis que
partias numa
esfumaçada
rua de
inebriantes cigarrilhas...

E toda a gente
amargando
o pó
enredada
no colorido-serpentário
de serpentinas.


PERMANÊNCIAS


O que fica
deste ensinamento
não é o desfecho,
tampouco a ilusão
de ter sido menos.

O olhar perscrutador
hoje ausente
ainda é fagulha
em nossas ações
de erro, falibilidade e ousadia!

O que ‘idolatramos’
não é o ser inalcançável,
mas aquilo
que nos aproxima como
espécie.

O que permanece
reconstrói
e lança-nos
ao inefável,
torrente de todas
as lamas, vivências, amorosidades
e perdas/encontros incalculáveis.