terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sobre o assentamento “Amarildo de Souza”


Jéferson Dantas[1]

A ocupação de uma propriedade às margens da SC-401 no norte da Ilha de Santa Catarina tem motivado uma série de análises epidérmicas de um fenômeno repleto de múltiplas determinações sociais e históricas. As centenas de famílias que hoje ocupam o assentamento “Amarildo de Souza” possuem diferentes trajetórias, mas traços em comum, já que são oriundos de territórios empobrecidos da Grande Florianópolis e de outros entes federativos. Estes homens e mulheres viveram durante muitos anos em áreas rurais e urbanas com pouquíssima infraestrutura, apresentando baixíssima escolarização e sofrendo toda sorte de precarização de sua força de trabalho. Compreender as migrações intra e inter-regionais é essencial para que não fiquemos aprisionados a um discurso que criminaliza os movimentos sociais sem qualquer adensamento histórico.

O discurso midiático liberal, de maneira genérica, defende deliberadamente a propriedade privada como princípio constitucional inalienável, porém, sabe-se que no interior dos mecanismos jurídicos burgueses a igualdade entre os cidadãos é apenas formal, já que há aí imensas e intensas desigualdades substantivas em contextos concretos da produção material humana. Seria razoável problematizar o déficit de moradia urbana na Grande Florianópolis, as diferentes formas de acesso à escolarização básica e as reais motivações que desencadeiam a organização destes assentamentos, tendo em vista que estes sujeitos históricos só conseguem ter visibilidade por parte do poder público quando estão devidamente organizados e dispostos a enfrentar posicionamentos políticos e ideológicos marcadamente hegemônicos. Ao se desistoricizar as ocupações humanas recentes, que estão na gênese colonial brasileira, incorre-se em anacronismos e defesas tacanhas de determinadas frações de classe. Evidencia-se aí que a luta entre capital e trabalho continua sendo a força-motriz da história contemporânea, especialmente em tempos de triunfo do pragmatismo capitalista.

Nenhuma investigação histórica – ou mesmo jornalística – digna deste nome será relevante se não for levada em consideração todas as partes envolvidas, com os seus devidos contextos temporais e espaciais. A ‘estratégia da desqualificação’, que criminaliza os movimentos sociais, universidades públicas, trabalhadores e trabalhadoras denota uma configuração bastante reducionista da complexidade do mundo do trabalho, que necessita ser arrostado com políticas públicas permanentes. A questão fundiária em Santa Catarina e, especialmente, na Grande Florianópolis, há muito tempo tem merecido uma discussão mais radical e propositiva de todos os seus envolvidos!



[1] Historiador e Doutor em Educação. Professor da UFSC. E-mail: clioinsone@gmail.com

Nenhum comentário: