domingo, 29 de abril de 2007

Bento XVI e o ranço medieval




Por Jéferson Dantas


A visita do papa Bento XVI ao Brasil é uma tentativa de consolidar o espaço perdido do catolicismo na América Latina nas últimas décadas. Com uma organização apoteótica, própria dos grandes espetáculos, Joseph Ratzinger (o verdadeiro nome do papa) se apresenta em suas muitas visitas internacionais como o paladino mais fervoroso do conservadorismo religioso mundial, seguindo à risca os passos de seu antecessor, João Paulo II. Ligado à juventude hitlerista na década de 1940, Ratzinger pertenceu por mais de duas décadas à Congregação para a Doutrina da Fé que, historicamente, vinculava-se ao Tribunal da Santa Inquisição. Foi Ratzinger que impôs ao teólogo e ex-frade brasileiro Leonardo Boff, o silêncio obsequioso, devido à sua relação com a Teologia da Libertação.



Tratar de questões religiosas num país de forte matriz católica como é o caso do Brasil, não é uma tarefa fácil. Diria até que é inglória. Joseph Ratzinger e o seu séqüito de cardeais, tendo como cenário o Vaticano, é uma continuidade anacrônica de um mundo medievalizado, quando a Igreja Católica detinha forte influência política, econômica e espiritual. Deixar de apontar os inúmeros crimes em nome da fé realizados pelas missões jesuíticas na América, acompanhados da política da cruz e da espada dos saqueadores europeus, devem ser (re) lembrados em momentos como este da visita de Bento XVI. O que dizer, por exemplo, da conivência da ala conservadora do catolicismo nacional durante a Ditadura Militar (1964-1985)?



Além dos aspectos supracitados, temas polêmicos como AIDS, utilização de preservativos, aborto, são tratados por Ratzinger de forma desumanizada. Naquilo que é mais terreno e próprio dos embates sociais, o papa procura omitir ou renegar à esfera do divino, desprezando a historicidade da própria instituição que defende. Penso ainda ser uma grave ofensa às demais religiões praticadas no Brasil, a forma como a mídia de massa ressalta o catolicismo, esmagando o sincretismo espiritual de um país particularmente pluralista. Logo, devemos compreender no terreno da História que a mistificação religiosa tem diversos reveses e que são construídas por seres humanos. O deslumbramento diante do paramento medieval oculta segregações, preconceitos, opções políticas equivocadas e cegueira coletiva.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

A miséria da pós-modernidade



Jéferson Dantas


O pensamento pós-moderno já foi alvo de intensas críticas, principalmente dos teóricos marxistas. Em grande medida, tal crítica deve-se ao caráter caricatural que os pós-modernos imprimem em suas análises, apoiados em “fontes filológicas, sem nenhuma significação teórica”, conforme expressões de Antonio Gramsci (1891-1937). Os pós-modernos podem se achar detratados, excomungados do panteão das ‘grandes teorias’, mas isto tem uma razão de ser.

No terreno educacional tal exame analítico se faz às invencionices verborrágicas dos chamados pós-críticos que, emaranhados em seus próprios arranjos conceituais, desprezam a própria realidade social. O excessivo relativismo, posicionamentos políticos pendulares e um profundo desapego ao conflito de classes, fazem dos pós-modernos as principais referências dos defensores da ética de mercado. Como se sabe – ou deveríamos saber – a expressão ‘ética de mercado’ já traz em seu âmago uma profunda contradição.

Todavia, se por um lado os pós-modernos ampliaram determinados conceitos e categorias de análise (diversidade, multiculturalismo, gênero, interculturalidade), ao mesmo tempo dissiparam a importância dos movimentos sociais e as suas respectivas experiências concretas. Ou seja: como ainda não superamos o modelo econômico capitalista e como a desigualdade social caminha a passos largos ao longo das últimas décadas, os pós-modernos se contentam com frases de efeito, o fragmento, práticas discursivas e o imediatismo/presentismo, num mundo cada vez mais convulsionado. Acredito que ao relativizarmos excessivamente os conflitos sociais, caímos na armadilha da impotência coletiva. Entre o desespero de uma esquerda pouco aguerrida e o niilismo dos que advogam o cinismo e a indiferença, resta-nos buscar na realidade histórica dialética a compreensão dos fenômenos sociais, problematizando evidências orais/escritas e admitindo nossas próprias contradições.

sábado, 14 de abril de 2007

Paulo Bauer na berlinda



Jéferson Dantas


O secretário estadual de educação, Paulo Bauer, foi hostilizado na maior unidade de ensino de Santa Catarina: o Instituto Estadual de Educação (IEE). Em grande medida, tal situação ocorreu pelo fato do secretário não respeitar um processo democrático envolvendo as comunidades escolar e local. A prepotência de Bauer, que num passado não muito distante, desqualificou os educadores catarinenses alcunhando-os de “baderneiros”, encontra agora um novo episódio neste território de correlação de forças entre a sociedade política e a sociedade civil, ou seja: o embate com o Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC).

O FMMC passou a se organizar politicamente em meados de 2000, reunindo lideranças comunitárias dos morros e encostas de Florianópolis e trabalhadores em educação de dez escolas públicas estaduais e quatro centros de educação infantil mantidos pelo Estado. O público escolar é constituído principalmente por crianças e jovens em situação de risco social, portanto, a existência do FMMC como movimento social de base tem procurado investigar as demandas sócio-educativas destes estudantes com a construção de currículos diferenciados e uma formação continuada que privilegie as reivindicações pedagógicas dos educadores. Nesta direção, o FMMC não é tão-somente um “amontoado” de escolas que estão brincando de fazer “revolução”, como enfatizou o assessor direto do secretário estadual de educação. Reconhecer que há, de fato, um movimento social em Florianópolis e que a contra-hegemonia está no campo das contradições da lógica do capital, parece-me pertinente neste conflito que é próprio das opções políticas, relações de poder hierarquizadas e arranjos ideológicos diferenciados.

Por fim, ainda que a Gerência Regional de Educação (GEREI) e a Secretaria de Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis (SDR) tenham sinalizado a nomeação dos diretores eleitos diretamente nas escolas do FMMC, Bauer tem emperrado o processo numa demonstração antidemocrática e que poderá, inclusive, desgastá-lo politicamente. A autonomia política e pedagógica nas escolas públicas deve ser exercitada pelas comunidades escolar e local como algo permanente, pois esta é uma das condições da plena cidadania. Cabe ao secretário estadual de educação repensar a forma como dialogará com o FMMC e com a organização sindical da classe docente nos próximos dias.
OBS: Os créditos da foto são do fotógrafo Jaime Tavares do Jornal A Notícia, Joinville/SC.


domingo, 8 de abril de 2007

Organizar-se é preciso!



Jéferson Dantas


As relações humanas estão cada vez mais embrutecidas, coisificadas. O corre-corre das grandes cidades, com seus milhões de automóveis poluentes, a individuação martirizante que promove todo tipo de adoecimento orgânico ou psíquico está na ordem do dia. A produtividade pela produtividade, a ansiedade coletiva que leva ao cansaço e ao sentimento de fracasso... Todos estes elementos estão inextricavelmente relacionados ao modelo econômico capitalista. Nesta direção, desacelerar é extremamente necessário, pois representa a salvaguarda de uma existência mais sadia, equilibrada emocionalmente e potencializadora de novos projetos sociais.
No outro extremo das implicações da sociedade capitalista temos a exclusão de vários segmentos sociais, a violência estrutural, a criminalização dos movimentos coletivos, o Estado paralelo com suas milícias de crianças e jovens que deveriam estar na escola. Tudo corrói. Condenamos a farra do boi como violência ambiental, mas milhares de crianças abandonadas nas ruas dos grandes centros urbanos não são considerados crimes de Estado. As contradições da lógica do capital assumem seu lado mais cruel quando nos deparamos com as armadilhas de sua própria arquitetura da competitividade, das humilhações sistemáticas de dirigentes de empresas ou dos ‘chefes’ das repartições públicas com todo o seu aparato hierárquico e burocratizante.
O modelo capitalista reinante para ser superado exige uma compreensão coletiva histórica de suas conseqüências para o futuro do planeta. Isto significa dizer que a sociedade civil teria de se organizar numa esfera contrapública, isto é, como as esferas públicas não dão conta das demandas coletivas, as organizações populares assumiriam as ações transformadoras da produção social e, consequentemente, redefiniriam o processo democrático em bases mais radicais. Para tanto, torna-se urgente que as lideranças comunitárias apropriem-se de sua historicidade, que estabeleçam suas próprias condições de convivência e laços de solidariedade, buscando a construção da contra-hegemonia possível.