segunda-feira, 22 de julho de 2019

O PODER DAS MILÍCIAS NUM PAÍS DESIGUAL


A criminalização dos movimentos sociais e o ‘combate ao socialismo’ (?!) são temas recorrentes no recente governo do capitão reformado. Para os incautos ou para os que, deliberadamente, agem de má-fé, repressão é sinônimo de segurança pública; ou ainda: o saudosismo verde-oliva da ditadura militar (1964-1985) teria gerado em mentes insanas a ideia de que havia um país livre da corrupção e dos desmandos, ainda que os dados históricos nos demonstrem como os índices sociais, educacionais e econômicos foram dramáticos durante e ao fim da ditadura.

Não há nada que nos alente em relação ao combate à corrupção, muito menos no que tange às políticas públicas de inclusão social no Brasil dos bolsominions. A violência indiscriminada em relação às mulheres, aos negros, aos povos originários e à comunidade LGBTQI+ vêm crescendo de maneira assustadora no Brasil. Até o momento nada se revelou de forma efetiva sobre os assassinos de Marielle Franco, embora se saiba que a ordem para matá-la tenha partido das milícias que dominam o estado do Rio de Janeiro e, especialmente, os territórios de sua capital. Para Snyder, “para que a violência transforme não só o clima político como também o sistema, as emoções dos comícios e a ideologia de exclusão precisam ser incorporadas ao treinamento de guardas armados. Esses guardas primeiro desafiam a polícia e as Forças Armadas, depois se infiltram nessas organizações e por fim as transformam”.

Eis a síntese: milícias acabam tendo mais poder de ação do que as forças de segurança pública, ou ainda, a conivência entre milícias, polícias militar e civil e forças armadas podem ser tão nefastas que os desaparecimentos e assassinatos de lideranças campesinas e sindicais vão se tornando algo naturalizado. O circuito do golpe se adensaria aí.

SOBRE ASSUMIR RESPONSABILIDADES


Símbolos são formas de nos comunicarmos com o mundo. Portanto, símbolos conectados ao discurso do ódio não devem ser encarados como algo ‘comum’ e ‘natural’. Se o sujeito defende o uso indiscriminado de armas; se entende que o fato de ter concebido uma filha foi uma ‘fraquejada’, já que a mulher é compreendida como um ser inferior, por que determinadas pessoas mantém adesivos nos automóveis ou continuam usando camisetas estampando a figura de um sujeito que representa todos os retrocessos possíveis? Precisamos ser coniventes, sociáveis ou amáveis com pessoas que, deliberadamente, destilam ódio e preconceito ou, sub-repticiamente, procuram levar vantagens sobre os outros, escudados por meio de suas escolhas ultraconservadoras?

Snyder afirma que a “vida é política, não porque o mundo se importa com como você se sente, mas porque o mundo reage ao que você faz”. Além disso, adverte – tendo como contexto histórico o nazifascismo na Europa das décadas de 1930 e 1940 – de que “à medida que as propriedades foram recebendo marcas étnicas, a inveja transformou a ética dos cidadãos. Se as lojas podiam ser ‘judias’, o que dizer de outras empresas e propriedades? O desejo de que os judeus desaparecessem, talvez num primeiro momento reprimido, foi crescendo à medida que a cobiça fermentava”.

Num exercício ou exame comparativo, podemos afirmar que os/as que defendem concepções autoritárias ou ultraconservadoras e que sempre estiveram ao nosso redor, mas que não se sentiam à vontade para expressarem as suas ideias, agora se espalham livremente, desejosos de que as liberdades individuais ou ideias à esquerda sejam, literalmente, varridas do mapa! Já não podem ser encarados como ‘bobos da corte’ ou ‘falastrões ignaros’, pois não terão receio de se adonarem de propriedades alheias e até mesmo de ideias alheias, já que são incapazes de elaborarem pensamentos próprios com alguma consistência teórica. São, portanto, nocivos esses sujeitos recalcados, não mais pelo que professavam ou vociferavam, mas pelo que são capazes de fazerem com ações maquinais sistemáticas à revelia dos que defendem princípios éticos em todas as esferas da vida pública. Não se trata mais de simbologias inofensivas, mas de provocações deliberadas e uma disputa que prescinde o pensamento, já que o que, realmente importa, são as vantagens possíveis por meio de narrativas únicas, sem desdobramentos e discernimentos satisfatórios. Em síntese, trata-se da morte do pensamento e da estratégia da desqualificação como símbolos imanentes de sujeitos que, temporariamente, acreditam ditar as regras da vida pública.