quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O fim da “Nova República” (1985-2016)



O ano de 2016 inaugurou o final de um ciclo histórico, iniciado após o término da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), onde as demandas democratizadoras demarcaram, sobremaneira, a vida social, cultural e política do país, tendo como baliza institucional a promulgação da Carta Constitucional de 1988. De lá para cá tivemos mudanças profundas na forma de o Estado gerir a economia, ou seja, uma reforma de Estado identificada com o modelo neoliberal e ajustes estruturais que minaram – e vem minando a classe trabalhadora.

Segundo o sociólogo Jessé Souza, vivemos atualmente numa pseudodemocracia tutelada, suscetível a golpes brancos e num clima de insegurança jurídica que põe em risco garantias constitucionais consagradas. De fato, o governo federal que aí está e em consonância como Congresso Nacional (um dos mais conservadores desde a Ditadura Civil-Militar), têm promovido toda sorte de ações e medidas legislativas em benefício próprio e que põem em xeque o futuro do país, contribuindo para um clima de animosidade política em que, não raramente, refletem-se na sociedade por meio do discurso do ódio, onde a desesperança e a descrença se tornam quase que generalizadas diante da democracia liberal representativa.

O ciclo histórico que ora se encerra denota, claramente, que as forças políticas partidárias ultraconservadoras combinadas com o capital nacional/internacional, já estavam insatisfeitas com a aliança de classes do PT, que ao realizar o apaziguamento dos movimentos sociais e de sua militância, subestimou a sanha das elites econômicas e as velhas oligarquias regionais.

Despedimo-nos de 2016 com um gosto amargo na boca. Resta-nos compreender, conjunturalmente, que um novo ciclo se inicia no Brasil, onde o chamado Estado de Direito vem se desconfigurando cada vez mais, exigindo dos trabalhadores e trabalhadoras estratégias de luta que não firam os seus já tão fragilizados direitos. Para muitos, 2016 continuará ecoando como um tormentoso ano sem fim. Será necessário reaprender o que levou este país a lutar contra um Estado de exceção e de como o respeito e o cuidado mútuos podem transcender sexismos, intolerâncias religiosas, homofobias, feminicídios, racismos e toda forma de violência contra a espécie humana.




terça-feira, 15 de novembro de 2016

UM LONGO INVERNO

   Recentemente o cientista político André Singer, em artigo assinado para o jornal Folha de S. Paulo, argumentou que o país passará por um “longo inverno”, tendo em vista as recentes medidas de contenção de gastos públicos por parte do governo federal por 20 anos e que, concomitantemente, vêm acompanhadas de uma enorme desconfiança e contrariedade por parte da classe trabalhadora brasileira. Além disso, a suspeição institucional só tem crescido no Brasil, e o resultado das urnas no pleito municipal (com número expressivo de abstenções, votos brancos e nulos) é apenas um destes reflexos.
   
   A flexibilização das leis trabalhistas, políticas de ajuste estrutural e mudanças significativas no modelo de seguridade social, ocasionam toda sorte de incertezas em relação a uma vaga/posição no mundo do trabalho e, porque não dizer, advento de síndromes associadas ao pânico, ou mesmo quadros clínicos de depressão e ansiedade. Associado a isso, as situações de subempregabilidade têm levado ao aumento de suicídios e de doenças psicossociais em várias partes do mundo, não sendo incomuns os casos de morte por excesso de trabalho. Já a infotoxicação, resultado do uso significativo das redes sociais por parcela da população brasileira, nem sempre contribui para um debate aprofundado das questões conjunturais/estruturais que afetam o país. Tais fóruns virtuais além de se constituírem como vínculos frágeis de sociabilidade, alimentam a cizânia, a gramática do ódio e preconceitos de toda ordem, sem qualquer fundamentação histórica, que me parecem ser os dilemas destes tempos. A desrazão e o recuo da história e da política empobrecem as diferentes perspectivas analíticas, pois há simplificações reducionistas e binárias sobre as contradições sociais imperantes, especialmente, neste contexto de luta pela educação pública e pela manutenção de direitos trabalhistas adquiridos.


   De fato, um longo inverno se inscreve no Brasil e não há como alimentarmos uma falsa esperança com as medidas tomadas por este governo, que desde o afastamento da presidente Dilma Rousseff sofre com ausência de credibilidade e aprovação pública. Por outro lado, os agentes das mudanças históricas – e aqui me refiro, em especial, à juventude escolarizada e à classe trabalhadora – não sairão dos gabinetes presidenciais ou dos conluios jurídicos, mas dos setores que mais sofrem e sofrerão com a diminuição dos investimentos sociais. 

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A QUIMERA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Tenho comentado que a democracia liberal está falida. Isto significa dizer que a democracia representativa apresenta diversas falhas de participação direta da sociedade civil, tendo em vista que o processo democrático não se esgota no voto e de que as pautas de interesse popular perdem espaço para projetos de lei que dizem respeito a algumas frações de classe. À revelia da classe trabalhadora o clientelismo se robustece no poder legislativo associado a uma desideologização, que personaliza candidatos a cargos públicos sem qualquer vinculação a um projeto claro de sociedade.
Levando-se em conta que estamos presenciando no Brasil uma grave e delicada crise institucional, representada por um golpe jurídico-parlamentar reconhecido, inclusive, por uma boa parcela da imprensa internacional, entendo que deveríamos inventariar os retrocessos históricos que vivenciamos nas mais diferentes esferas da vida pública. Isto denota que teremos pela frente reformas agudas no mundo do trabalho, especialmente em relação à reforma previdenciária e à flexibilização das leis trabalhistas, além de arrochos salariais e cobranças de mais impostos num cenário de desaceleração da economia e desemprego crescente. Todavia, não se cogita (e isso seria pedir demais ao perfil deste desgoverno golpista) uma auditoria da dívida pública e um estudo aprofundado e efetivo sobre o real ‘rombo da previdência social’. Aliás, tais estudos sobre o rombo da previdência social podem ser acessados em nível acadêmico, e as conclusões se diferem bastante dos economistas neoliberais.

As manifestações nas ruas de todo o país tendem a aumentar. A pequena experiência democrática vivenciada em nosso país demonstra que há muito a se fazer em todos os setores da vida pública. Em nível de diplomacia internacional o Brasil tem dado as costas para grande parte dos países da América do Sul, fomentando a subserviência às nações centrais do capitalismo, como ocorria diuturnamente durante o regime militar e na primeira década de 1990. Nesta direção, a prova de fogo que teremos de enfrentar neste momento de nossa história ultrapassa o voto eleitoral; o que está em jogo são as conquistas dos trabalhadores, direitos adquiridos que podem ser minados se não houver resistência e enfrentamento. Reduzir a democracia ao voto ou a uma ‘escolha consciente’ é muito pouco!

sexta-feira, 8 de julho de 2016

ESPAÇOS DE ESPERANÇA EM TEMPOS DE ÓDIO!

Créditos da foto: Flavio Tim/ND
No dia 19 de abril de 2016 lancei o livro "Construir espaços coletivos de esperança em tempos de discurso de ódio" (Editora Insular) no Bar e Restaurante Mesinha, bairro Córrego Grande. A obra discorre sobre os últimos acontecimentos políticos ocorridos no Brasil, a partir de textos opinativos e breves resenhas, publicadas especialmente no jornal Notícias do Dia. O prefácio ficou ao encargo da jornalista Dariene Pasternak.

A obra pode ser adquirida com o autor ou pelo sítio da Editora Insular (http://www.insular.com.br/loja3/product_info.php/products_id/995). Também está disponível na Livraria Livros & Livros, localizada no Centro de Eventos da UFSC.

CRÍTICA AOS INTÉRPRETES DO BRASIL

   O sociólogo Jessé Souza (1960-) na obra A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite, tem como tese central a crítica contundente aos defensores do economicismo e do culturalismo conservador. Para tal empreendimento analítico, Souza afiança de que a gênese de determinadas ideias dominantes que circulam pelos meios acadêmicos e pelo imaginário popular, vão se institucionalizando e tornando-se ciências da ordem. Nesta direção, o sociólogo não poupa de severas críticas autores como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Raymundo Faoro, conhecidos como intérpretes do Brasil. Souza é taxativo ao afirmar que Buarque de Holanda em sua obra Raízes do Brasil na década de 1930, ao construir uma visão liberal conservadora da sociedade brasileira – a partir de aporte teórico weberiano transplantado de forma descontextualizada – acabou por reforçar o entendimento da manutenção/permanência da desigualdade e da injustiça social em território nacional.
   A tese do patrimonialismo, defendida tanto por Buarque de Holanda quanto por Raymundo Faoro, segundo Souza, é insuficiente para entender as relações concupiscentes que ocorrem entre Estado e mercado. Afinal, quando existe corrupção no Estado há também corruptores no mercado.  Além disso, a ênfase de Faoro, por exemplo, de que Portugal exercia uma dominação à distância no Brasil, então a sua colônia, é compreendida por Souza como uma quimera ou uma ficção histórica. Portugal no século 16, um pequeno país e pouco populoso, delegou deliberadamente a terceiros a colonização das novas terras como imperativo de continuidade de seu domínio territorial, genealogia, portanto, dos grandes latifúndios e concentração de renda e poder. O sociólogo também destila críticas ao antropólogo Roberto DaMatta, que estaria vinculado a um espontaneísmo teórico ou, grosso modo, a uma reprodução do senso comum,  produzindo mais estereótipos do que, propriamente, uma gramática social profunda da realidade concreta brasileira.
   Por outro lado, Souza denota respeito intelectual ao sociólogo Florestan Fernandes, que teria compreendido com notável acuidade as dificuldades de adaptação e de marginalização dos negros após a abolição da escravidão na segunda metade do século 19, a partir de uma nova ordem social e econômica competitiva. Traz à baila ainda as contribuições teóricas do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, especialmente no que se refere ao conceito de ideologia meritocrática que, num país periférico do capital como o Brasil, oculta sistematicamente a produção social dos desempenhos diferenciais entre os indivíduos, tornando possível que o desempenho diferencial apareça como diferença de talentos inatos.
Jessé Souza, por fim, considera que o inimigo comum a ser enfrentado é a tendência racionalista e intelectualista muito dominante até os dias de hoje na Filosofia e nas Ciências Sociais, ou especialmente no senso comum, cartesianamente anacrônica em relação à vida prática e cotidiana. Há, assim, outras análises subjacentes na obra de Souza que não foram aqui mencionadas e que cabe ao/à leitor/a interessado/a desvendá-las, como as que dizem repeito à hierarquização e institucionalização de práticas morais, assim como a eficácia do poder disciplinar, acalcanhada numa concepção foucaultiana.
   Acima de tudo, Souza procura acender um debate para a reconstrução da teoria social crítica, tanto no centro quanto na periferia dos países capitalistas. Na parte final de sua obra, retoma assuntos da pauta cotidiana no Brasil, ponderando que a corrupção no país é seletiva e arbitrária e de que o moralismo da classe média sempre unificou, historicamente, o desprezo pela política em geral e a busca por uma virtude ideal. Viveríamos, assim, numa pseudo-democracia tutelada, vulnerável a golpes brancos e argumentos pseudo-jurídicos, além da instrumentalização da mídia. De fato, provocações e questões que estão na ordem do dia!

PARA SABER MAIS:

SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: Leya, 2015. 272 p.



domingo, 8 de maio de 2016

ABRIL DESPEDAÇADO

  “Golpe brando”, “Republiqueta de bananas”, “Carmenmirandização do Brasil”, “Corporativismo midiático-jurídico”, “Golpismo nos moldes paraguaio-hondurenho”, etc. e etc. Estes são alguns dos adjetivos que a imprensa sul-americana, especialmente na Argentina, dedica ao Brasil em relação aos últimos acontecimentos políticos. O periódico Página 12, de Buenos Aires, que se distingue por ser um jornal repleto de articulistas, retratou nos últimos dias o que pode significar para o nosso país os retrocessos políticos e sociais provenientes de uma articulação político-partidária espúria. Causa espécie que tais afirmações ou análises também partam de jornais considerados conservadores em diversas partes do mundo. Ficam-nos algumas indagações: de que maneira a população brasileira vem sendo (des)informada pelos grandes conglomerados midiáticos nestes últimos anos? Por que a imprensa tupiniquim continua de costas para os demais países da América Latina, como se vivêssemos dilemas e contradições únicas ou exclusivas? O que significa o avanço de forças ultraconservadoras no Brasil e no mundo, inclusive no país em que nasceu Hitler?

  Coadunado a tudo isso, alguns entes federativos do país, como é o caso de Alagoas, estão aprovando em suas respectivas assembleias legislativas a “Escola Sem Partido”, que nada mais é do que a censura ou o assédio ideológico aos professores que pensam de forma diferente dos (neo)liberais ou de qualquer corrente conservadora vinculada ou não a agremiações partidárias. Os ataques à autonomia política e pedagógica das escolas públicas reforçam neste cenário bufo e trágico a possibilidade evidente de desestruturação das disciplinas consideradas “críticas”, como são os casos de Filosofia, Sociologia, Geografia e História. O retrocesso é tão gigantesco quanto à famigerada Lei 5.692/1971 do período da Ditadura civil-empresarial-militar (1964-1985), que destruiu os itinerários formativos da Educação Básica com a inclusão de disciplinas cívicas e patrióticas.

  Se isto não é suficiente para refletirmos que país teremos pela frente nos próximos dias, então, que o último a sair apague a luz. Estão previstos mais cortes nas áreas da Educação e Saúde, como se já não bastassem os cortes orçamentários anteriores na ordem de bilhões de reais. Caminha-se a passos largos para os confrontos decisivos entre capital e trabalho. A luta de classes nunca esteve tão viva neste abril despedaçado de 2016!


quarta-feira, 13 de abril de 2016

COMBATE AO FEMINICÍDIO

As sucessivas cenas de violência noticiadas ad nauseam contra as mulheres grassam todos os rincões do país, denotando uma séria e grave cultura sexista e machista. Há um ano entrou em vigor no Brasil a Lei 13.104/15, que alterou o Código Penal incluindo mais uma forma de homicídio qualificado, ou seja, o “feminicídio”. Tal crime é tipificado quando o mesmo é praticado contra a mulher por razões da condição de ser mulher ou pertencer ao sexo feminino. Estas razões estão implicadas na violência doméstica e familiar ou na discriminação à condição da mulher. A pena pode ser elevada em até 1/3 caso a mulher esteja grávida ou durante os três meses após o parto, ou ainda quando a mesma for menor de 14 anos e maior de 60 anos e apresentar algum tipo de deficiência.

A responsabilidade da grande mídia e de determinadas peças publicitárias é evidente em tal contexto ao reforçar os estereótipos femininos (histeria, objeto sexual, descontrole emocional, incapacidade de liderança, etc.). No que tange aos processos educativos, especialmente na Educação Básica, as mulheres são maioria e responsáveis diretas pela formação de milhões de brasileiros, trabalhando em condições infraestruturais desfavoráveis e até mesmo insalubres, com salários indignos e planos de carreira pouco atraentes. Além disso, percebem salários menores do que os homens ao exercerem as mesmas atividades em ofícios liberais.

Estatisticamente, uma mulher morre a cada hora no Brasil, devido a motivações passionais ou fúteis, notadamente por meio de armas de fogo (quase 70%); já o homicídio por meio de materiais perfurantes ou cortantes representam 30% das mortes de mulheres em nosso país, cometidos em grande parte pelos ex-maridos ou namorados das vítimas. Há ainda uma parcela de homicídios originados por asfixia decorrente de estrangulamentos. Nesta triste estatística também se contabilizam assassinatos de mulheres pela sua orientação sexual.

Este debate não pode em hipótese alguma se circunscrever aos espaços jurídicos ou policialescos. Precisam estar presentes em todas as instâncias da arena pública e serem pautadas pela imprensa, escolas e universidades como tema permanente de formação humana. Caso contrário, as novas gerações perpetuarão o circuito da desqualificação feminina e o retrocesso histórico de todas as conquistas dos movimentos sociais organizados pelas mulheres ao longo de décadas!













sexta-feira, 18 de março de 2016

Para aqueles/as que faltaram às aulas de História

Durante muito tempo os livros didáticos de História trouxeram em suas numerosas páginas textos e iconografias que deixavam muito claro quem eram os ‘vencedores’ e quem eram os ‘vencidos’. Em outras palavras, as narrativas históricas tradicionais presentes nos manuais didáticos, sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980, apresentavam os fenômenos históricos como meras conjecturas mecânicas – dissociando a luta entre opressores e oprimidos –, carregados de factualismos e ufanismos, elementos típicos do contexto histórico vivenciado na América Latina, ou seja, os regimes militares de exceção.

Com a redemocratização do Brasil na metade da década de 1980, os livros didáticos de História sofreram várias mudanças em suas abordagens teórico-metodológicas, incorporando em suas discussões os novos objetos de estudo provenientes das pesquisas nas universidades públicas, refletindo-se em investigações sobre a luta de classes, gênero e as relações étnico-raciais. Pautava-se agora a dimensão dialética da História, ou seja, de que os fenômenos sociais não são dados a priori e de que a luta entre opressores e oprimidos, ou entre trabalhadores e proprietários, representam a força motriz de uma sociedade de classes.

Desconhecer ou ignorar o conhecimento histórico é uma forma objetiva/sistemática de obscurecer ou ocultar aquilo que gerações de historiadores têm se empenhado em trazer à tona, por meio de novas fontes e/ou evidências históricas. Muitos documentos do período ditatorial no Brasil ainda precisam ser desvendados, por exemplo. Quando se busca investir contra as ciências humanas, objetivando a construção de uma racionalidade meramente racista ou sexista, ou ainda, de uma racionalidade patriótica/meritocrática desvinculada das demandas e complexidades do mundo do trabalho, temos aí uma falaciosa melopeia que joga na lata do lixo, sem nenhuma discussão, o esforço dos cientistas sociais em compreender os rumos de uma sociedade como a brasileira. Maniqueísmos de ocasião esgrimadas por oportunistas políticos que não admitem perder qualquer privilégio, reforçam a velha e fustigada ideia de que os oprimidos necessitam ser contidos e vivenciar a ressaca de seus dissabores. Até quando?


sexta-feira, 4 de março de 2016

A crise do Estado é a crise do capitalismo

  Qualquer discussão bem intencionada sobre a crise do Estado nacional deve perpassar, necessariamente, pela crise estrutural do modelo capitalista. Sem o exame detido sobre o Estado moderno, que surge em conjunto com o capitalismo no fim do período medieval no século 15, não se compreende, justamente, que o Estado se tornou a expressão política do capital e força determinante nos conflitos de classe. Em outras palavras, o Estado se responsabiliza diretamente em organizar as forças produtivas, as regras jurídicas e a ‘harmonização’ entre capital e trabalho. Além disso, o Estado detém a centralização fiscal e militar e utiliza o ‘monopólio da violência legítima’ em períodos graves de crise sistêmica do capital.

  Nesta direção, qualquer crença ingênua numa democracia liberal representativa não passa de falsa panaceia, pois “a igualdade formal é a mais óbvia falta de equidade substantiva. A verdadeira questão não é a democracia direta ou a democracia representativa, mas a eficaz e autorrealizável regulação de seu modo de existência pelos indivíduos sob as condições de democracia substantiva em contraste com o vazio legislativo político da democracia representativa facilmente corruptível”, segundo a assisada análise do filósofo húngaro, István Mészáros.

  Na atual conjuntura política e econômica do Brasil – em que a crise estrutural do capital, aparentemente, associa-se a uma única coloração político-partidária – os apologistas neoliberais omitem deliberadamente que a defesa da atual ordem econômica está colocando em risco a sobrevivência da humanidade. No conjunto das forças sociais em luta que se apresentam em nosso país, deve ficar bastante fulgente que a operacionalização jurídica do Estado favorece, consideravelmente, o capital. Não por acaso, as principais pautas no Congresso Nacional se referem à flexibilização e/ou à precarização cada vez mais crescentes nas regulações trabalhistas. Logo, não é possível, sob qualquer circunstância, vaticinar que a crise econômica do Brasil está isolada de uma perspectiva política de Estado e de uma crise internacional do capital. O modelo capitalista é irreformável e suas sucessivas crises cíclicas continuarão sendo a regra!



domingo, 17 de janeiro de 2016

Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido

O educador pernambucano Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), deixou-nos uma valiosa herança no campo educacional, especialmente por meio de uma obra que completa 46 anos: Pedagogia do Oprimido (1970). Freire iniciou a sua trajetória como educador em Recife, onde lecionava Língua Portuguesa, vindo a dirigir o setor de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria (SESI) entre os anos de 1947 e 1957. Devido à sua proximidade com a ala progressista da Igreja Católica, muitas vezes foi acusado pelos seus detratores de ser um conservador, pois seria inviável do ponto de vista epistemológico a vinculação marxista com a dimensão cristã.
Filho de um sargento do exército, Freire conheceu de perto a miséria e a fome, quando com oito anos de idade teve de se mudar de Recife para a cidade pernambucana de Jaboatão, devido à crise econômica de 1929. Aos treze anos perdeu o seu pai e iniciou tardiamente os seus estudos no antigo ginasial. A sua formação religiosa é tributária de sua mãe, onde militou no movimento de Ação Católica, passando a ser um ferrenho crítico da ‘Igreja dos opressores’ e defensor da ‘Igreja dos oprimidos’.
Freire analisava por meio do universo relacional dos oprimidos, que o compromisso social não poderia vir de uma elite dirigente ou de um mero mecanismo arbitrário jurídico. Por isso, toda e qualquer ação só se tornaria consciente e participativa, quando os excluídos sociais fossem capazes de compreender a sua trajetória histórica e a construção de suas identidades. Em outras palavras, de nada valeria saber ler e escrever se a realidade dos oprimidos permanecesse inalterada. Em 1979, com o seu retorno do exílio, Paulo Freire passa a discutir de forma mais sistemática os efeitos da exploração colonial na América Latina, o que lhe situa, atualmente, como um dos precursores da chamada pedagogia pós-colonialista, influenciando os estudos sobre as teorias do currículo escolar.  
Outro aspecto conexo à reflexão de Freire é o adaptar-se diante da aceleração tecnológica. Tais adaptações estruturais no mundo do trabalho exigiriam homens e mulheres diferenciados, polivalentes, multitarefeiros, sob pena de serem excluídos ou descartados pela lógica do capital. Freire, todavia, vaticina: “Quanto mais o homem [e a mulher] é rebelde e indócil, tanto mais é criador, apesar de em nossa sociedade se dizer que o rebelde é um ser inadaptado”.
Paulo Freire considerava que o/a educador/a disposto a criar vínculo com os seus estudantes, precisaria compreender a sua prática social, rompendo com a ‘consciência ingênua’ para, finalmente, galgar a ‘consciência crítica’. Assim, na consciência ingênua há uma busca de compromisso; na consciência crítica há o compromisso; e numa consciência fanática, uma entrega irracional. Não caberia ao/à educador/a ser um depositário de conteúdos (educação bancária), mas um sujeito comprometido com a sua prática pedagógica. Sendo o/a educador/a um sujeito histórico, ele/ela é um agente de mudança da estrutura social.
O legado pedagógico de Freire é inegável, influenciando gerações de professores e estudantes, e assinalando que o território educativo é prenhe de lutas e embates permanentes. Contudo, a simplificação de sua obra ou a mera referência ao seu legado, ainda são insuficientes para que se conheça, de fato, as suas contribuições no mundo acadêmico e na Educação Básica.

PARA SABER MAIS:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.







A perspectiva da Folha de S. Paulo sobre a educação pública

No apagar das luzes de 2015 o jornal Folha de S. Paulo em seu editorial de 27 de dezembro, retomou a discussão sobre os rumos da educação pública no Brasil, por meio de ‘cinco ideias para debate’. Ainda que possamos concordar que a versão preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) apresentem deficiências estratégicas graves, como o próprio periódico assinalou, a Folha de S. Paulo está mais preocupada com aspectos relacionados à gestão do fundo público para a Educação Básica e o Ensino Superior. O editorial chega a mencionar a necessidade de um ‘choque de gestão’ nas escolas públicas, baseando-se, para tanto, em referências teóricas de experts do universo privado.
Logo, a Folha de S. Paulo se acalcanha em cinco objetivos para aprimorar a gestão das escolas públicas e ‘premiar’ por meio de bônus de desempenho os/as professores/as: 1) enfatizar o gasto com o ensino básico, e não com o universitário; 2) garantir seis horas efetivas de aula por dia (hoje são duas); 3) pôr ênfase em português e matemática no currículo nacional; 4) dar autonomia a mestres e diretores e facilitar a demissão dos piores; 5) fechar escolas ruins ou entregar a sua gestão a organizações sociais (OS).
No que tange à primeira ideia, entendemos que o financiamento da educação pública precisa se dar em todos os níveis e modalidades de ensino, sem qualquer distinção. O que está em jogo aqui é a defesa desta empresa de comunicação com o pagamento de mensalidades nas universidades estatais, o que pode levar ao definitivo desfecho do caráter público das instituições de ensino superior mantidas pela sociedade brasileira. A terceira ideia, por seu turno, leva em consideração um currículo escolar cada vez mais restrito, como se as demais áreas do conhecimento fossem meros apêndices, além de a mesma estar coadunada com a perspectiva duvidosa das avaliações internacionais em larga escala (lógica dos ranqueamentos).
Em síntese, se o fundo público para o setor educacional fosse, de fato, prioridade de Estado, a perspectiva privatista não teria ganhado tanto terreno nestas últimas duas décadas, especialmente com a reforma neoliberal iniciada na década de 1990. Para a Folha de S. Paulo a não entrega do fundo público para as organizações sociais representa tão somente ‘preconceito ideológico’ e não a terceirização deliberada da administração pública para o setor empresarial. Estamos, de fato, diante de projetos educacionais em disputa, e o caráter público da Educação Básica e do Ensino Superior correm riscos cada vez mais iminentes de serem extintos sob o manto da racionalidade meritocrática!