sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A MERITOCRACIA DOCENTE EM SANTA CATARINA






O atual governo de Santa Catarina pretende implementar a meritocracia nas escolas públicas, objetivando avaliar o rendimento de professores e professoras. Tal modelo – que inclusive fracassou nos EUA – tem sido adotado em algumas unidades da federação, como é o caso de São Paulo, que teve como mentor o então secretário de educação e ex-ministro do governo FHC, Paulo Renato Souza (1945-2011). A meritocracia docente ou a 'ideologia do esforço individual' terá como avaliadores os 'gestores das escolas' que, como se sabe, são cargos de confiança do governador. Em outras palavras, quais serão os critérios para se avaliar as práticas pedagógicas dos educadores? Estariam os professores a mercê de uma avaliação draconiana e antidemocrática? Para ser bem avaliado o educador precisaria estar sintonizado aos ditames dos partidos políticos que formam a 'tríplice aliança'?

As razões para a aplicação de tal modelo estariam assentadas nestas motivações: os professores faltam muito e há diversos afastamentos por motivos de saúde. Tal argumentação, tão epidérmica quanto preconceituosa, revela que o Estado pretende se desresponsabilizar cada vez mais de suas obrigações com o campo educacional, onde se deveria inscrever um plano de carreira digno e uma maior atratividade salarial para os futuros professores. Por outro lado, isto não significa que os professores não precisam ser avaliados, mas tais critérios precisam ser discutidos de forma coletiva com as instâncias deliberativas das escolas (conselhos deliberativos, APPs, grêmios estudantis e conselhos escolares) e com o sindicato que os representa. Isto pressupõe condição precípua do compromisso social e público dos professores. Além disso, a conformação dos saberes definidas pelo Estado são bastante decisivas na reformulação dos currículos, concorrendo para uma estratégia perversa de mecanismos avaliativos arbitrários na educação formal; e aqui me refiro, basicamente, à possibilidade do governo catarinense em comprar cartilhas de alfabetização de um grupo privado educacional para os primeiros anos do ensino fundamental, transformando os educadores em aplicadores de materiais pedagógicos ou de instrutores desqualificados de seu saber.

 A educação básica pública, nos moldes defendidos pelo atual governo, tem minimizado de maneira nefanda a capacidade de intervenção de educadores e educandos, já que as unidades de ensino vêm sendo tratadas como currais eleitorais, esvaziando a sua intencionalidade/autonomia pedagógica. Se ficarmos apenas na questão de quem ‘ensina melhor’ e de quem ‘ensina pior’ (um maniqueísmo mecanicista e determinista) não conseguiremos visualizar de forma mais ampla as condições de trabalho pelas quais os dois perfis de trabalhadores estão/são submetidos. Como já foi revelado em extensa pesquisa organizada pelo psicólogo Wanderley Codo no final da década de 1990, mesmo os ditos ‘bons professores’ com o passar dos anos vão se tornando desmotivados, exaustos emocionalmente e despersonalizados. Cabe lembrar que a formação continuada em Santa Catarina nos últimos nove anos foi praticamente inexistente. Logo, preocupar-se com a qualidade da educação em Santa Catarina, significa compreender a complexidade das relações de trabalho nestes espaços sociais e não culpabilizar os professores pela má qualidade de ensino. O modelo de educação estatal catarinense tem primado pela gestão tarefeira, além da exploração incessante de uma força de trabalho intelectual precarizada e que é responsável diretamente pela formação das novas gerações nesta federação.



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

ANULAR O VOTO EM FLORIANÓPOLIS

   A configuração espaço-temporal em Florianópolis é assimétrica do ponto de vista social e econômico, principalmente em seus territórios periféricos. Tais reordenações e contradições espaço-temporais sob a ótica da lógica do capital apresentam efeitos sensíveis, corroborando para um apartheid social aparentemetne invisível. Em outros termos, há claramente um desenvolvimento geográfico desigual na capital catarinense: uma cidade para os que possuem muitos bens materiais e outra cidade para os despossuídos, subempregados ou precarizados.

   O pacto urbano inexiste em Florianópolis, já que justamente a desmobilização ou incapacidade de articulação das lideranças populares têm ocasionado um tipo de violência – por parte das políticas estatais – que ignora ‘o outro', como se esse não fosse portador de discurso, apagando definitivamente o litígio constitutivo da política. Tal aposta no vazio político e o silenciamento das falas de dissenso são produtoras e reprodutoras da violência legítima estatal; a busca do consenso na pólis se dá pelo apaziguamento do conflito e das tensões sociais; por meio da privatização dos espaços públicos, tornando-os cada vez palatáveis à gulodice do mercado imobiliário. O etnocentrismo da classe média irrompe com o seu senso comum, evidenciando posturas conservadoras, limitadoras ou reducionistas diante deste jogo pseudo-democrático.

   Além disso, a ‘guerra' do crime-negócio - que consome a vida da juventude dos territórios empobrecidos da Grande Florianópolis numa faixa etária média que vai dos 14 aos 22 anos - não pode ser traduzida tão-somente pela associação ao narcotráfico, mas principalmente por uma política policialesca que enxerga a totalidade dos moradores destes territórios como ‘classes perigosas', onde as mesmas precisam ser combatidas não com políticas públicas, mas com repressão e extermínio. Tais territórios que apresentam pouca atratividade ao capital, recebem apenas reformas pontuais para não elevar o nível de insatisfação dos pobres, afinal, estes/as moradores/as fornecem farta força de trabalho barata para a construção civil, para o comércio local e para o subemprego. A contenção da rebelião popular em Florianópolis é realizada pelo mais raso e asqueroso assistencialismo, aliás, mote da campanha dos dois candidatos à prefeitura da capital de Santa Catarina, denotando velhas práticas oligárquicas de servilismo civil.

   No conjunto das forças sociais em litígio, a anomia é utilizada como pretexto ou argumento por estes partidos conservadores e pelos meios de comunicação de massa, que ao adaptarem seus discursos a um controle repressivo e excessivo dos ‘desvalidos', exigem a responsabilização penal para a juventude delinquente. Ignorar, porém, dezenas de milhares de seres humanos numa cidade que já sofre consequências alarmantes de mobilidade urbana, custo de vida elevadíssimo, escolaridade pública precária, despreparo policial e saúde ineficiente, não é a melhor saída na conjugação de um pacto civilizador atuante e propositivo. Anular o voto no dia 28 de outubro parece-me redundante. Há de se pensar a partir de agora como os movimentos sociais podem se articular nos próximos quatro anos para que esta cidade não seja totalmente devastada!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

RESPOSTAS PARA A EDUCAÇÃO




 
Um determinado conglomerado midiático em Santa Catarina lançou, recentemente, uma campanha publicitária em que emerge como ponto fundamental os desafios da educação pública. Para tanto, utiliza-se de artifícios muito comuns às ONGs (organizações não governamentais), ou seja, atividades de recreação nas escolas com o apoio de voluntários; envolvimento de pais e estudantes em temas considerados relevantes (bullying, uso de entorpecentes, sexualidade, etc.); reconhecimento da valorização do magistério, etc.. Com a lei do voluntariado (Lei 9.608/1998) decretada durante o governo FHC (1995-2002), muitas empresas se dedicaram à problemática educacional no melhor espírito da responsabilidade social, convertendo as principais demandas do campo educativo como uma questão de 'prioridade nacional'.

Olhando por tal prisma, poderíamos supor que tais empresas estão seriamente comprometidas com as demandas da escola pública e de seus sujeitos envolvidos. Afinal, tudo parece indicar que é por meio da educação que se resolve questões determinadas pelo capital. Em outras palavras, lembrando a sábia recomendação do educador Dermeval Saviani, “tornou-se frequente a afirmação de que a solução para os problemas que afligem a humanidade, desde a violência, passando pelo desemprego, a miséria e a exclusão social e até as agressões ao meio ambiente, passam pela educação. A educação – de elemento socialmente determinado - passa a ser determinante das relações sociais”. Fica-nos a pergunta: a educação tem todo este poder de transformação? Numa sociedade dividida em classes, com projetos diferenciados de escolarização (uma escola para os filhos da classe trabalhadora e uma escola para as elites dirigentes), é possível se pensar num modelo pedagógico realmente emancipador? Tais perguntas não fazem parte, evidentemente, do roteiro deste grupo midiático, pois isto significaria, aí sim, encontrarmos algumas respostas para a educação pública.

Em 2011 o magistério catarinense fez uma de suas maiores e mais contundentes paralisações em defesa da implementação do piso salarial nacional, apontando também o descaso do poder público com a manutenção das escolas e denunciando o fechamento de tantas outras. Para onde vão as crianças da classe trabalhadora quando uma escola pública cerra as suas portas? O que dizer de jovens licenciados que não querem saber do magistério por conta dos salários aviltantes e de um plano de carreira desmotivador? E o que dizer dos diretores indicados pelo governador? E do recorrente assédio moral aos poucos diretores eleitos por determinados políticos que se sentem 'donos' das escolas públicas? Ora, as respostas estão na própria sociedade que engendra diferenças de classe e, consequentemente, diferentes projetos educativos. Todavia, a escola pública também tem a sua cota de responsabilidade, ou seja, poderia ser um ambiente muito mais politizado, potencializando os grêmios estudantis e os conselhos deliberativos, valorizando o conhecimento docente e discente e dedicando-se a um sistemático estudo de sua condição de classe.

Santa Catarina apresenta um perfil pedagógico bastante conservador em suas escolas. Democratizá-las significaria romper com o clientelismo barato e ter trabalhadores em educação altamente qualificados e bem remunerados, preferencialmente com dedicação exclusiva a uma única unidade de ensino. Estas, sim, são respostas tangíveis, emancipadoras, libertadoras, factíveis. As escolas não precisam de circos itinerantes, mas de proposição pedagógica!




quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A MILITÂNCIA NA ESCOLA PÚBLICA


Num pequeno livro de caráter militante (Contrafogos), o sociólogo francês, Pierre Bourdieu (1930-2002), demonstra em pequenos artigos como os regimes neoliberais – compreendidos como uma 'utopia' de uma exploração sem limites – têm conseguido desmantelar todos os serviços públicos oferecidos à sociedade. Bourdieu assinala que a individualização dos salários em função de competências individuais, têm gerado continuamente a degradação e a atomização dos trabalhadores. Ressalta ainda o sociólogo, que vivemos um período dramático de 'crise de militância' ou, na pior das hipóteses, uma adesão irrefletida às teses do fatalismo econômico determinada pelos governos neoliberais.


De fato, as políticas públicas no campo educacional têm sido definidas por certos economistas que infestam os noticiários televisivos na condição de experts, revestidos de uma racionalidade matemática/financeira, que objetiva a produção e a reprodução da utopia neoliberal; lidam com números frios e calculistas, comparando escolas públicas e escolas privadas, como quem coteja empresas indiferenciadas na corrida insana pelo lucro; tratam escolas e professores de forma homogênea, prestigiando os ranqueamentos educativos em detrimento da ausência de investimentos permanentes e públicos na formação docente e na reestruturação do parque escolar nacional. Estes economistas reagem mal aos inconformados, utilizando-se da pureza racional e cínica, tipicamente emoldurada pela lógica capitalista, subservientes que são de um modelo que ajudaram a construir e pelo qual são os seus mais aguerridos defensores.


Florestan Fernandes (1920-1995), prestigiado sociólogo brasileiro, sempre acreditou na militância pela escola pública como alternativa a um modelo pedagógico dualista e profundamente desigual, via de regra, fomentador de uma classe apta a obedecer e ser explorada e uma classe proprietária dirigente. Florestan argumentava que os professores das escolas públicas tinham uma responsabilidade cívica e intelectual com aqueles que mais precisavam da escola, e isso significava ir além de uma crítica epidérmica e reprodutivista da sociedade capitalista, da qual a escola é um de seus reflexos. Espaços escolares despolitizados e com trabalhadores em educação desmobilizados são terrenos férteis para a aceitação tácita da utopia neoliberal. Logo, a 'crise da militância', apontada por Bourdieu, nada mais é do que a crise do debate político nas escolas e para além delas, o que denota a pouca clareza de um projeto educativo que avance para além do capital.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

OS 80 ANOS DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA


O manifesto dos pioneiros da Educação Nova completa 80 anos em 2012. Tendo como signatários educadores da estirpe de Anísio Teixeira (1900-1971), Lourenço Filho (1897-1970), Fernando de Azevedo (1894-1974) e Paschoal Lemme (1904-1997), além de literatos como Cecília Meireles (1901-1964), o documento de algum modo mantém a sua atualidade.
Nos idos da década de 1930 poucos brasileiros tinham acesso à escola. A longa tradição colonial em nosso país (1500-1822) consentiu marcas inapagáveis em nossa estrutura educacional, excluindo desde a sua gênese parcelas significativas de crianças e jovens negras do meio rural e urbano, além de filhos da classe trabalhadora que, incipientemente, dirigiam-se ao trabalho industrial. É para esta ‘nova sociedade’ (industrial) que os pioneiros apontam as suas palavras. Contudo, as poucas escolas existentes no Brasil concentravam-se na área urbana, beneficiando as elites políticas e econômicas.
Para os pioneiros, a educação era mais importante do que a economia no que dizia respeito a um projeto de Estado-Nação. Evidente ironia nos dias coevos, se levarmos em consideração que são os economistas (experts) que traçam estratégias no campo educacional, preocupados com estatísticas que atendam o receituário dos organismos multilaterais (BIRD, FMI, etc.). Os signatários eram enfáticos ao afirmarem que naquele contexto histórico, após quatro décadas de regime republicano, o sistema educacional brasileiro ainda não atingira uma organização escolar à altura das necessidades modernas. Tudo era fragmento e desarticulação! Em outras palavras, o Estado nacional era inepto em todas as suas iniciativas neste setor, desde os fins da educação (aspectos filosóficos e sociais) até as questões técnicas/métodos científicos aplicados aos problemas educacionais.
As reformas educacionais que ocorriam ainda timidamente em alguns estados brasileiros, levados a cabo, principalmente, por Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, serviam de contrapé para as problematizações que os pioneiros desejavam levar para arenas políticas mais amplas, confrontando-se com a perspectiva pedagógica livresca e verbalista herdada dos tempos do império. Havia aí, por conseguinte, uma clara defesa da laicidade nos sistemas educativos em confronto direto com as escolas confessionais.
Os pioneiros reconheciam ainda que todos deveriam ter acesso à escola independente de sua condição econômica, portanto, urgia que o parque escolar público se expandisse de forma considerável em detrimento das escolas privadas voltadas às elites dirigentes. Além disso, ponderavam que o Estado não poderia exigir ensino obrigatório sem que o mesmo fosse gratuito. Fica-nos evidente também a imensa contribuição pedagógica de Anísio Teixeira, no que concernia à descentralização dos sistemas educacionais e o respeito às diversidades regionais, embrião do que preceituaria a nossa atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996).
O manifesto dos pioneiros da Educação Nova de 1932, embora redigida apenas por Fernando de Azevedo, possuía grande influência do pragmatismo do filósofo estadunidense John Dewey (1859-1952), interlocução realizada por meio de Anísio Teixeira. As experiências das reformas educacionais na década de 1920 elaboradas na Bahia por Anísio Teixeira, no Ceará por Lourenço Filho e no Distrito Federal por Fernando de Azevedo, eram, nesta direção, claramente de teor liberal; não se discutia os descaminhos do modo de produção capitalista sob bases industriais em marcha no Brasil. A democracia não podia ser confundida com comunismo, como diria anos mais tarde Anísio Teixeira, quando foi perseguido politicamente pela ditadura varguista.
E é justamente por meio deste discurso democrático que os escolanovistas vão justificar que o acesso à escola (igualdade de oportunidades) naturalmente filtrará a ‘hierarquia das capacidades’; ou seja: os melhores alunos se sobressaem, ainda que saibamos que acesso e permanência escolar continuam sendo elementos fundantes e perversos no que dedilha aos desafios educativos brasileiros, especialmente quando os evadidos ou repetentes pertencem às classes sociais mais desfavorecidas.
Por fim, o manifesto dos pioneiros como documento histórico, reata a enorme incapacidade das políticas públicas nacionais – e de seus sucessivos governos – de compreender a educação como investimento permanente e não como área propensa a reformismos pontuais, não raramente sujeita a improvisos pedagógicos. Se podemos hoje em dia contestar pontualmente os princípios ideológicos presentes em tal documento, por outro lado parece-nos inescapável que oito décadas depois de sua elaboração, o Estado brasileiro permanece indiferente aos clamores dos sujeitos da escola pública e, portanto, isto gera consequências avassaladoras para os/as que mais precisam da escola.

PARA SABER MAIS:

DANTAS, Jéferson. Perspectivas Educacionais no Pensamento de Anísio Teixeira e Paulo Freire, PerCursos, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2007.

PAGNI, Pedro Angelo.  Do Manifesto de 1932 à construção de um saber pedagógico: ensaiando um diálogo entre Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Ijuí, RS: Editora Ijuí, 2000.




PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO


Os conquistadores europeus pilharam as riquezas naturais do continente americano e escravizaram os povos nativos que aqui residiam; impuseram-lhes novas identidades e cometeram verdadeiros genocídios culturais em nome de uma fé monoteísta. Os saqueadores se refestelaram em solo europeu, receberam títulos nobiliárquicos e depois descobriram o lucrativo negócio do tráfico negreiro, assassinando seres humanos nos porões das embarcações insalubres, submetendo-os a um trabalho cruel para beneficiar a gulodice das monarquias divinas.

Cinco séculos depois o processo colonizatório permanece no estatuto curricular das escolas brasileiras, influenciadas pela importação de teorias educacionais provenientes da França, Espanha e Portugal, além dos Estados Unidos da América. No âmago dos litígios que envolvem as teorias do currículo, almeja-se uma proposição pedagógica pós-colonial, que reconheça a materialidade dos processos históricos e reconduza cada nação para os seus enfrentamentos educativos específicos. A colonização pedagógica esteve presente, por exemplo, durante a ditadura militar (1964-1985), nos famosos acordos entre o MEC e a USAID (United States Agency for International Development), esta última uma agência estadunidense que não só estabeleceu programas de formação docente, como instituiu roteiros programáticos na elaboração de materiais didáticos.

Nenhuma condução pedagógica será suficientemente consequente enquanto não tiver compromisso histórico com o seu passado e com o seu devir. As escolas públicas brasileiras padecem de brio revolucionário, já que se organizam via de regra como espaços da apatia política, onde os seus sujeitos partícipes pouco discutem um projeto educativo, tomados que estão pela intensificação da jornada de trabalho (no caso dos professores) e pela frágil interatividade entre a comunidade escolar e a comunidade local atendida.

Ao clamar-se por uma ‘pedagogia da indignação’ opta-se claramente por uma perspectiva curricular que assinale o conflito e o compromisso como elos permanentes das mudanças nas práticas pedagógicas. O conflito deve ser compreendido aqui não como impossibilidade, mas como a chave mestra do aniquilamento de consensos burocráticos e oficialescos perpetrados pelo Estado Liberal. As contradições intrínsecas pertinentes às escolas representam dados salutares na composição de um desenho curricular que não seja mais refém do genérico e do arrazoado teórico identificados com o eurocentrismo. 





terça-feira, 5 de junho de 2012

OS OLHOS DO PAI

Só posso falar
do que eu vi
do que vivi
ao lado deste pai
caçando
perdiz ainda piá.

Juro!
Como se fosse ontem mesmo
esta lembrança
nem ruim nem boa
veio trazida por esta
garoa.

Juro!
Vi os olhos do meu pai
ainda despertos
dizendo-me coisas
que só hoje
pude entender.

VIRAÇÃO

a cidade
desaparece
nesta imagem opaca
berço
das almas
insones.

vírgulas, pontos e
reticências

regime da espera
vento frio
solapando
e enrijecendo
a carne

é viração!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Uma verdade incômoda


No filme argentino A História Oficial, de Luis Puenzo, produção de 1985 e ganhador do Oscar de melhor filme em língua estrangeira, o tema se volta ao período do regime militar naquele país, tratando de questões espinhosas, tais como o sequestro de crianças de pais e mães torturadas pelas mãos do aparato militar. Em nosso país, a fronteira que nos separa do regime militar (1964-1985) e o recente período de redemocratização, ainda apresenta sérias e consequentes cicatrizes, anestesiadas pela nefasta Lei da Anistia de 1979, que beneficiou, mormente, os torturadores.

No momento em que o Brasil retomou o Estado Democrático e de Direito, houve uma nítida manobra do último governo militar em evitar julgamentos e condenações de militares e civis mancomunados com o Estado de Exceção; os atentados às liberdades individuais precisavam ser sumariamente esquecidos, como se fosse possível apagar da memória coletiva tantas atrocidades e o desaparecimento de centenas de corpos de militantes políticos. Os processos de escolarização foram totalmente demolidos no que concerne à sua autonomia curricular e às práticas pedagógicas vigentes antes do golpe; primeiramente, por meio da mal fadada Lei 5.540/1968, responsável pela reforma das universidades públicas, que se traduziu na departamentalização e burocratização da vida universitária, dissociando os centros de ensino e estabelecendo um modus operandi voltado ao individualismo e à ausência de ‘traços ideológicos’ em seus diferentes modelos formacionais; e, posteriormente, pela Lei 5.692/1971 – que passou a reger legalmente o ensino de 1º e 2º graus –, trazendo em sua composição curricular disciplinas nitidamente voltadas ao civismo, submissão às regras e amor ao país, como eram os casos das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil.

Negar à sociedade brasileira a abertura dos arquivos da ditadura militar é sonegar uma parte fundamental de nossa História. A passividade com que se tratou o tema até o momento encontrou, finalmente, o seu ponto de inflexão. Para os que acreditam não ser necessário mexer nas feridas do passado, importante se ressalvar que a cultura autoritária ou a cultura da arbitrariedade é um fenômeno político ainda presente em nosso país. Não se destrói uma experiência ditatorial com uma pá de cal e/ou uma Lei de Anistia canhestra. Trazer à tona este período histórico do Brasil é reconhecer que ainda precisamos reescrever inúmeras páginas dos livros didáticos de História e fomentar o debate com as novas gerações de estudantes, nascidas e criadas num contexto de ampla liberdade de expressão à custa de tantas vítimas massacradas pelo Estado Militar. Não temos de nos orgulhar da ‘passividade do povo brasileiro’, vista tantas vezes como uma qualidade e menos como alienação política. Aos poucos se recuperará o que foi deturpado historicamente e a sociedade brasileira terá condições de vislumbrar o seu devir convicta de não ter permitido que a sua memória e identidade fossem aniquiladas pela mão de ferro dos ditadores e de seus acólitos que ainda perambulam por aí.




terça-feira, 20 de março de 2012

GÉLIDA



A realidade rumorosa e ensurdecedora descortinou a manhã de neblina, atiçando os instintos ativos. Calço os chinelos do medo e abraço a água que me banha. Ainda que trôpego, visto camisa e calça social, além de sapatos bem lustrados. A panificadora onde costumo tomar café todas as manhãs tem uma tristeza inominável. E os farelos do pão se transformam em brincadeiras de formigas.

Mas, tudo ainda era o teu semblante! A dureza gélida dos teus lábios e a pedraria dos teus olhos me mortificava fundo. E era um silêncio interior de corroer vísceras... e cada vez me convencia sangrando de que os sonhos são bestas multiformes e intratáveis...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

PEDAGOGIA DA 'INVENÇÃO'


O jogo de forças entre diferentes grupos sociais e políticos, com distintos bens econômicos e simbólicos, refletem-se, sobremaneira, no território escolar. Este reflexo, porém, não se dá de forma mecânica e reducionista. No caso específico das escolas públicas, ainda existem elementos que valorizam – por parte dos professores e professoras – o estudante ou a estudante que corresponde ao ideário escolar, ou seja, ao/à mais afeito/a às expectativas da escola e, consequentemente, ao seu currículo.
Sabemos, contudo, que não é possível transformar o currículo sem que os trabalhadores e trabalhadoras em educação (agentes da mudança) incorporem em suas práticas pedagógicas diferentes formas de ensinar crianças e jovens que não possuem os códigos culturais e linguísticos das classes sociais mais bem providas de capital econômico. Nos termos do sociólogo francês François Dubet, os ‘sobreviventes’ da educação básica romperam a trágica barreira da seletividade e da meritocracia, ainda que isso não garanta galgar outros níveis e títulos de escolaridade socialmente reconhecidos.
Outro aspecto a ser considerado tange ao mergulho na empiria, que se por um lado favorece novas problematizações no campo da pesquisa, de outro pode ofuscar discussões teóricas mais fundas. A propensão a um praticismo/ativismo ingênuo pode enfraquecer as dimensões teórico-metodológicas que precisariam ser investigadas num determinado recorte espaço-temporal, tão repleto de contradições e suscetíveis a alterações de categorias e conceitos pertinentes à pesquisa pedagógica.
Nos embates e contradições se busca, sobretudo, um compromisso civilizador e o não-encolhimento da vida pública. Tal aposta no vazio político e no silenciamento das falas de dissenso são produtoras e reprodutoras da violência estatal. Logo, a busca do consenso na pólis vai se dando pelo apaziguamento do conflito e das tensões sociais e ainda por meio da privatização dos espaços públicos. Nesta direção, os territórios educativos e a cidade, necessariamente, devem dialogar. Isto significa compreender e tratar as culturas escolares com um olhar voltado às políticas públicas vigentes, diferentemente das práticas pedagógicas da ‘invenção’, hipertrofiadas de subjetividade e relativismos. Na pedagogia da ‘invenção’ tem-se a impressão de que as propostas curriculares oficiais representam um artefato desprovido de sujeitos históricos. Em outras palavras, a linguagem é um fim em si mesmo, repleto de neologismos e expressões semânticas de efeito, pouco propositivas e desvinculadas do sujeito da pólis. Urge, portanto, um compromisso pedagógico público que tenha por horizonte uma formação plena e efetivamente emancipadora.