segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A República nossa de cada dia



Por Jéferson Dantas

As comemorações referentes aos 119 anos da proclamação da República, que acontecem amanhã (15 de novembro), precisam ser devidamente problematizadas à luz do conhecimento histórico. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, o propagandista mais fervoroso das idéias republicanas, Aristides Lobo, sintetizou de forma muito nítida a participação popular: “O povo assistiu a tudo de forma bestializada”, demonstrando o seu desapontamento pela qual o novo regime havia sido proclamado. Segundo Lobo, o povo que deveria ter sido o protagonista do ideário republicano, não compreendia o que se passava à sua volta, julgando que aqueles homens fardados nas ruas do Rio de Janeiro estariam participando tão-somente de uma parada militar. Seguindo esta mesma lógica de raciocínio, o escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) disse numa determinada ocasião que o “Brasil não tinha povo, mas público”.

Levando em consideração tais aspectos, podemos dizer que o Estado republicano nacional ‘inaugurado’ em 1889 teve pequenos intervalos democráticos. A chamada 1ª. República (1889-1930) enfrentou antigas feridas mal curadas herdadas dos períodos colonial e imperial; o massacre à Canudos (Bahia) por meio de cinco expedições militares (1893-1897), por exemplo, retirou a vida de, praticamente, 30 mil brasileiros. Acusados de monarquistas e de ferirem os valores cristãos, Canudos foi esmagado finalmente no ano de 1897, através de um efetivo militar jamais visto na história do Brasil. Os poucos sobreviventes – em sua maioria, mulheres e crianças – foram violentados e degolados.

Na primeira década da ‘jovem República’, a oligarquia cafeicultora paulista, ao assumir em regime de revezamento com Minas Gerais, o poder executivo nacional, instaurou a ‘República do Café com Leite’ (1898-1930), estabelecendo os pilares de como o país seria governado: agroexportação (café) e exploração incessante de uma mão-de-obra agrária em condições de semi-escravidão. Novamente, a República ‘moderna’ e liberal brasileira destruiriam um movimento de pequenos agricultores em Santa Catarina, conhecido como a ‘Guerra do Contestado’ (1912-1916). Neste novo massacre do Estado republicano, aproximadamente 15 mil brasileiros foram esmagados para beneficiar os interesses do capital privado internacional. Tantos extermínios sistemáticos continuaram ocorrendo na trajetória nada feliz da jovem República. O período varguista (1930-1945), marcado pela ditadura do Estado Novo, intervencionismo nos estados federativos e censura aos meios de comunicação, também foi responsável pela eliminação física de milhares de brasileiros à custa dos interesses da pátria. Outro exemplo significativo foi a expulsão de pequenos artesãos, mendicantes e prostitutas dos centros da cidade do Rio de Janeiro em 1904 (Revolta da Vacina), então capital da República, pelo prefeito-engenheiro Pereira Passos, desejoso de uma sanitarização social.

Reconhecer os massacres do Estado republicano e a ausência de um projeto social para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as omissões nos setores estratégicos (educação, saúde e infra-estrutura). Contudo, conflitos ideológicos de contornos internacionais (Guerra Fria) tiveram efeitos nefastos para o Brasil e para toda América Latina. A Ditadura Militar (1964-1985) deixou marcas indeléveis em muitas gerações de brasileiros: desaparecimento de presos políticos; torturas; tática da suspeição; fechamento da imprensa livre; mordaça na classe artística; exílios compulsórios; e destruição do modelo educacional em todos os níveis de ensino.

Por conseguinte, abarcar todas as contradições do modelo republicano brasileiro – e aqui tenho plena convicção dos reducionismos históricos –, é compreender os limites de uma democracia liberal legalista, conduzida muitas vezes por tecnocratas e por poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) bastante afastados dos interesses coletivos; um Congresso Nacional formado por 513 deputados e 81 senadores, muitos deles apoiados pelas bases ‘ruralistas’, ‘evangélicas’ e ‘empresariais’. Tal ‘representatividade’ não contribui para elevar o debate sobre a desigualdade social e diminuir a concentração de renda. A política do consenso pela força durante o regime militar foi substituída hodiernamente pela política do consenso legalista (a saída para os problemas sociais é de ordem técnica e não de ordem política). Princípios democráticos esvaziados e uma classe política narcísica ou arrivista têm conduzido o país a uma esquizofrênica conjunção de maniqueísmos levianos e por projetos de poder que reduzem a importância da ideologia e da participação popular.