quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Novembrada - 30 de novembro de 1979


Novembrada 27 anos depois

Jéferson Dantas â



A novembrada, como ficou conhecida a manifestação contra o último ditador do regime militar (1964-1985), João Baptista Figueiredo, ainda está bem fresca na memória dos(as) florianopolitanos(as). No dia 30 de novembro de 1979 uma comitiva do palácio do governo aguardava o ditador, sem sequer imaginar que um grupo de jovens do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina pudesse estragar a festa na tão acolhedora, pacata e simpática Ilha de Santa Catarina. Engrossava o coro dos descontentes os taxistas ilhéus, que tinham de conviver com o racionamento de combustível nos postos de gasolina, tendo em vista a crise do petróleo no Oriente Médio. “João, o presidente da conciliação”, - um samba fora de propósito encomendado para o músico Luiz Henrique Rosa - foi uma tentativa política mal fadada de tornar Figueiredo um homem popular. A derrocada populista iniciava-se, justamente, numa cidade escolhida a dedo pela sua aparente apatia e despolitização.

O que ocorreu depois foi catastrófico para os planos dos generais auriverdes. Houve empurra-empurra, bofetões entre ministros e populares. Nem o cafezinho no saudoso “senadinho” salvou Figueiredo dos encontrões com a população enfurecida e insatisfeita com o modelo econômico adotado pelos militares. Inflação galopante, dívida externa astronômica. Tempos de abertura política. Movimentos sociais se reorganizando. Tudo contrastava. Crianças com as bandeirinhas de Santa Catarina e do Brasil realçavam com matizes surreais as cenas desenroladas naquele fatídico dia. Uma placa homenageando Floriano Peixoto foi arrancada da Praça XV. Balões enormes de gás hélio foram despedaçados. Uma resposta surpreendente que o Brasil inteiro passou a ter como referência. Longe do alcance de populares, Figueiredo foi recepcionado com uma churrascada em Palhoça, maldizendo os que teriam destratado sua mãe.


O governador biônico (indicado pelos militares) Jorge Konder Bornhausen utilizou as prerrogativas da Lei de Segurança Nacional e algumas lideranças estudantis foram presas e julgadas. Entretanto, a ala progressista da Igreja Católica com o apoio da OAB/SC e membros do MDB histórico, conseguiu reverter as condenações. Os dias que se seguiram foram desconcertantes para o governo estadual, que sofreu um desgaste enorme durante o processo condenatório dos jovens universitários. Que este breve registro sirva-nos de alento no que se refere aos desmandos da democracia representativa e, sobretudo, contra qualquer espécie de ditadura. O escritor Lima Barreto (1871-1922) dizia que o “Brasil não tinha povo, mas público”. Pelo menos neste dia, Florianópolis foi povo. E com atitude!




â Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor efetivo da rede municipal de ensino em São José/SC. Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho: Estudos do Currículo da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz e do GIEL – Grupo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem. E-mail: clioinsone@gmail.com

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Repensando a cidade que queremos e habitamos


Um olhar sobre a comunidade Morro da Queimada

Jéferson Dantas·

O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente.
(Mário Quintana)

1. A importância da educação do olhar


A epígrafe acima do poeta gaúcho Mário Quintana estava impressa na camiseta de uma das funcionárias de nossa Escola. Nunca tais palavras foram tão certeiras para os propósitos pedagógicos de nossa caminhada até à comunidade Morro da Queimada. No dia 13 de março de 2004, trabalhadores em educação da Escola de Educação Básica Jurema Cavallazzi, literalmente subiram o morro para conhecerem a realidade social de nossos educandos, num dos bairros mais empobrecidos da Ilha da Magia. Guiados pelo professor de Geografia, Eduardo de Souza, futuro articulador do Projeto Escola Aberta[1] em nossa comunidade, iniciamos o nosso trajeto pela servidão Manoel Sibrino Coelho. Esta servidão encontra-se paralela à rua principal onde está situada a Escola[2].
O professor Eduardo nos relatou que há poucos registros históricos sobre o Bairro, enfatizando que há uma fronteira social bastante nítida em nossa comunidade, isto é, os moradores da “parte baixa” pertencem ao Bairro José Mendes, e os moradores da “parte alta”, pertencem ao Morro da Queimada. Esta é uma problemática pertinente, tendo em vista que as rotulações e/ou preconceitos sociais das quais os moradores do Morro da Queimada são vítimas, deve-se, sobretudo à violência sistemática promovida pelo narcotráfico, algo que “pessoas de bem” não devem compactuar. Além disso, os escassos registros históricos das duas comunidades limítrofes revelam que os antigos moradores, como o senhor Manoel Sibrino Coelho, eram proprietários de imensos lotes de terra do local, configurando práticas privatizantes tão comuns no Brasil Colonial e pós-independente. Estas permanências estão enraizadas até os dias de hoje, pois mesmo numa comunidade tão pauperizada como é o caso do Morro da Queimada, há moradores que privatizam determinados espaços sociais para a prática de esportes, cobrando taxas de uso; há casos também de moradores que construíram galpões para se guardar automóveis, tendo em vista a ausência de locais para estacionamento. Logo, as garagens improvisadas também são importantes fontes de renda para quem as construiu.
Retomando a nossa travessia, o professor-guia nos relatou ainda que a servidão de acesso ao Morro só foi “lajotada” na década de 1980. Eram comuns os desmoronamentos e acidentes envolvendo os moradores locais. O sistema de esgoto continua precário e, por que não dizer, inexistente ou clandestino em grande parte do morro. No entanto, há uma organização política mínima na comunidade, que possibilita apontar e encaminhar soluções específicas para as demandas locais. Porém, a equipe pedagógica de nossa escola compreende que a articulação entre as duas comunidades – Queimada e José Mendes – é falha em vários sentidos, pois não se reconhecem identitariamente. A Escola, neste sentido, seria o locus social ideal para “amarrar” as demandas dos dois bairros, num processo de entendimento das realidades conjuntural e estrutural.
Indaguei ao professor Eduardo o porquê do bairro se denominar “Queimada”. O professor respondeu que nos terrenos baldios do morro, onde se concentravam toda espécie de lixo e mato, os moradores queimavam o matagal para as crianças jogarem futebol. Daí, o apelido pegou. Quando diferentes grupos de crianças e adolescentes combinavam uma “pelada”, era comum se ouvir: “Vamos bater uma bola lá na Queimada?”.
As histórias contadas pelo professor-guia e os diferentes olhares que se lançavam a cada trecho de nossa caminhada, denotavam também os imensos contrastes sociais na comunidade. Bem no início do morro era possível perceber casas de alvenaria, bem acabadas, contrastando com casebres de madeira sobre estacas, ou ainda casas com reboco à vista. No que se refere aos valores culturais da comunidade, são comuns as tendas espíritas, os terreiros de candomblé e a presença das crenças evangélica e católica, dando bem a medida de uma pluralidade religiosa no local (sincretismo religioso). O professor Eduardo chegou a mencionar que o Bairro Morro da Queimada, possivelmente, é o local onde se concentra o maior número de terreiros por metro quadrado do Brasil. Algo que precisa, efetivamente, ser pesquisado com maior nível de detalhamento.
Mas, não foi apenas o professor Eduardo que nos conduziu nesta travessia. Nossos funcionários de serviços gerais da Escola, que são ou foram moradores do Bairro, relataram que a comunidade sofreu profundas modificações estruturais nos últimos vinte anos. Janilton, colaborador da Escola há quase quinze anos, relatou-nos que antigamente havia um riacho que atravessava o início do morro, e até hoje é possível ouvir o som do rio sob uma horta construída no local. O riacho foi canalizado e desemboca no mar através de tubulação subterrânea. Até meados da década de 1980, segundo Janilton, era possível beber a água deste riacho. Porém, já a partir da década de 1990, o riacho estava completamente poluído por dejetos orgânicos, assim como o próprio mar que circunda o Bairro José Mendes.[3] A funcionária Jocélia nos relatou também que quando era menina, lavava roupa num tanque natural de água com familiares e outros moradores. Hoje, o local está aterrado é há uma residência em seu lugar. Todavia, algo nos chamou a atenção numa das residências – e, talvez aqui um dos maiores contrastes: uma casa bastante simples com uma antena via satélite.
Já no alto do morro, vislumbramos uma paisagem lindíssima da ilha de Santa Catarina, englobando os bairros da Costeira do Pirajubaé, Saco dos Limões e Pantanal. Aproveitei a formação específica de nosso guia para lhe perguntar o que significa, conceitualmente, o Maciço do Morro da Cruz. O professor Eduardo me disse que a denominação Maciço refere-se a uma formação rochosa ampla que já sofreu um longo processo de erosão com o passar do tempo. Entretanto, recomendou-me a leitura de um dicionário de Geografia com conceitos pertinentes à geomorfologia.
Prosseguindo a nossa jornada pudemos perceber que não estávamos diante de uma única comunidade, mas de várias comunidades numa só, e como isto se constrói historicamente. Para se ter uma idéia desta realidade, basta atentar para as denominações que alguns locais do Morro da Queimada recebem: Boca do Vento e Jagatar. O local denominado Boca do Vento fica bem em frente a um dos templos da Igreja Assembléia de Deus. Está completamente baldio, com muita sujeira e mau cheiro. Aliás, o lixo exposto a céu aberto é uma situação presente e permanente no Bairro. A Boca do Vento está circundada por muros – já que é uma propriedade privada - e deste local é possível enxergar as pontes que integram a ilha ao continente. O professor Eduardo fez uma importante comparação da situação urbana de Florianópolis nos dias de hoje com duas representações iconográficas de Debret no século XIX.[4] Os lugares de memória representados pelo pintor francês Debret estão, atualmente, quase que completamente desfigurados. O aterro da Baía Sul na década de 1970 tornou a paisagem de Florianópolis mais verticalizada e sem os ares de provincianismo tão comuns até a década de 1960.
Próximo à Boca do Vento havia muitas crianças que estudam em nossa Escola. Era transparente a felicidade destes meninos e meninas com a presença dos professores e diretores. Aliás, alguns professores chegaram a visitar seus alunos em suas residências. As crianças sentiram-se importantes e prestigiadas com a nossa visita. Antes de descermos o morro, fomos na divisa da comunidade da Queimada com a Comunidade do Mocotó, esta última tristemente conhecida pelo narcotráfico e por chacinas nos morros. O professor Eduardo comentou que, para os técnicos do IPUF – Instituto de Planejamento e Urbanismo de Florianópolis – os morros da Queimada e Mocotó estão assinalados como bairros centrais da capital, deturpando os dados oficiais de qualidade de vida da cidade e elevando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Na descida do morro entramos numa estradinha esburacada que dá acesso a um local denominado Jagatar[5], que foi invadido ilegalmente pelos moradores. Por ser um território não legalizado, os próprios moradores da comunidade da Queimada não respeitam os ocupantes deste local. No Jagatar não há tratamento de esgoto e toda a rede elétrica é clandestina, ou seja, a prática das gambiarras é uma constante no local. Perto desta localidade havia uma fabriqueta de massas, que chegou a funcionar por um tempo, absorvendo a mão-de-obra local. Com o fechamento da microempresa, os trabalhadores locais ficaram sem ter para onde ir e passaram a ocupar ilegalmente o terreno das proximidades. Hoje, a antiga fabriqueta de massas abriga uma Igreja Católica, que dá respaldo aos moradores ilegais. A prefeitura, no entanto, faz vistas grossas, mas em compensação não realiza qualquer iniciativa de urbanização da comunidade como um todo.
Antes de voltarmos para a Escola, passamos em frente à creche que atende a Comunidade da Queimada. A creche se chama São Sebastião e foi fundada no dia cinco de outubro de 1991, com recursos da Organização Não-Governamental Ação da cidadania dos empregados da Caixa Econômica Federal. Ao lado da creche há dois bares e mais adiante uma pequena mercearia[6].


2. O momento do registro Coletivo: limites e possibilidades de intervenção pedagógica

Ao retornarmos para a Escola tomamos um rápido café e depois fomos registrar coletivamente as nossas impressões da caminhada. Fiquei como sistematizador das falas coletivas, dividindo o quadro em três segmentos: 1) Meio Ambiente; 2) Aspectos sociais e culturais; 3) Aspectos econômicos e renda. A Diretora Geral ficou responsável pelas inscrições.
Os professores consideraram que a comunidade carece de uma coleta seletiva de lixo e o tratamento de água e esgoto. Aliás, uma professora me relatou que alguns alunos não têm banheiro e que fazem as suas necessidades fisiológicas no mato. Registrando fielmente a fala do aluno, ele teria comentado o seguinte para a professora: “Eu caco no mato!”. Ainda no segmento Meio Ambiente, os professores apontaram que as casas possuem uma construção frágil e que muitas estão em situação de risco (desmoronamento) e há muitos dejetos orgânicos de animais pelas ruas, principalmente de cachorros.
Já no segmento dos Aspectos Sociais e Culturais, foi considerado que a maioria de nossas crianças são negras, mas há uma diversidade étnica muito grande, principalmente de famílias originárias do oeste do Estado.[7] Além disso, apresentam diferentes crenças religiosas. Convivem diariamente com a violência doméstica e o narcotráfico. As crianças têm pouquíssimas áreas de lazer e as famílias, aparentemente, são bastante influenciadas pela televisão, já que na maioria das casas há pelo menos um televisor. Uma professora, ex-moradora da comunidade, enfatizou que o Bairro tem duas realidades bem distintas: uma realidade diurna, mais tranqüila, e uma realidade noturna, onde impera o tráfico de drogas, a prostituição e o alcoolismo.
No segmento Trabalho e Renda uma professora apontou que os moradores da comunidade são consumidores potenciais, pois querem ter os mesmos bens da classe média. Este apontamento foi questionado por uma outra professora, que considerou que eles não têm condições materiais para adquirir bens de consumo tipicamente da classe média, esta última, freqüentadora assídua dos templos de consumo (shopping centers); na realidade, estes moradores são consumidores de sobras dos feirões e usam roupas e calçados doados, fora dos padrões de suas medidas. Um professor comentou que já estão sendo realizadas pesquisas nos morros da capital por grandes empresas, objetivando a identificação do perfil consumidor destas comunidades.
Evidentemente, que outras questões foram levantadas e que não foram registradas neste breve texto. Afinal, são diversos olhares sobre a comunidade e é bem provável que muitos professores e funcionários tenham analisado a realidade social dos nossos educandos por diferentes prismas. O que ocorre, porém, numa atividade como esta pela qual nos propomos é a qualidade de nosso planejamento de aula e, por conseguinte, a importância de registrarmos as nossas impressões sobre o processo ensino-aprendizagem de nossos educandos. Volto a afirmar aqui o que disse para os professores no dia 13 de março: nós, educadores, fazemos a diferença sim! Por mais desenganados que nos encontremos, seja pelos salários aviltantes ou pelas condições de trabalho indesejáveis e insalubres, não podemos vendar os olhos para uma realidade evidente e estrutural. Ao retomarmos os nossos planejamentos, tenho convicção de que não estaremos executando uma tarefa burocratizante e mecânica, mas sim um projeto de ensino quiçá interdisciplinar, envolvendo todos os sujeitos históricos da Escola.
Por fim, é importante agradecer aos que entenderam ao chamado desta primeira caminhada pedagógica de 2004. Outras caminhadas estão previstas ao Morro da Queimada, desta vez com roteiros prévios, para que possamos dialogar com as famílias e com os alunos, identificando suas necessidades mais prementes, seus sonhos, suas utopias. E parafraseando o mestre João Guimarães Rosa, o importante não é a chegada e nem a partida, mas o processo histórico de nossa travessia; ou ainda lembrando a epígrafe deste texto: o passado não reconhece o seu lugar. Está sempre presente. E será justamente na construção dialógica do passado com o presente e do presente com o passado, que teremos as ferramentas conceituais para ultrapassarmos as concepções rasteiras do senso comum.


· Bacharel Licenciado em História e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
[1] O Projeto Escola Aberta configura-se como um dos antigos sonhos de toda a equipe pedagógica da Escola. Em linhas gerais, propõe a abertura da Escola nos finais de semana para os pais, alunos e equipe pedagógica, objetivando o oferecimento de oficinas diversificadas, treinamentos específicos para a área de informática, práticas desportivas e grupos de estudos para as diferentes áreas do conhecimento humano. Por ser um projeto orgânico, debatido nas instâncias deliberativas da Comissão de Educação do Fórum do Maciço, seu propósito maior é aproximar as comunidades locais às Escolas do Fórum.
[2] A rua principal de acesso à nossa Escola chama-se Professor Aníbal Nunes Pires. Esta rua foi inaugurada há cinco anos atrás – no dia 23 de março de 1999, aniversário da cidade - na primeira gestão da prefeita Ângela Amin, considerada por determinados meios de comunicação como uma das melhores prefeitas do Brasil. Entretanto, passados exatos cinco anos desde a inauguração da rua, os problemas estruturais continuam sendo os mesmos, embora a mídia impressa catarinense tenha ressaltado com orgulho o fato de Florianópolis ser considerada a capital com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para crianças e adolescentes do país.
[3] Cabe ressaltar que há alguns anos atrás a empresa Vonpar Refrescos Ltda., representante da Multinacional Coca-Cola, foi responsável por boa parte da poluição da praia do Bairro José Mendes. O fechamento da fábrica e pendengas judiciais posteriores, não solucionaram o processo de poluição permanente do local.
[4] A Missão Artística francesa chegou ao país por iniciativa de D. João VI, no ano de 1816. Os artistas franceses, inicialmente, foram contratados como professores. Além de ministrarem aulas em vários cursos criados durante a permanência da Família Real portuguesa no Brasil, os artistas franceses debruçaram-se sobre as paisagens e o cotidiano das cidades do litoral brasileiro, destacando-se Nicolas-Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret.
[5] O nome Jagatar foi retirado da ficção televisiva, mais precisamente da teledramaturgia global. A novela do horário das seis chamada “Estrela Guia”, estrelada pela cantora e dublê de atriz, Sandy, retratava uma comunidade hippie localizada numa cidade distante e cercada de bosques. Ironicamente e com uma boa dose de humor tipicamente brasileiro, os moradores ilegais desta região da Queimada batizaram o local de Jagatar, ou seja, um lugar no meio do nada rodeado de mato. Cabe ressaltar aqui a influência que os meios de comunicação, notadamente, a televisão, exercem sobre as comunidades empobrecidas, inculcando valores e um modus vivendi estranho ao seu cotidiano.
[6] Levando-se em conta que se trata de uma creche, os bares deveriam se localizar em pontos mais afastados, conforme a Lei vigente.
[7] Na periferia da capital e, principalmente nos morros, encontramos muitos migrantes catarinenses que, em busca de melhores condições de vida, acabam se marginalizando cada vez mais. A ausência de políticas públicas efetivamente estruturais no meio-oeste catarinense e também no planalto serrano ocasiona o inchaço urbano em Florianópolis e o desequilíbrio social crescente.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

A África revisitada




Jéferson Dantas



Segundo o geógrafo Rafael Sanzio Araújo dos Santos ainda não se fez o “suficiente, o necessário, o durável pela África. O mundo, a Europa, a América, tem grave responsabilidade nesse processo secular de falência”. Num continente onde 40 de seus 52 países estão entre os mais pobres do mundo, não há mais como vendar os olhos para a destruição permanente de um território historicamente explorado pelas grandes potências capitalistas. Uma exploração construída pela violência física e simbólica em relação às grandes civilizações africanas, escravismo mercantil e a ideologia xenófoba proveniente de várias partes da Europa.

O Brasil, sendo a segunda maior nação de ascendência africana do mundo, deve muito a esse continente. Afinal, foram os braços dos escravos africanos que construíram esse país nos últimos quatro séculos. E, assim como na África, os regimes colonial, imperial e republicano no Brasil não deram conta da inclusão da grande maioria dos afrodescendentes no processo produtivo nacional. Os afrodescendentes ainda não conseguiram estabelecer um processo de “empoderamento” que lhes dê a visibilidade merecida. Entre preconceitos e estereótipos que acompanham a triste e sinuosa história desses homens e mulheres separadas pelo Atlântico, há a permanência da ideologia eurocêntrica, mais apaziguadora do que comprometida com a situação de miserabilidade dos povos africanos.


Assim, para que a nação brasileira possa construir um projeto de inclusão, torna-se imprescindível reavaliar os descaminhos do processo educacional público brasileiro, pedagogicamente/historicamente autoritário e extremamente excludente. Além disso, é fundamental repensar a realidade cruel das comunidades periféricas de morros e encostas de várias cidades brasileiras, que apresentam como perfil étnico, em grande parte, homens e mulheres de descendência africana. O continente africano, assim como o Brasil, foi secularmente dilapidado. Na África, tragicamente, impera em grande medida regimes políticos frágeis e suscetíveis à corrupção endêmica. É esta a herança nefasta que queremos e projetamos para as gerações futuras brasileiras? Uma sociedade onde a impunidade, o racismo e o arrivismo são as faces da mesma moeda?




domingo, 5 de novembro de 2006

O custo das oligarquias




Jéferson Dantas



Nas primeiras décadas do século XVI a coroa portuguesa dividiu a sua nova colônia na América em quinze grandes trechos de terra que contornavam o litoral brasileiro, sistema que ficou conhecido como capitanias hereditárias. As capitanias hereditárias do ponto de vista social, econômico e político foi um total desastre. Além de ter concentrado enormes extensões de terra nas mãos de pouquíssimos donatários, representou a gênese perversa do latifúndio improdutivo numa terra em que, originariamente, civilizações autóctones extraíam sua subsistência da própria natureza. A lógica do mercantilismo europeu ou o pré-capitalismo teve no Brasil sua face perversa com a escravidão que durou mais de três séculos, situação que nos envergonha até os dias de hoje.

Todavia, os nichos sócio-culturais dos oligarcas continuam mais vivos do que nunca. Embora arrefecidos nas últimas eleições para cargos executivos no Brasil, as oligarquias regionais durante muitos séculos governaram e governam boa parte do Brasil. A truculência grotesca, favoritismo, clientelismo, paternalismo ou a ameaça sistemática aos seus desafetos, são as características mais evidentes deste gênero político nefasto e dasalentador. Se outrora as oligarquias rurais (coronelismo) chefiavam seus redutos eleitorais via voto do cabresto e outras artimanhas indecorosas, as oligarquias urbanas souberam muito bem se aproveitar dos anos de chumbo no Brasil através da conveniência com a tortura, repressão sistemática e delação em larga escala. Tanto as oligarquias rurais como as urbanas hoje se confundem. Ocupam o Congresso Nacional e mantém a mesma postura arrogante de seus descendentes seculares. Governam de costas para as populações empobrecidas. Oferecem migalhas em troca de seu empoderamento ad vitam aeternam.

Logo, o custo social das oligarquias é bem evidente. Entre outros aspectos, sepultam a liberdade de expressão, condenam a vivacidade das vozes dissonantes à humilhação pública e ao desterro. Submete a população empobrecida a uma condição cada vez mais paupérrima e ignorante. Anulam os projetos de ascensão social dos que mais necessitam. Os trogloditas de prenomes e sobrenomes que habitam esta terra há centenas de anos representam a imagem mais deprimente de uma nação que precisa crescer economicamente e socialmente apesar deles.