terça-feira, 6 de dezembro de 2011

SOBRE AS CULPAS


a impossibilidade é o eixo de toda rota. e a fúria não veio; e  o  infundado apaixonamento só serviu para atenuar ânimos já  arrefecidos. e as viagens que não fiz continuam nos meus  turvos pensamentos.

a embriaguez serviu para isso! um ânimo mais pluma, ocultando toneladas de culpas e martírios. e, num descontrole, aço e vidros em cacos abriram filetes  de sangue pelo meu rosto. acuado como forasteiro, nem sinfonias abrandavam o espírito indolente! e, reconhecendo tal abismo, mesmo assim, não podia escutar tua voz do fundo do poço; e minha poesia era menor do que supunha; e tive asco do teu  corpo... e tive asco de meu corpo! 

Todas as quedas são invariavelmente necessárias; não há júbilo nisso que te acossa! temer e seguir em frente, este era o aprendizado perene! nenhuma derrota foi suficientemente duradoura e vexaminosa para te fazer desistir dos planos bem preparados no calor do ímpeto!  e se tinhas essa inquietude em falso; e se tinhas esse embalo adocicado das noites primaveris; e se tinhas amor para oferecer, quem poderia lhe culpar por amar demais? e, se em algum momento, a descrença no amor foi a incapacidade de conviver, ninguém poderia lhe condenar por isso! não é possível amar na clausura dos matrimônios formais! não é possível repetir palavras apaixonadas quando a alma está incerta e busca uma serenidade ainda encoberta. 

por fim, ao dizer palavras miúdas e céleres esbofeteadas, tudo se reduzira à pequenez de compreender o todo. se isso foi importante para despertar nossa cambaleante união, não considerei isso ofensa grave. já tinha esses pressentimentos noturnos; e isso foi crescendo de tal forma, que ganhou a dimensão do caos. e o que era aparente retornou como essência-mor; afinal, tudo que é aparente esconde deficiências internas, inseguranças e aceitação externa! e, novamente, com todos esses elementos à mão, pude retomar o esteio da existência. sendo solitário, não tive pena da pequena vítima que agonizava em centenas de flocos dentro de mim...
   
 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

vira-latas


Antes, nossas bocas despertavam muito antes da aurora e os nossos corpos se impregnavam de sinfonias angélicas sob as peles incandescentes. E olhávamos para o empíreo e tínhamos certeza de que o catarro da discórdia dava vazão para um firmamento verde-esmeralda... e esse era o pulmão do mundo imaginado... uma transcendência límpida que ardia nossos olhos e lacrimejávamos como se estivéssemos na dimensão infante dos primeiros desejos.

Tudo se desmanchava diante dos horários fixos de raros prazeres. O despertar do transe era de uma violência singular. Ficávamos grudados e não queríamos sair do leito. Os exploradores só existem para nos deixar com essa cara de vira-latas abatidos...

esquecimento


O esquecimento é pior do que a morte. No fundo de nossa ruína este foi o elevado preço do mergulho de nossas vozes. Se éramos inquietos e voadores; se éramos jovens e festivos; se éramos plenos e mordazes, isso foi se extinguindo. O esquecimento é a última etapa de um auto-abandono. Aos poucos tudo é terra arrasada.

palimpsestos [1]


Já não falam. Gritam! Precisam ser alucinadamente ouvidos; precisam se certificar de que serão escutados. A conversa pobre, gírias padronizadas e todos os estereótipos possíveis. E, assim como asnos, viajam no autobus-náufrago com a lentidão de ‘orelhas chuvosas’. O autobus agora é densa veia de cinza e sangue coagulado! Aquela juventude-esmeralda e os cabelos multicores em névoa me parecem fantasmas desplugados e literalmente desgovernados.

A jovem nua que respira o ar fresco e ascende entre a miséria homogênea de menininhas sem ardor traz as mãos crispadas sobre um punhal de aves sem nome...E sua dor angelical é imensa como o deus-silêncio de Spinoza. E ela trepa veloz sobre o meu falo-fogo e mija quente em minhas pernas...e desgovernados seguimos na marcha onírica.

pampa

a pampa dos versos e das milongas invernais
não é por certo
a deletéria paisagem vil
da infância rude

a pampa invade a
alma residente
em ilha de degredados

o sonho presente
de um tempo desnecessário
e eu não tinha mais
a compostura dos néscios!

esta fronteira insiste
em traduzir a pampa da lucidez
o campo aberto
e noites encordoadas na cordeona
andaluz!

a visitante

longo trajeto que lembrava corredores de hospitais, enfim, revelava a porta do meu apartamento. passos apressados atrás de mim e, de repente, um cheiro aziago de alguma bebida alcoólica misturada com cigarro barato mentolado expressaram palavras intraduzíveis da boca feminil.

chorava e gritava desesperada e compreendi que deveria convidá-la para entrar. sentou-se no sofá da sala com o corpo num ângulo de quarenta e cinco graus. preparei um café forte e quando retornei para sala, já adormecia. só então pude percebê-la. os olhos graúdos, de íris muito escura. pernas torneadas e seios ocultados por uma mini-blusa. os cabelos encaracolados e o rosto em fantasia, pois que a maquiagem fora desfeita pelas lágrimas. e sem contrato com o tempo, retirei suas botas e sua saia sem qualquer reação, já que embriagada, apenas resmungava expressões ininteligíveis. por fim, também adormeci. quando acordei, já não estava no sofá. senti que havia perdido algo importante; como se o ‘ato de cuidar’ fosse algo tão pouco presente em minha existência. recolhi as xícaras e o bule de café. enfiei tudo na pia, que há muito não via água sobre aquela louça acumulada. 

já era tarde. momento em que a madrugada fica estranhamente silenciosa e mesmo o coração se aquieta... nebuloso e resignado! ao chegar ao quarto lá estava ela. deitada sobre o colchão amarelo;  comprimiu seu corpo ao meu e pude vislumbrar os mamilos muito róseos; e tinha um sorriso danado que desmontava a sisudez do quarto de paredes descascadas. 

a noite se prolongara e nada sabia daquela mulher; e nada queria saber de sua vida. e eu a tomei com tamanha fúria, que passei a desejá-la cada vez mais, sem saber sequer o seu nome. e já me esperava desavergonhadamente na entrada do prédio. e ia tirando a roupa, apalpando-me com suas ágeis mãos e dedos muito delicados. e sua língua brincava no meu corpo até à exaustão. 

quando sumiu para sempre, não sofri.  as vestes íntimas no guarda-roupa eram as certezas de sua repentina aparição; nunca reconheceria sua grafia ou sonhos; jamais saberia redesenhá-la ou compreender o que passara conosco naqueles dias de trancafio, onde a fome, a sede e a serenidade eram as únicas leis! 

E me agarrei ao regozijo passado, como lasca fincada n’alma! 

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

sobre manias

e me acostumara com a chuva e o frio. Uma estranha mania passou a consumir meus dias; com o pretexto de alugar imóveis no centro da cidade, ficava horas visitando apartamentos antigos, como se pudesse apreender os cheiros ali depositados; demorava-me nos quartos, na sala-de-estar, na cozinha, no banheiro, nas sacadas...observava cada detalhe: hieróglifos nas paredes descascadas, instalação elétrica precária, o formato e aderência dos pisos.


detinha-me nos rastros deixados por antigos moradores: um bilhete esquecido no criado-mudo; um livro esquecido com várias páginas dobradas; o néctar das palavras escondidas...leituras interrompidas...

E também ali me abandonei.

CIVILIZAÇÃO

Antes
rota e grotesca aparência.
Força das mãos e dentes caninos desenvolvidos.

Fortaleceu-se ao cultivar a terra virgem e a comer do seu trabalho. E os pêlos do corpo se tornaram mais raros. O dom da retórica se desenvolveu e as diásporas contrapuseram civilizados e iletrados.


Adotou rituais universais. E naquela noite de mil horas buscou respostas tardias em manuscritos; e os gozos todos maculados...todas as barbáries cometidas!

Apreendeu os caprichos da terra orvalhada. E eles quando aqui chegaram, com todo o bolor medieval, destruíram rituais, estupraram crianças e mulheres púberes, 'honrando' seus sádicos soberanos com lanças, espadas e cruz! E todo o sangue possível derramado em solo americano.

Tudo risco e engano! O planeta sem água e as crianças banhando-se com merda farta. A morbidez venceu e o espetáculo da tragédia é mercadoria fácil. A dizimação elegante não necessita mais de nenhuma eloquência.

 

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

NA ESQUINA DA MAFRA

Na esquina da Mafra
com a Bento Gonçalves.
O sonho ainda possível
da poesia em fúria.





Derbakes e cordas
tingindo a tarde dos mortos.
Iluminando mendigos
e alimentando o céu plúmbeo.





A decadência de outrora.
A marcha triste dos bêbados.
No largo passo das horas,
mulheres varridas pelo tempo.





E são 'tragos' noite adentro,
nas fronteiras do indizível.
Eu a galope nas notas
e a companheira embalando
o sonho ainda possível...





(letra para uma milonga, Ilha de Santa Catarina
2006).

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

AOS PROFESSORES




Vivencia-se em Santa Catarina e no Brasil um momento nevrálgico da categoria docente na retomada de processos históricos adormecidos desde a década de 1980, quando professores e professoras, literalmente, paralisavam a nação. Em terras catarinenses não podemos esquecer o Plano Estadual de Educação (PEE) de 1984, assentado em bases populares e com a participação efetiva de escolas, associação de pais e professores, universidades públicas e sindicatos. Tempos em que a radicalização democrática era, de fato, um princípio ético a ser perseguido.

As mudanças históricas no final da década de 1980 e o triunfo do capital na década de 1990 esfacelaram as representações sindicais e desqualificaram a identidade docente. O pragmatismo pedagógico, a instrumentalidade do conhecimento, associado a índices alarmantes de evasão, repetência e violência no território escolar, passaram a fazer parte das tristes estatísticas no campo educacional. O Estado passou a ser ‘mínimo’ no que concerne aos investimentos educacionais e ‘máximo’ no que se refere ao controle de índices de aprovação, produtividade docente e vigilância aos professores afastados por motivos de doença crônica. Com tais dados à mão, as políticas públicas educacionais poderiam revolucionar este solo árido em que se transformou a escola brasileira que, apesar de tudo, ainda apresenta em seus quadros educadores valorosos, engajados empiricamente e compromissados com a sua comunidade local.

O educador popular Paulo Freire (1921-1997) enfatizava que homens e mulheres feridos como ‘seres de compromisso’, aos poucos vão abandonando suas lutas cotidianas e, infelizmente, tornando os espaços sociais desprovidos da ação transformadora, tão necessária em tempos de ‘fundamentalismo do mercado’ e a paradoxal ‘privatização da ira individual’. Logo, no epicentro destas questões essenciais, deve-se compreender que a insatisfação do trabalho docente não pode ser desconectada de todas as demais instâncias deliberativas da escola e das políticas públicas propagadas até o momento. Em tempos escassos de referências humanas íntegras, os professores devem continuar lutando por uma educação pública de qualidade, tendo como princípio-mor uma sociedade justa, solidária e igualitária.


terça-feira, 4 de outubro de 2011

DESVELOS (RELEITURA EM MESA DE BAR)




E, de repente, fiz-me dezenas de perguntas; os oráculos nesta hora se calaram, pois acreditavam, piamente, no silêncio farsesco de suas sabedorias.


Que se ame sem perda integral, nos moldes sem censura, no crispar dos corpos e no regurgitar do amor. Que as mazelas da noite, tal qual feminil prostituída e irreconhecível, possa irromper entre as esferas do medo!

Que se ame, mas que o amor não seja de um mais solene ou de outro mais ardente...que o amor se transfigure numa unidade destemperada e sem culpa...que o amor responda pelos seus destinos e obscenidades...

Que a fábula se rasgue e transpareça a gota orvalhada no caos do gozo total...Quando clamei aos deuses, riram do meu destino e cuspiram “groselhas de fogo” em minha face mirim. Infância destituída de onirismos e uma irmandade sem apiedações. Enfim, a chama do amor Fatal!

Que se ame quase que como num assombro tresloucado. Que a volúpia também encontre seu degredo. Que a dependência psíquica e o afeto desproporcional rebentem as últimas tábuas de salvação, tal qual flechas de fogo, rasgando o ventre das estrelas...lá no céu...!

                                                                                                                     1999.

OCASO


Duas taças de vinho me puseram em suposta leveza... Quando te encontrei, vi-me encurralado e sem ação... Teus olhos eram negros... Muito negros. Tuas mãos frias, desalentadas...


Brincamos como duas crianças e eu sabia o que a noite reservava a ambos... Sentamos nos bancos de um quiosque mal iluminado, peguei tuas mãos e disse coisas sem nexo... Nossas pernas se roçavam, nossas bocas próximas e os corações distantes... Disseste: “Não temos jeito!” - tuas últimas palavras...


Depois dessa noite triste, mergulhaste profundamente na agudeza de teus fracassos e de tuas mortes cotidianas ... e eu pensava, - serenamente - em como não te dizer nada e nem te procurar ....

FÁBULA







Na relva macia onde eles se entregavam, os espiões se refestelaram de novidades e toda a cidade soube do acontecido e todos se voltaram contra eles...

Eram jovens e bonitos. Ela tinha este brilho fácil das jovens de sua idade, o rosto macio, os cabelos loiros e ondulados e uma pureza inconteste. Ele era altivo e sereno. Não era rude, antes delicado e viril, sem ser vulgar e pernicioso. Diria mesmo ser um par raro.

Mas, estas cidadezinhas vis, onde os homens são taxados de frouxos e que bebem muito para esquecer as mágoas, nunca mudarão seus hábitos tácitos.

Os jovens foram expostos como criminosos. Recriminados por amarem livremente e por serem puros.    
Degolam-se cabeças como se degolam ervas daninhas. Misturas de tudo que é nocivo à boa planta.

Logo, quando amanheceu naquela cidadezinha torpe, encontrava-se em frente à casa do jovem uma mulher de luto, imensa cabeleira pestilenta, trazendo na mão uma Bíblia em frangalhos e uma corja de tantas velhas infaustas.

O rapaz assistiu sua casa ser queimada. Os ladrilhos arderam em chamas e os vidros das janelas, estilhaçados pelas pedras, rebentaram como disparos de revólveres.

A cidade estava salva daquele pequeno demônio. A moça passaria a morar com a tia distante, até que todos se esquecessem do ocorrido.

Eles nunca mais se viram. Sabe-se que a cidade está maior (principal produtora de arroz da região). Onde os jovens costumavam se encontrar foi erguido um enorme silo para guardarem cereais. Estranhamente, o silo tinha uma fragrância de rosas e todos que ali entravam tinham a sensação de estar flutuando.

Covardemente, o silo foi queimado.

FINITUDE






Quando tudo parecia bem, alegrava-se de maneira imbecil. Acreditava que tudo era fantástico. Assassinava todas as incredulidades e até achava que estava feliz. Mas, não podia. Porque o que ele via era muito mais grave. E era estarrecedor. O homem gordo, de aparência bondosa, jogava palavras cruzadas na sala. O filho ocupava o tempo com videogame. A mulher, também muito obesa, avistava as estrelas e tentava achar o ‘cruzeiro do sul’. Assim foi o que viu na casa de um amigo. A morte metafórica dos pais. E isto lhe revoltou o estômago.

Teve vontade de gritar, de sair correndo inúmeras vezes. As piores noites eram aquelas de solidão. Sem amigos, sem vozes. Apenas a televisão ligada num canal qualquer. Emitindo asneiras e sinais irritantes. Preparou o chimarrão. Tentou ler. Colocou um CD em seu aparelho de som. Música Popular Brasileira. Uma mulher que ficava sozinha na praia, brincava com a areia e com os peixes. Achou a canção surrealista. Desligou o aparelho. Sorveu o amargo e tentou continuar a leitura. O texto era sobre a infância de um garoto que havia mentido para um rapaz mais velho sobre a sua valentia. A mentira lhe valeu a honra. Chovia. Espreguiçou. Pareciam noites de carnaval.

No centro da cidade muitos tambores indicavam ensaios de escolas de samba. Aquilo tão próprio do Brasil não lhe pertencia. Os negros desciam os morros, cantavam, sorriam, bebiam e dançavam. Retomou a leitura, mas seus olhos não saíam da mesma linha. Espreguiçou. Telefonou para um amigo. Não estava. Ligou para uma amiga. A secretária eletrônica respondeu. Desceu as escadas do prédio. O céu plúmbeo prenunciava uma chuva. Caminhou pelas calçadas sujas do bairro. Se a chuva começasse naquele instante, os bueiros ficariam todos entupidos, imaginou.

Mais tarde contou que havia visto a face da morte. Ela não era horrenda. Era calma, tranquila, feminina. Além do mais, era paciente. Sabia a hora de levar os seus escolhidos. Todos tentavam lhe consolar. Todos? Pouco mais de três amigos. E, por todas as mortes, riu de tudo, um gargalhar largo de quem não precisa provar mais nada.



ENTREVISTA NA RÁDIO GUARUJÁ - AGOSTO DE 2011





А jornalista Carol Gonzaga e os músicos Jéferson Dantas (esq.)  e Júnior Guerra (dir.). Os créditos das fotos são de Dienífer Dantas Bartnik



Júnior Guerra e Jéferson Dantas divulgam o projeto 'Milongas Urbanas'. 



A primeira canção durante a entrevista: 'Marcha Estradeira'.




A foto final. Agradecimentos especiais à jornalista Carol Gonzaga e à equipe da Rádio Guarujá AM Florianópolis/SC

sexta-feira, 23 de setembro de 2011