sexta-feira, 25 de março de 2011

o jeito sempre 
   fugidio
um jeito de
    dizer sim
  e de dizer não
 
capitular
para quê?
 
simples como
uma febre juvenil
das HQs mais sórdidas
 
oh! ruas fedorentas
 do bairro!
quanta saudade
  dos teus entulhos!

quanta verve
derramada
nas tuas calçadas!

a massa
a se desenhar
em grilhões
e porcarias
 
poetizo
em quadrada
geometria
aquilo
que não me entregaste
em nenhum 
dos dias.
 
 

quinta-feira, 24 de março de 2011

A CIDADE QUE NINGUÉM QUER VER

A cidade que ninguém 
quer ver...
meninas acrobatas
iluminadas
pelos faróis
 
 
e não há nada
nas ruínas
dos mil sóis.
e as igrejas
templos e evangelhos
em frangalhos
 
 
 
e os meninos
deliram(antes)
com
seus brinquedos
automáticos
nos orvalhos.
 
 
 
e o olhar que vaga
só revela 
a sina marginal
 

ELA


E parecia profunda ebriedade quando conduzido pela pretérita lembrança do teu vulto de pernas, cabelos e seios à mostra! Engatilhada como quem nada tinha a perder, ofertava o doce dos lábios e a vermelhidão oblonga do sexo. Suave e intensa foi a noite da primeira entrega, de cansaços de braços e bocas. Por certo veneno e recôndita alegria.

E ainda quando o dia se desmoronava em medos, solidões e frustradas relações íntimas, procurava-me como desencanto mútuo e exigias lascívias selvagens, como bem relatava o corpo repleto de hematomas e sangues de unhas. 

Sem saber de onde vinha ou o que fiz durante todas aquelas horas, só compreendia o desejo e o enredo das confissões prosaicas, mas que sempre ocultavam fenestrações arcanjas e assim, num profundo torpor, sorvia o líquido do cálice em sangue.

E ainda querias companhia. Incerta. Apenas para ter próximo o que o desejo de vísceras teimava de forma eruptiva, flagrante, humana, animal e coruscante!  

    

segunda-feira, 21 de março de 2011

SEM PRESSA

intensos
são os gestos
e os olhos perdigueiros

menino que brinca
e aponta a
língua para o tempo

no mercado público
'almas no curtume'

e o menino
brinca
e lança suas ideias

força-lúdica
no coração
da matéria

SEM TÍTULO, DE EDUARDO SPONCHIADO ROSA, ILHA DE SANTA CATARINA [2011]
 

FÁBULA

Um brinquedo animado
sentido
pesado moinho...


Artefato
cores do infante.


Elos multicores
urgem 
ventos e tambores.
Eis o infante
alarme-tempo
quentura


SEM TÍTULO, DE EDUARDO SPONCHIADO ROSA, 2011.
da vida adiante!

terça-feira, 8 de março de 2011

ILHA-GRIS


Até hoje, quando acordo todas as manhãs e ouço as primeiras cantigas dos pássaros, tenho a impressão de que esta cidade não vai corresponder ao meu desatino, tampouco vai me acolher entre suas ruas estreitas e íngremes. A trilha sonora desta ilha de desterrados é um fado ininterrupto. 

Assim, esta cidade sem eco me guia para a sonolência e a reclusão deliberada. Ainda que toda manhã os pássaros prenunciem em seus cantos de alvoroço que nada está, realmente, no seu lugar.

PELE DE PENUMBRA


E qual foi o maior arrependimento? A escrita despedaçada ou a vida ordinária carcomida pela tensão constante? E isso que não terminava, e isso que destruía, vento de espasmos, sublime e amendoada pele de penumbra.

E tua voz que cortava o ar na fuga de minhas adagas-serpentinas; e bem que deliravas no carnaval particular destes sonhos tão medíocres, mas de ardor singelo, busca minha e tua.

E aquelas aquarelas esquecidas pelos cantos modorrentos da casa, tons gris de tua experiência primeira.

E o ato final foi a renúncia sofisticada de entranhas e sonhos menores. E disso não me eximia, pois desde o início busquei o teu limite e a minha deletéria agonia!

SILÊNCIO




Respeite o meu silêncio. Não o silêncio sem palavras, mas o silêncio da penumbra. Não me exijas o que não posso lhe dar ou aquilo que nunca poderei lhe dar. Respeite minha crença e os meus tombos cotidianos. Deixe-me respirar com vontade!

Entenda! Respeite o meu lugar no mundo, não muito e nem tanto. Assim, deixe-me num canto a ruminar as coisas e os intentos secretos. Esqueça de mim por um tempo...

Perceba a minha concentração para objetos que talvez não tenham importância para ti. Não queira ler os meus pensamentos e apontar com o dedo autoritário e pontiagudo o quanto sabes das cinzas e das flores. Contento-me com os meus espólios e os aromas que criei em segredo.

Só fale o necessário e mesmo assim em determinados horários. Não venha com toda essa aura onipotente que não lhe cabe e, de fato, não cabe a ninguém. Só registre o encontro ordinário, as fagulhas e as chamas intermitentes. Aliás, comece a me esquecer bem devagar. Quem sabe um sonho, outra vida, uma aposta divertida... Respeite o silêncio e a distância da espera.