Tempos de
Violência
Marx e Engels (1988, p. 78) afirmavam no Manifesto do Partido
Comunista que a ‘história de todas as sociedades existentes até os dias de
hoje é a história da luta de classes’; acrescentavam ainda que a burguesia
havia desempenhado na História um papel eminentemente revolucionário, fazendo
da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituindo numerosas
liberdades conquistadas com tanto esforço pela implacável liberdade de
comércio, defendendo assim uma exploração aberta cínica, direta e brutal.
Neste sentido, o capitalismo não destruiu apenas o modus
vivendi feudal; destruiu o trabalho artesanal e a criatividade humana;
padronizou valores de consumo; individualizou o fracasso e utilizou a
‘democracia’ para impor sua força demolidora. O excessivo relativismo
histórico e um acomodamento teórico cínico diante da destruição da espécie
humana ganharam contornos muito preocupantes na formação de homens e mulheres
em nosso país e no mundo.
Parece-nos razoável, portanto, partir dessa indagação: como responder
ao fenômeno histórico da violência sem levar em conta os valores da ‘lógica
do capital’? A ofensiva destrutiva do capital acabará por exterminar os
recursos naturais e alimentícios, selecionando cada vez mais os/as
sobreviventes de tal modelo econômico. Nesta direção, a luta de classes vem
se configurando cada vez mais como categoria de análise central nos dias de
hoje.
A formação do Estado brasileiro é atravessada por processos históricos
de cunho autoritário, excludente e de massacres sistemáticos. O Estado
republicano, ‘inaugurado’ em 1889, e sem qualquer participação popular, teve
pequenos intervalos democráticos.
Reconhecer os massacres do Estado e a ausência de um projeto social
para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as
omissões nos setores estratégicos deste país (educação, saúde e infraestrutura).
Assim, pensar a violência de Estado num país como o Brasil é
compreender os limites de uma democracia liberal legalista, conduzida por
tecnocratas e por poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário)
bastante afastados dos interesses coletivos; um Congresso Nacional formado
por 513 deputados e 81 senadores, assentados em alianças de classe
(ruralistas, evangélicos e empresários), não contribuem para elevar o debate
sobre a desigualdade social e diminuir a concentração de renda. A política
do consenso pela força durante o regime militar foi substituída
pela política do consenso judicialista (a saída para os
problemas sociais é de ordem técnica e não de ordem política). Princípios
democráticos esvaziados e uma classe política narcísica ou arrivista têm
conduzido o país a uma esquizofrênica conjunção de maniqueísmos levianos e
por projetos de poder que reduzem a importância da ideologia. Ignorar,
portanto, o papel do Estado na análise de classes é não reconhecer o quanto o
mesmo procura usar a máquina estatal na defesa e o fortalecimento da ordem
social.
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segunda-feira, 3 de novembro de 2014
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
A geografia do ódio
Por Jéferson Dantas[1]
A disputa presidencial no Brasil trouxe à tona muitas questões de ordem
social e cultural que precisam ser problematizadas, dentre elas o ‘discurso do
ódio’. Longe de ser uma questão menor, podemos afirmar que há neste imenso país
uma ‘cartografia do ódio’, que vem desde a gênese colonial. A exploração
desenfreada dos recursos naturais do litoral brasileiro pela metrópole
portuguesa e a utilização da força de trabalho escrava dos povos originários e
dos negros da África, realizaram neste país um verdadeiro mapa da fome, da
discriminação, do genocídio, do preconceito e do apartheid social. Em outras palavras, vale a máxima de que os
pobres e miseráveis são culpados pela sua própria pobreza, sem qualquer
contextualização histórica e uma análise mais depurada da construção da nação
brasileira.
Somente nos EUA há dois mil grupos de ódio, aproximadamente, e não por
acaso tais grupos se concentram na região sul daquele país, território de
intensas disputas sociais e raciais, que se acirram desde a metade do século
XIX. Num país tão desigual como é o caso do Brasil, as elites dirigentes e
nichos políticos oligárquicos reprisam as mesmas artimanhas dos grupos
conservadores estadunidenses, pautando-se numa pretensa superioridade racial e
econômica, fruto de espoliações regulares que não permitiram às populações
empobrecidas acesso a bens culturais básicos, como são os casos da educação e
saúde.
A principal síntese a se fazer deste processo eleitoral – notadamente em
relação aos cargos legislativos – é de que não estamos suficientemente
problematizando as questões políticas do Brasil. Em outras palavras, a negação
da política, da história, e a exasperação dos preconceitos arraigados, têm
gerado uma cizânia sem volta, de contornos fascistas e autoritários. A ‘desrazão’,
a alienação, o preconceito, o recuo da teoria e a ausência de argumentação
foram os motores destas eleições no Brasil. E isto não é pouco para um país de
democracia jovem e que mal se recuperou das agruras de uma ditadura militar.
[1]
Historiador e Doutor em Educação. Professor no
Departamento de Estudos Especializados em Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina (EED/CED/UFSC). E-mail: jeferson.dantas@ufsc.br.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Por uma estética subtrópica
O músico, compositor e
escritor gaúcho, Vitor Ramil (1962-), num opúsculo intitulado A estética do frio: conferência de Genebra,
publicado em 2004, procurou sintetizar as controversas influências literárias e
musicais do Rio Grande do Sul e dos países do Prata (Argentina e Uruguai),
assim como as lutas identitárias neste país continental. Ramil utiliza o
emblema do “frio” para catapultar o gênero musical milonga, expressão de origem africana, plural de mulonga e que significa “palavra”. A
milonga-canção é conhecida pelos seus acordes menores, lenta, repetitiva e
“afeita à melancolia, à densidade, à reflexão apropriada tanto aos voos épicos
como aos líricos, tanto à tensão como à suavidade, e cuja espinha dorsal são o
violão e a voz”, segundo as próprias palavras do gaúcho de Satolep, anagrama de sua cidade natal, Pelotas. De certa forma,
isto revela a obra consolidada de Ramil, tanto a musical quanto a literária.
Indagado certa vez sobre como era ser um músico à margem do eixo Rio-São Paulo,
respondeu da seguinte maneira: “Não estamos à margem de um centro, mas no
centro de uma outra história”.
Não por acaso, o documentário A
linha fria do horizonte – lançado este ano e com direção do cineasta curitibano,
Luciano Coelho – procurou captar, justamente, a obra e o pensamento de um grupo
de compositores do sul do Brasil, Argentina e Uruguai que têm como consonância em
suas obras a paisagem e o sentimento do local onde vivem. O satolepense Vitor Ramil, os uruguaios
Daniel e Jorge Drexler e o argentino Kevin Johansen são alguns dos músicos que
por meio de suas criações, conjeturam sobre as questões identitárias local e
global transversalizadas pela “estética do frio”. A produção documental foi
realizada nos meses invernais de junho/julho de 2011 e 2012, totalizando mais
de 120 horas de filmagem.
Evidentemente,
que ao se buscar uma estética subtrópica em contraponto ao estereótipo solar do
Brasil tropical e carnavalesco, faz-se necessário pensar
uma produção cultural mais ampla da região sul do Brasil, onde se inscreve
Santa Catarina e o Paraná. E, ao se fazer isso, a alegoria metafórica da
paisagem não pode se circunscrever ao burlesco, ou seja, à descrição passiva da
paisagem como algo afastado de uma cultura histórica repleta de conflitos
regionais (revoltas farroupilha e federalista, o conflito do Contestado, etc.)
e que, por si só, notabilizam estes territórios em insídias políticas e
afirmação de novas fronteiras.
PARA SABER MAIS:
RAMIL, Vitor. A estética do frio: conferência de Genebra.
Porto Alegre: Satolep, 2004.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Sobre
o assentamento “Amarildo de Souza”
Jéferson
Dantas[1]
A ocupação de uma
propriedade às margens da SC-401 no norte da Ilha de Santa Catarina tem
motivado uma série de análises epidérmicas de um fenômeno repleto de múltiplas
determinações sociais e históricas. As centenas de famílias que hoje ocupam o
assentamento “Amarildo de Souza” possuem diferentes trajetórias, mas traços em
comum, já que são oriundos de territórios empobrecidos da Grande Florianópolis
e de outros entes federativos. Estes homens e mulheres viveram durante muitos
anos em áreas rurais e urbanas com pouquíssima infraestrutura, apresentando baixíssima
escolarização e sofrendo toda sorte de precarização de sua força de trabalho.
Compreender as migrações intra e inter-regionais é essencial para que não
fiquemos aprisionados a um discurso que criminaliza os movimentos sociais sem
qualquer adensamento histórico.
O discurso midiático
liberal, de maneira genérica, defende deliberadamente a propriedade privada
como princípio constitucional inalienável, porém, sabe-se que no interior dos
mecanismos jurídicos burgueses a igualdade entre os cidadãos é apenas formal,
já que há aí imensas e intensas desigualdades substantivas em contextos
concretos da produção material humana. Seria razoável problematizar o déficit
de moradia urbana na Grande Florianópolis, as diferentes formas de acesso à
escolarização básica e as reais motivações que desencadeiam a organização
destes assentamentos, tendo em vista que estes sujeitos históricos só conseguem
ter visibilidade por parte do poder público quando estão devidamente
organizados e dispostos a enfrentar posicionamentos políticos e ideológicos
marcadamente hegemônicos. Ao se desistoricizar as ocupações humanas recentes,
que estão na gênese colonial brasileira, incorre-se em anacronismos e defesas
tacanhas de determinadas frações de classe. Evidencia-se aí que a luta entre
capital e trabalho continua sendo a força-motriz da história contemporânea,
especialmente em tempos de triunfo do pragmatismo capitalista.
Nenhuma investigação
histórica – ou mesmo jornalística – digna deste nome será relevante se não for
levada em consideração todas as partes envolvidas, com os seus devidos
contextos temporais e espaciais. A ‘estratégia da desqualificação’, que
criminaliza os movimentos sociais, universidades públicas, trabalhadores e
trabalhadoras denota uma configuração bastante reducionista da complexidade do
mundo do trabalho, que necessita ser arrostado com políticas públicas
permanentes. A questão fundiária em Santa Catarina e, especialmente, na Grande
Florianópolis, há muito tempo tem merecido uma discussão mais radical e
propositiva de todos os seus envolvidos!
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