quinta-feira, 22 de maio de 2008

Maniqueísmos de botequim


Por Jéferson Dantas


Um senador associado a uma sigla partidária que, outrora, foi conivente com a ditadura militar no Brasil (1964-1985), tentou de forma capciosa ou ardilosa convencer a opinião pública de que a ministra-chefe da Casa Civil ‘mentiu’ em relação ao dossiê produzido sobre os gastos do governo FHC. Para tanto, utilizou-se de uma artimanha mesquinha ao indagar à ministra se ela teria mentido ou omitido informações para os inquisidores-torturadores sobre os seus ex-companheiros guerrilheiros durante o período do regime militar. Em outras palavras, tentou construir a tese de que se a ministra ‘mentiu’ no passado (ainda que sob tortura), voltaria a mentir no presente para proteger seus aliados políticos.

Tais estratégias de convencimento são perigosas e devem ser problematizadas em seus devidos contextos históricos. No que tange, por exemplo, às ações afirmativas e às cotas públicas para os/as afrodescendentes, os/as desfavoráveis utilizam um único e taxativo argumento: não há diferenças raciais! Pois bem, até quando o debate em questão permanecerá preso aos fatores genotípicos? Se não há diferenças essenciais entre as ‘raças’, porque a população afrodescendente percebe os piores salários, apresenta níveis inferiores de escolaridade e reside nas regiões de grave risco social? Será que é tudo por acaso? Ira divina? Incompetência?
Enquanto a complacência jurídica burguesa e a ignorância
histórica dos pseudo-intelectuais continuarem favorecendo uma perspectiva miserável do debate, o discurso e a ação meritocrática serão as únicas a vingarem!

Se não podemos concordar com a desavergonhada atitude antiética de um senador da República, muito menos podemos ‘baratear’ questões de fundo histórico no Brasil. Há nesse intrincado tabuleiro de xadrez, problemáticas que envolvem questões étnico-raciais, de gênero e, sobretudo, sociais. Logo, são insuficientes e reducionistas visões pré-concebidas que não levam em conta o mínimo esforço propositivo associado à pesquisa e à dialética. Caso contrário alimentar-se-á o maniqueísmo vulgar, bem próprio da conversa de botequim...







segunda-feira, 5 de maio de 2008

Lazer, Trabalho e Contradição




Por Jéferson Dantas



Deparei-me com uma entrevista realizada por um semanário nacional ao consultor estadunidense da Organização das Nações Unidas (ONU), Christopher Edginton. O consultor em questão é secretário-geral da World Leisure Organization, entidade não-governamental que presta assessoria à ONU em questões relacionadas ao lazer e ao desenvolvimento pessoal. Até aí, nada demais. O que espanta são as respostas insuficientes e reducionistas do consultor no que se refere ao mundo do trabalho, tangido pela lógica do capital.

Para Edginton, que esteve recentemente no Brasil participando do seminário O Lazer em Debate, uma das definições possíveis de ‘lazer’ seria o “tempo livre, no qual não se tem que trabalhar para garantir a sobrevivência”; ou ainda “um estado da mente”, que pode ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar. Ainda que entendamos que o lazer e o bem-estar social deveriam ser as metas permanentes dos governos ditos democráticos, não há como dissociar tais elementos da lógica que estabelece e distribui bens econômicos e simbólicos de forma desigual. Em outras palavras, o ‘tempo livre’ ou o ‘ócio criativo’ defendido pelo sociólogo italiano Domenico De Masi, só poderiam funcionar numa sociedade efetivamente equânime, quando então toda racionalidade privatista teria se extinguido. Pensar o ‘lazer’ amparado numa suposição praticamente utópica revela o quanto as contradições do capitalismo estão sendo deixadas de lado, já que tal sistema opera decisivamente na exploração da mão-de-obra qualificada e desqualificada, deixando marcas indeléveis no corpo e na psique humanas.

Para aqueles que entendem ser o ‘trabalho’ uma categoria em declínio e que deveríamos estar antenados num mundo do ‘pós-trabalho’, sugeriria, então, que deixassem de trabalhar e vivessem em função do ‘ócio criador’. Ora, as mudanças no mundo do trabalho contemporâneo apenas se metamorfosearam em novas estratégias de exploração, conduzidas principalmente pelas inovações tecnológicas. Num mundo cingido pela opulência, de um lado, e pela miséria, de outro, deveríamos sim discutir as reparações históricas em relação aos povos massacrados e espoliados economicamente; estes últimos, provavelmente, não sabem o que é lazer.