terça-feira, 8 de março de 2011

ILHA-GRIS


Até hoje, quando acordo todas as manhãs e ouço as primeiras cantigas dos pássaros, tenho a impressão de que esta cidade não vai corresponder ao meu desatino, tampouco vai me acolher entre suas ruas estreitas e íngremes. A trilha sonora desta ilha de desterrados é um fado ininterrupto. 

Assim, esta cidade sem eco me guia para a sonolência e a reclusão deliberada. Ainda que toda manhã os pássaros prenunciem em seus cantos de alvoroço que nada está, realmente, no seu lugar.

PELE DE PENUMBRA


E qual foi o maior arrependimento? A escrita despedaçada ou a vida ordinária carcomida pela tensão constante? E isso que não terminava, e isso que destruía, vento de espasmos, sublime e amendoada pele de penumbra.

E tua voz que cortava o ar na fuga de minhas adagas-serpentinas; e bem que deliravas no carnaval particular destes sonhos tão medíocres, mas de ardor singelo, busca minha e tua.

E aquelas aquarelas esquecidas pelos cantos modorrentos da casa, tons gris de tua experiência primeira.

E o ato final foi a renúncia sofisticada de entranhas e sonhos menores. E disso não me eximia, pois desde o início busquei o teu limite e a minha deletéria agonia!

SILÊNCIO




Respeite o meu silêncio. Não o silêncio sem palavras, mas o silêncio da penumbra. Não me exijas o que não posso lhe dar ou aquilo que nunca poderei lhe dar. Respeite minha crença e os meus tombos cotidianos. Deixe-me respirar com vontade!

Entenda! Respeite o meu lugar no mundo, não muito e nem tanto. Assim, deixe-me num canto a ruminar as coisas e os intentos secretos. Esqueça de mim por um tempo...

Perceba a minha concentração para objetos que talvez não tenham importância para ti. Não queira ler os meus pensamentos e apontar com o dedo autoritário e pontiagudo o quanto sabes das cinzas e das flores. Contento-me com os meus espólios e os aromas que criei em segredo.

Só fale o necessário e mesmo assim em determinados horários. Não venha com toda essa aura onipotente que não lhe cabe e, de fato, não cabe a ninguém. Só registre o encontro ordinário, as fagulhas e as chamas intermitentes. Aliás, comece a me esquecer bem devagar. Quem sabe um sonho, outra vida, uma aposta divertida... Respeite o silêncio e a distância da espera.