terça-feira, 20 de julho de 2010

DO QUE É DO HUMANO - NON OMNIA POSSUMUS OMNES


Foi este arrebol inesperado que te trouxe para o meu conforto mais íntimo. Eu que já não sabia brincar, agora tinha tempo de sobra para te acompanhar nesta viagem fantástica de redemoinhos e labirintos. Eu retornaria mais são e menos importunado com tolices de outrora. É que eu aprendera com a última estação a ser menos auto-sabotador e ter cuidado com os amigos de longa travessia. A menina sorrira com o meu pouco jeito diante das flores do jardim, tomando-me por certo como ilustre desconhecedor das coisas da terra. E ela estava coberta de razão. Na estratosfera de minhas transpassadas morbidezes ou de coisas inconclusas que povoam a nossa mente, nada poderia ser mais infértil ou desagregador. E percebia que foram os tantos dias de solitude, ainda que fizesse sol ou chuva, que criaram este estado bruto e distante do que é coletivo. E talvez eu pouco compreendesse do êxtase da alma quando acreditava me bastar no horizonte de meus objetivos tacanhos.

E a menina ao plantar sua primeira flor no jardim improvisado, beijou-me a face e confidenciou-me que também possuía jardins secretos nos seus sonhos, mas lá tudo parecia maior e mais colorido. Disse-lhe que os nossos sonhos têm o tamanho de nossa grandeza e ousadia. Ela riu, pois não entendia muito bem o que isso poderia significar. No outro dia, como por encanto, o jardim multicor se apresentava com todos os seus aromas sutis e penetrantes e era isso o que pretendia guardar desta aprendizagem simples e tranquila, que pode não mover mundos, mas que certamente me moveu.  

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Raulzito faria 65 anos de idade

Passados 21 anos desde o desaparecimento do cantor e compositor baiano Raul Santos Seixas (1945-1989), finalmente o roqueiro mais irreverente do país ganhará (provavelmente) seu primeiro longa-metragem. Trata-se de um filme-documentário que será dirigido por Walter Carvalho, mesclando imagens de arquivos de emissoras de tevê e outras encenadas indicando o início da carreira do músico. Apesar da inegável importância de Seixas no cenário musical brasileiro, até hoje não se realizou uma cinebiografia à altura de seu talento e muito menos uma biografia que contemplasse aspectos de sua existência que fossem além de chavões ou de cultos mitomaníacos.

Raul Seixas nasceu no dia 28 de junho de 1945 e se estivesse vivo estaria completando 65 anos. Iniciou sua carreira artística em Salvador sob a influência do rock e do baião de Luiz Gonzaga no final da década de 1950. Pertencente à classe média baiana, Seixas desde cedo tomou gosto pela literatura e queria ser tão importante quanto Jorge Amado. Porém, encontrou o seu caminho na linguagem musical.

Desiludido com o rock nacional da década de 1980 começou a compor de maneira mais espaçada e suas aparições públicas tornaram-se mais raras. Para Seixas, o rock nacional teria perdido a sua irreverência. As canções passavam a atender cada vez mais o mercado, transformando-se em meros produtos pasteurizados. O estético teria vencido o protesto.

O último trabalho musical de Raul Seixas foi realizado com o parceiro Marcelo Nova em 1989. Bastante debilitado e aplicando-se insulina regularmente, a emissão vocal titubeante de Seixas em nada lembrava o músico debochado e inventivo da década de 1970. Dentre os temas desta última obra estão os xiitas ecologicamente corretos, uma crítica bem humorada ao cantor inglês Sting, que esteve no Brasil posando de defensor da causa verde, reflexo do fenômeno arrivista que se agudizaria na década de 1990. Ainda sobram ironias para os livros mais vendidos do momento – os denominados best-sellers. As demais canções revelam momentos singulares da vida do músico, enfim, um inventário de sua produção artística. No dia 21 de agosto de 1989 o poeta anarquista embarcou num disco-voador e nos deixou um legado que tem acompanhado diversas gerações.

PELÉ E MARADONA


Pelé e Maradona: dois mitos da bola inquestionáveis. Pelé teve como a sua copa do mundo inesquecível o palco do México em 1970; Maradona, por seu turno, teve o mesmo palco do México para o brilho e o talento do seu futebol em 1986. As comparações e/ou semelhanças vão ficando por aí. Maradona volta e meia provoca Pelé e a imprensa argentina não se cansa de dizer que Maradona foi o melhor jogador do mundo de todos os tempos. São dois temperamentos distintos. O Maradona bufônico e intenso contrasta com o Pelé pragmático (quase fleumático) e empresário.

Suas histórias de vida também são distintas, mas vamos nos deter em suas personalidades. Maradona gosta de ver a sua imagem vinculada a outro mito argentino: Ernesto Che Guevara (1928-1967). Foi se tratar em Cuba devido a um processo de dependência química que quase abreviou a sua existência. Faz questão de chamar a atenção para si, e o seu personalismo ou a sua personagem desponta para ações que vão do excessivo afeto ou para a fúria destemperada. Já Pelé procura vincular a sua imagem ao filantropo, preocupado com as crianças pobres e sem escolaridade do Brasil. Sem qualquer vínculo político-ideológico consistente, Pelé é a personagem bondosa e caridosa, que no arquétipo de mito parece estar acima do bem e do mal. E nisso os dois se assemelham.

No brilhante livro do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, Memórias do Fogo, o articulista relata a trajetória de Pelé e Garrincha, dois gênios da bola, mas também suas trajetórias distintas (Garrincha morreu na miséria). Pelé, literalmente, soube capitalizar seu nome a uma ‘marca’ conhecida nos quatro cantos do planeta. Ao se preocupar excessivamente com a sua personagem, não se deu conta de que um de seus filhos estava envolvido com consumo de drogas. A ficção e a realidade agora se confundiam.

A pretensa desavença destes dois ídolos do futebol alimenta a imprensa carnívora e temperou um pouco o mundial na África do Sul. No que se refere aos limites da coordenação técnica de Brasil e Argentina, Maradona representou a comédia e o drama, talvez calculadamente arquitetada; já Dunga, parecia ter saído dos porões da ditadura no melhor estilo ‘ame-me ou deixe-me’, liderando um escrete disciplinado, religioso e pouco dado à criação.