quinta-feira, 28 de julho de 2011

TÊNUE EXISTÊNCIA

 O artigo abaixo foi publicado originalmente no Jornal A Notícia, de Joinville/SC, no dia 26 de julho de 2011. O artigo pode ser acessado pelo link: http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3413276.xml&template=4187.dwt&edition=17608&section=892


A indústria cultural continua ceifando vidas, alimentando a sanha de determinados tabloides ordinários, padronizando o que se deve vestir, enxergar, comer e escutar. A frenética e doentia corrida contra o tempo se associa à “infotoxicação”, que não tem nos permitido pensar, dialogar e encontrar os amigos de forma presencial. Em outras palavras, há uma profunda indiferença ao “cuidado de si” e do “cuidado com o outro”. Eis a síntese de uma lógica célere, desgovernada, desideologizada e cada vez menos atenta à materialidade que nos constitui ontologicamente. Para o filósofo húngaro István Mészáros, somente por meio da inter-relação mais próxima entre os indivíduos e a humanidade é possível potencializar os diferentes grupos sociais e superar a tirania do capital, que legitima apenas a lucratividade destrutiva e a reprodução fetichista.



Nesta direção, a morte precoce de uma jovem compositora e intérprete deveria ser compreendida não apenas pela bitola da trivial fatalidade, mas pelo conjunto de situações que levam um ser humano a ter de se escudar de uma exposição absurdamente esquizofrênica ou histérica, mesmo que isto custe a sua própria vida. A “sociedade do espetáculo” e dos “cinco minutos de fama” exercem um tremendo fascínio sobre os egos inflados/incautos e, ao mesmo tempo, esmera-se em construir/desconstruir ídolos e uma caterva de fanatismo destemperado. No caso da jovem cantora inglesa, o talento era notório, mas sua estrutura emocional era débil para suportar as exigências das gravadoras, dos seus agentes, de sua relações afetivas e do seu próprio público.



A arte deixa de ser fruição humana para se tornar elemento coisificado. O criador não detém o conjunto de sua obra, pois tem de atender a “novas tendências” que vão descaracterizando a potência inventiva que lhe constituiu artista. Fugir de tal circuito é assinar um contrato de ostracismo. Esta é a armadilha e o preço que se pagam pela necessidade da notoriedade ad nauseam. O veio narcísico não se encabula mais. Está presente em todas as esferas da vida material humana. Por trás de uma fragilizada existência se ocultam estratégias de manipulação, crueldade e exploração. Que lembremos, pois, do inventário desta criadora, que poderia ter nos legado uma obra mais longeva e amadurecida.

terça-feira, 26 de julho de 2011

PROFESSORES EM GREVE



O referido artigo abaixo não foi publicado pelo periódico "Diário Catarinense' durante a greve do magistério catarinense, ainda que se tratasse de matéria paga. 



 Em greve, os professores do Estado de Santa Catarina reivindicam de forma justa, legítima e de direito a aplicação da lei Nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, estipulado em R$ 1.187,97.  Por pressão pública, o Governo mostrou reconhecer na mídia a constitucionalidade da lei, porém incorre, novamente, na infração dos direitos adquiridos pelos professores, dos benefícios conquistados pela categoria ao longo dos anos do exercício de sua profissão. 



 A Medida Provisória  Nº 188/11, apresentada pelo governo do Estado aos professores, é aviltante. Ela reduz os percentuais das gratificações relacionadas às atividades de sala de aula, visando chegar ao valor mínimo do piso salarial, criando assim, aos olhos da sociedade catarinense, uma imagem de Governo cumpridor de suas obrigações. Além disso, sua proposta desestimula os professores a continuar seus estudos para a melhoria de sua prática pedagógica, porque não há incentivo para a progressão na carreira. Também não considera a ampliação das horas remuneradas para preparação de aulas, correção de trabalhos etc, desrespeitando cláusula constante da lei do piso, portanto descumprindo a lei. Já no que se refere ao auxílio alimentação, o professor da rede estadual recebe R$120,00 mensais, enquanto outro trabalhador estadual, um deputado, por exemplo, recebe R$1.000,00, valor que se aproxima ao piso salarial que a lei estabelece e o Estado reluta em cumprir.


Não bastasse isso, o Governo agora efetivou o desconto nos pagamentos dos salários dos professores numa atitude de autoritarismo e repressão ao movimento grevista, que luta pelo respeito, pela valorização do profissional da educação e por uma escola pública da melhor qualidade.  A forma de pagamento do piso que o Governo propõe pela MP Nº 188/11 não pode ferir os direitos já adquiridos pelos professores ao longo da carreira, muito menos desencorajá-los a continuar estudando e se aperfeiçoando, pois isso prejudica a busca pela qualidade da educação que os professores querem oferecer, e as crianças e jovens merecem receber. Não é à toa que muitos jovens não querem ser professores! Com todas essas agressões ao direito e à justiça, é de se esperar que os professores reajam à altura. Nacionalmente, com a liderança da CNTE, e em cada estado, com os sindicatos locais – aqui em Santa Catarina o SINTE – os professores deflagraram a mais forte greve da categoria nos últimos anos. Com o apoio quase unânime da sociedade, é impensável que fiquemos calados face às ameaças absurdas que o Governo resolveu por em curso. O Governo alega não ter verbas para cumprir o piso salarial dos professores, mas, e quanto à verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) destinada a este estado?  O Fundeb é um fundo composto por transferências automáticas de partes de impostos arrecadados pela união e pelos estados, visando criar condições aos estados de proporcionar aos professores uma efetiva elevação dos salários e garantia de um piso salarial nacional. Parte desta  verba é destinada a salários e a outra para a  manutenção das escolas. No entanto, foram divulgadas informações na mídia que indicam que em Santa Catarina parte deste recurso está sendo destinado para outros fins.


Como vem acontecendo em sucessivos inícios de ano letivo, em muitas escolas do estado, as aulas começaram com muitas precariedades, conforme atestam as mais variadas matérias na mídia tanto escrita como televisiva. Faltam professores e funcionários, os prédios estão mal conservados, há sobrecarga de trabalho em todas as funções, entre outras mazelas com que a comunidade escolar tem que se haver cotidianamente para continuar ofertando os serviços educacionais que dela se esperam. Nos últimos anos escolas significativamente importantes na comunidade fecharam suas portas. Esta situação tem se agravado ainda mais pela privatização descarada, promovida por sucessivas administrações das funções públicas, a terceirização dos serviços escolares, muitas vezes de qualidade duvidosa, em nome da eficiência da gestão escolar sem, contudo, resolver os problemas que afligem a educação no nosso estado. De certo o senhor governador e aqueles que o sustentam no exercício do poder não poriam seus filhos a estudar em uma escola desta.


Este é o retrato do desrespeito e da desvalorização da educação e da profissão docente por um Governo que deveria primar por excelência neste  estado. Aliás, fica muito difícil falar em excelência quando se examina a situação da EDUCAÇÃO, SAÚDE e SEGURANÇA PÚBLICA, e o acesso da população a esses bens.  São os professores que cuidam da formação de crianças, jovens e adultos para a cidadania. Diante do ato de repressão do Governo do Estado de  Santa Catarina à organização dos professores, com descontos nos pagamentos de seus salários no presente mês, os professores do Departamento de Metodologia do Ensino, do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, reafirmando seu compromisso intransigente com a ESCOLA PÚBLICA e de qualidade satisfatória, se colocam solidários  à luta da categoria e estão a providenciar um undo de apoio financeiro aos colegas. Isto porque  consideram que, para uma Educação de qualidade, é crucial que o Estado invista em salários decentes e em infra-estrutura das escolas. E isso é tarefa urgente e não das futuras gerações, pois, mais do que lutar pelo cumprimento da lei, luta-se pela manutenção de direitos sociais conquistados e por resgatar a dignidade aviltada pelos profetas do fim da HISTÓRIA, defendendo a indissociabilidade entre educação de qualidade, voltada para as tarefas da transformação social, e condições materiais e de trabalho adequadas na escola pública.  É esta, pois, a mensagem de apoio e solidariedade aos professores da rede estadual de ensino de SANTA CATARINA e do BRASIL, pois na SUBSERVIÊNCIA NÃO HÁ SAÍDA. 
 


Prof. Dr. Nestor Manoel Habkost 
Chefe do Departamento de Metodologia do Ensino da UFSC
e Professores do MEN/CED/UFSC

quinta-feira, 21 de julho de 2011

LIÇÕES DE UMA GREVE


 
Nenhuma greve passa incólume por qualquer trabalhador. Os aprendizados são inúmeros e a greve do magistério catarinense foi uma clara demonstração de como a classe docente modificou suas ações e enfrentamentos em relação às estratégias de desqualificação e desmobilização do aparato estatal. Reivindicou de forma justa e legítima a instituição da Lei nº 11.738 (Piso Salarial Nacional), que foi aprovada em julho de 2008, mas que o governo LHS fez questão de fazer vistas grossas e ouvidos moucos. Até mesmo a mídia de massa foi obrigada a reconhecer que a greve do magistério tratava-se de um movimento organizado em concordância com preceitos constitucionais, assegurando espaços de debates em seus tablóides. Sem falar dos recursos desviados do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), questão que veio à tona durante a greve graças à denúncia de parlamentares da oposição.


O Projeto de Lei Complementar (PLC) 026/2011 que altera o plano de carreira e o salário dos professores foi aprovado em tempo recorde antes do recesso dos parlamentares catarinenses, numa manobra antidemocrática, já que não se constituiu um prazo mínimo para que todos/as os/as parlamentares lessem o conteúdo do PLC e fizessem as devidas considerações numa plenária aberta ao público. O que se viu – amplamente divulgado por jornais, tevês e portais da internet – foi a truculência das tropas de choque na Assembleia Legislativa, evitando que os ‘perigosos’ professores interrompessem a votação do projeto de lei (que prejudica o magistério catarinense).


Com o fim da greve e o recomeço das aulas eis que os/as professores/as puderam avaliar a importância de sua força coletiva. Nas redes sociais virtuais é amplo o debate sobre as estratégias políticas futuras, além de um espírito combativo que extrapola os limites das salas de aula. Há inclusive a ideia compartilhada de se constituir um partido político formado apenas por professores/as, já que uma das avaliações da classe docente é de que o atual parlamento catarinense é vastamente fisiológico e está longe de representar os interesses públicos (com algumas raras exceções). Num contexto em que as futuras gerações formadas nos bancos das universidades catarinenses não querem exercer a profissão do magistério pelos baixos salários e péssimas condições de trabalho, os professores e professoras catarinenses demonstraram que a politização do debate educacional é urgente e necessária. É uma luta coletiva que se insurge não apenas em relação a uma reivindicação pontual. Trata-se de uma assisada denúncia dos desmandos do poder público e os seus correspondentes efeitos na educação básica catarinense. I





sábado, 16 de julho de 2011

TEMATIZANDO A HISTÓRIA




A história brasileira recente está longe de ser totalmente revelada. A tentativa por parte de organizações defensoras dos direitos humanos em se retomar as buscas dos corpos dos/a desaparecidos/as políticos na guerrilha do Araguaia (década de 1970), assim como a abertura de documentos sigilosos que comprovam o extermínio dos guerrilheiros por setores das Forças Armadas, representa ainda um vespeiro que muitos não querem trazer à tona. Os/as cientistas sociais são impedidos/as de ter acesso aos ‘documentos confidenciais’ produzidos pelas agências de repressão durante a ditadura militar em nosso país. Contudo, a história não pode ser negada às gerações que não vivenciaram os anos de silenciamento político e de mordaças compulsórias.

Nesta direção, uma das maneiras do conhecimento histórico se tornar atraente para crianças e jovens escolarizados/as é a tematização da história recente do Brasil e da América Latina, através de materiais didáticos que não privilegiem uma perspectiva historiográfica eurocêntrica e meramente conteudista. As questões do presente devem ser apontadas desde cedo para as crianças em processos de escolarização e, posteriormente, – com os cuidados de linguagem e categorias de análise empregadas – devidamente relacionadas com as dimensões históricas mais afastadas no tempo e no espaço. Os recortes temáticos são assim fundamentais para que um debate não se esgote em apenas uma aula ou uma atividade em grupo. O tema ‘ditadura militar’, por exemplo, é um assunto que demandaria muita pesquisa, busca por evidências históricas, análise de conjuntura, mapeamento das guerrilhas urbanas e rurais, aparelhamento do Estado a partir de agências de tortura, etc..

Categorias ou conceitos vagos, além do pouco dinamismo didático nos bancos escolares são muito recorrentes nas escolas brasileiras. Ainda mais quando determinadas instituições de ensino estão mais preocupadas em ‘formar’ fazedores de provas do que, propriamente, sujeitos históricos intervenientes. As permanências históricas estão mais vivas do que nunca, através de milícias particulares que assassinam pequenos agricultores e lideranças rurais a mando de latifundiários; do patrimonialismo e do clientelismo nos setores de serviços públicos; e do analfabetismo pleno e funcional alarmantes. Negar o acesso às fontes históricas – matéria-prima dos/as pesquisadores/as – também é uma forma de silenciar as falas dos dissensos e a constituição de novos espaços de disputa.



[1] Historiador e doutorando em Educação (UFSC). E-mail: clioinsone@gmail.com