domingo, 17 de janeiro de 2016

Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido

O educador pernambucano Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), deixou-nos uma valiosa herança no campo educacional, especialmente por meio de uma obra que completa 46 anos: Pedagogia do Oprimido (1970). Freire iniciou a sua trajetória como educador em Recife, onde lecionava Língua Portuguesa, vindo a dirigir o setor de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria (SESI) entre os anos de 1947 e 1957. Devido à sua proximidade com a ala progressista da Igreja Católica, muitas vezes foi acusado pelos seus detratores de ser um conservador, pois seria inviável do ponto de vista epistemológico a vinculação marxista com a dimensão cristã.
Filho de um sargento do exército, Freire conheceu de perto a miséria e a fome, quando com oito anos de idade teve de se mudar de Recife para a cidade pernambucana de Jaboatão, devido à crise econômica de 1929. Aos treze anos perdeu o seu pai e iniciou tardiamente os seus estudos no antigo ginasial. A sua formação religiosa é tributária de sua mãe, onde militou no movimento de Ação Católica, passando a ser um ferrenho crítico da ‘Igreja dos opressores’ e defensor da ‘Igreja dos oprimidos’.
Freire analisava por meio do universo relacional dos oprimidos, que o compromisso social não poderia vir de uma elite dirigente ou de um mero mecanismo arbitrário jurídico. Por isso, toda e qualquer ação só se tornaria consciente e participativa, quando os excluídos sociais fossem capazes de compreender a sua trajetória histórica e a construção de suas identidades. Em outras palavras, de nada valeria saber ler e escrever se a realidade dos oprimidos permanecesse inalterada. Em 1979, com o seu retorno do exílio, Paulo Freire passa a discutir de forma mais sistemática os efeitos da exploração colonial na América Latina, o que lhe situa, atualmente, como um dos precursores da chamada pedagogia pós-colonialista, influenciando os estudos sobre as teorias do currículo escolar.  
Outro aspecto conexo à reflexão de Freire é o adaptar-se diante da aceleração tecnológica. Tais adaptações estruturais no mundo do trabalho exigiriam homens e mulheres diferenciados, polivalentes, multitarefeiros, sob pena de serem excluídos ou descartados pela lógica do capital. Freire, todavia, vaticina: “Quanto mais o homem [e a mulher] é rebelde e indócil, tanto mais é criador, apesar de em nossa sociedade se dizer que o rebelde é um ser inadaptado”.
Paulo Freire considerava que o/a educador/a disposto a criar vínculo com os seus estudantes, precisaria compreender a sua prática social, rompendo com a ‘consciência ingênua’ para, finalmente, galgar a ‘consciência crítica’. Assim, na consciência ingênua há uma busca de compromisso; na consciência crítica há o compromisso; e numa consciência fanática, uma entrega irracional. Não caberia ao/à educador/a ser um depositário de conteúdos (educação bancária), mas um sujeito comprometido com a sua prática pedagógica. Sendo o/a educador/a um sujeito histórico, ele/ela é um agente de mudança da estrutura social.
O legado pedagógico de Freire é inegável, influenciando gerações de professores e estudantes, e assinalando que o território educativo é prenhe de lutas e embates permanentes. Contudo, a simplificação de sua obra ou a mera referência ao seu legado, ainda são insuficientes para que se conheça, de fato, as suas contribuições no mundo acadêmico e na Educação Básica.

PARA SABER MAIS:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.







A perspectiva da Folha de S. Paulo sobre a educação pública

No apagar das luzes de 2015 o jornal Folha de S. Paulo em seu editorial de 27 de dezembro, retomou a discussão sobre os rumos da educação pública no Brasil, por meio de ‘cinco ideias para debate’. Ainda que possamos concordar que a versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) apresentem deficiências estratégicas graves, como o próprio periódico assinalou, a Folha de S. Paulo está mais preocupada com aspectos relacionados à gestão do fundo público para a Educação Básica e o Ensino Superior. O editorial chega a mencionar a necessidade de um ‘choque de gestão’ nas escolas públicas, baseando-se, para tanto, em referências teóricas de experts do universo privado.
Logo, a Folha de S. Paulo se acalcanha em cinco objetivos para aprimorar a gestão das escolas públicas e ‘premiar’ por meio de bônus de desempenho os/as professores/as: 1) enfatizar o gasto com o ensino básico, e não com o universitário; 2) garantir seis horas efetivas de aula por dia (hoje são duas); 3) pôr ênfase em português e matemática no currículo nacional; 4) dar autonomia a mestres e diretores e facilitar a demissão dos piores; 5) fechar escolas ruins ou entregar a sua gestão a organizações sociais (OS).
No que tange à primeira ideia, entendemos que o financiamento da educação pública precisa se dar em todos os níveis e modalidades de ensino, sem qualquer distinção. O que está em jogo aqui é a defesa desta empresa de comunicação com o pagamento de mensalidades nas universidades estatais, o que pode levar ao definitivo desfecho do caráter público das instituições de ensino superior mantidas pela sociedade brasileira. A terceira ideia, por seu turno, leva em consideração um currículo escolar cada vez mais restrito, como se as demais áreas do conhecimento fossem meros apêndices, além de a mesma estar coadunada com a perspectiva duvidosa das avaliações internacionais em larga escala (lógica dos ranqueamentos).
Em síntese, se o fundo público para o setor educacional fosse, de fato, prioridade de Estado, a perspectiva privatista não teria ganhado tanto terreno nestas últimas duas décadas, especialmente com a reforma neoliberal iniciada na década de 1990. Para a Folha de S. Paulo a não entrega do fundo público para as organizações sociais representa tão somente ‘preconceito ideológico’ e não a terceirização deliberada da administração pública para o setor empresarial. Estamos, de fato, diante de projetos educacionais em disputa, e o caráter público da Educação Básica e do Ensino Superior correm riscos cada vez mais iminentes de serem extintos sob o manto da racionalidade meritocrática!