sexta-feira, 31 de maio de 2013

20 ANOS SEM E.P. THOMPSON E A EMERGÊNCIA DE UMA HISTÓRIA ‘VISTA DE BAIXO’



O objetivo deste lacônico texto é situar a importância do pensamento do historiador marxista britânico Edward Palmer Thompson (1924-1993), notadamente no que se refere à experiência da classe trabalhadora. Na acepção de Thompson, “a noção de classe é construída por homens e mulheres a partir de sua própria experiência de luta e não numa estação experimental [...] da qual os homens não são os sujeitos, mas apenas os seus vetores”, conforme análise da educadora Regina Célia Linhares Hostins.
Além disso, o método thompsoniano revelava a consistência entre ‘conceito’ e ‘evidência’, onde o conceito se origina nos engajamentos empíricos. Em outras palavras, a dialética do conhecimento histórico defendida por Thompson deveria ser observada durante um período adequado de transformações sociais, por meio de padrões em suas relações, ideias, tradições arraigadas, valores e instituições envolvidas. Tais regularidades ou modos de agir/pensar de homens e mulheres durante um expressivo período histórico, unificando acontecimentos ‘aparentemente’ desconectados, representam aquilo que o historiador britânico denominou de “a experiência de classe como fenômeno histórico”.
Edawrd.P.Thompson
E.P. Thompson (1924-1993)

Nesta direção, Thompson examina a luta de classes como uma ‘categoria historiográfica’, tendo como referências conteúdos históricos empiricamente observáveis e perspectivas analíticas ou heurísticas devidamente organizadas para se apreender as ‘evidências históricas’. Assevera ainda o historiador de que determinados estudos marxistas deram muito valor (de forma anti-histórica) à classe e pouco valor à ‘luta de classes’, sendo que esta última é mais universal e um conceito prioritário. Remata o autor, considerando que ‘classe’ e ‘consciência de classe’ são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico concreto. Não se pode falar em classes sem que os sujeitos se encontrem diante de grupos ou associações e por meio de processos de luta entrem em relação e em oposição sob uma forma classista. 


    No ano em que se comemora os 20 anos de desaparecimento de E.P. Thompson, entendemos que o seu legado está longe de se dissipar, tendo em vista as suas vigorosas contribuições epistemológicas, num momento histórico em que a linguagem ou as ‘ordens discursivas’, tornaram-se um fim em si mesmo, com pouquíssima pesquisa empírica. As teorias pós-modernas, em especial, têm “legitimado a fragmentação e a dispersão ao institucionalizar como algo permanente e cristalizado eventos particulares da história, em que o fragmentado local ganha vida própria e independente”, como bem assinala a educadora Célia Regina Vendramini. Thompson continuará provocando e inquietando novos e experientes pesquisadores, lembrando-nos que a produção do conhecimento histórico não se realiza em laboratórios ou gabinetes assépticos, mas no turbilhão das ruas, nos embates, nos projetos políticos em disputa.
A herança ou o legado do pensamento de Thompson converge para aquilo que acreditamos estar ausente em muitas pesquisas historiográficas, ou seja, o compromisso com a transformação social. O mesmo processo deveria estar no horizonte das pesquisas de cunho educacional. Os ensinamentos de E.P. Thompson são claros: nunca esgotar as possibilidades de pesquisa e sempre desconfiar de afirmações categóricas sem qualquer vínculo entre o conceito, fontes e evidências. Sobretudo, Thompson militava em favor de uma historiografia ‘vista de baixo’ (History from below), o que fomentou uma de suas mais audaciosas e importantes investigações (A formação da classe operária inglesa), referência até os dias de hoje tanto para educadores quanto para historiadores.
Por fim, nas palavras do historiador Sidnei José Munhoz, Thompson desenvolveu uma trajetória própria, onde os seus objetos e fontes de estudo eram abordadas de maneira pouco convencional. Suas análises não se restringiam aos sindicatos ou às organizações socialistas, mas “abrangia um vasto campo que compreendia a política popular, tradições religiosas, rituais, conspirações, pregações milenaristas, ameaças anônimas, cartas, hinos metodistas, festivais, bandeiras, etc.”. Eis aí um ensinamento perene!

 

A princesa, a abolição e a canonização



Durante bom tempo as escolas brasileiras comemoravam o dia 13 de maio como marco simbólico da ‘libertação’ dos escravizados, ocorrido na última aurora do regime monárquico em 1888. Convém recordar que o Brasil foi o último país da América a extinguir o modo de produção escravista. Leis abolicionistas criadas após a funesta Guerra do Paraguai (1864-1870) foram paliativas para uma situação social e política já insustentável, enfraquecendo o poder de Dom Pedro II. Assim, a abolição da escravidão era uma ‘questão de tempo’, já que a sua manutenção contava apenas com o apoio de cafeicultores falidos, tendo em vista que a cafeicultura paulista se assentava agora na exploração da força de trabalho livre, imigrante e assalariada.
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Princesa Isabel
Em tal contexto histórico, muitos de nós fomos educados na escola de que a princesa Isabel, filha de D. Pedro II, foi uma heroína nacional por ter sancionado a Lei Áurea em 13 de maio de 1888. A historiadora Mary Del Priore em sua mais recente pesquisa (O castelo de papel) desmitifica o ato heroico da princesa, por meio de exaustivo estudo nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e também no museu imperial de Petrópolis/RJ. Segundo Del Priore, a princesa Isabel era alheia às questões sociais e não tinha qualquer vínculo com a causa abolicionista. Além disso, tratava suas ‘mucamas’ com termos pejorativos e era indiferente às doenças dos escravizados que lhes serviam, especialmente de um escravizado idoso e tuberculoso, que teve de recorrer, diretamente, ao imperador, para obter a sua carta de alforria. Isabel não tinha vocação política e nem preocupação com os rumos sociais do país, muito menos pelos temas considerados ‘nacionais’; de acordo com a análise de Del Priore, a herdeira do trono imperial encarava as questões políticas como algo ‘maçante’ e ‘entediante’.
A princesa Isabel recebeu inúmeras homenagens temáticas de escolas de samba no Rio de Janeiro, inclusive há uma escola que lhe presta tributo direto: a Vila Isabel. Há também a possibilidade de que a princesa seja canonizada pela Santa Sé, o que corresponde ao primeiro passo para se tornar ‘santa’.  No atual momento histórico, onde se discute o fortalecimento dos movimentos negros no Brasil e a implementação das ações afirmativas em diferentes setores sociais, penso que não apenas os historiadores, mas todos os educadores dos diferentes níveis de ensino precisam atentar em relação à heroicização de determinados sujeitos históricos, sob pena de compatibilizar um conhecimento histórico visto sob o olhar das elites, o que continua sendo um desafio nos diferentes processos de escolarização, especialmente na educação básica.