segunda-feira, 14 de maio de 2012

Uma verdade incômoda


No filme argentino A História Oficial, de Luis Puenzo, produção de 1985 e ganhador do Oscar de melhor filme em língua estrangeira, o tema se volta ao período do regime militar naquele país, tratando de questões espinhosas, tais como o sequestro de crianças de pais e mães torturadas pelas mãos do aparato militar. Em nosso país, a fronteira que nos separa do regime militar (1964-1985) e o recente período de redemocratização, ainda apresenta sérias e consequentes cicatrizes, anestesiadas pela nefasta Lei da Anistia de 1979, que beneficiou, mormente, os torturadores.

No momento em que o Brasil retomou o Estado Democrático e de Direito, houve uma nítida manobra do último governo militar em evitar julgamentos e condenações de militares e civis mancomunados com o Estado de Exceção; os atentados às liberdades individuais precisavam ser sumariamente esquecidos, como se fosse possível apagar da memória coletiva tantas atrocidades e o desaparecimento de centenas de corpos de militantes políticos. Os processos de escolarização foram totalmente demolidos no que concerne à sua autonomia curricular e às práticas pedagógicas vigentes antes do golpe; primeiramente, por meio da mal fadada Lei 5.540/1968, responsável pela reforma das universidades públicas, que se traduziu na departamentalização e burocratização da vida universitária, dissociando os centros de ensino e estabelecendo um modus operandi voltado ao individualismo e à ausência de ‘traços ideológicos’ em seus diferentes modelos formacionais; e, posteriormente, pela Lei 5.692/1971 – que passou a reger legalmente o ensino de 1º e 2º graus –, trazendo em sua composição curricular disciplinas nitidamente voltadas ao civismo, submissão às regras e amor ao país, como eram os casos das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil.

Negar à sociedade brasileira a abertura dos arquivos da ditadura militar é sonegar uma parte fundamental de nossa História. A passividade com que se tratou o tema até o momento encontrou, finalmente, o seu ponto de inflexão. Para os que acreditam não ser necessário mexer nas feridas do passado, importante se ressalvar que a cultura autoritária ou a cultura da arbitrariedade é um fenômeno político ainda presente em nosso país. Não se destrói uma experiência ditatorial com uma pá de cal e/ou uma Lei de Anistia canhestra. Trazer à tona este período histórico do Brasil é reconhecer que ainda precisamos reescrever inúmeras páginas dos livros didáticos de História e fomentar o debate com as novas gerações de estudantes, nascidas e criadas num contexto de ampla liberdade de expressão à custa de tantas vítimas massacradas pelo Estado Militar. Não temos de nos orgulhar da ‘passividade do povo brasileiro’, vista tantas vezes como uma qualidade e menos como alienação política. Aos poucos se recuperará o que foi deturpado historicamente e a sociedade brasileira terá condições de vislumbrar o seu devir convicta de não ter permitido que a sua memória e identidade fossem aniquiladas pela mão de ferro dos ditadores e de seus acólitos que ainda perambulam por aí.




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