domingo, 27 de agosto de 2006

Candidato ao Senado por Santa Catarina decreta o fim das ideologias!



O fim das ideologias (?)

Por Jéferson Dantas



Um determinado candidato a senador por Santa Catarina tem pedido aos seus leitores no horário eleitoral gratuito um voto de confiança, “independente das ideologias”. Isto me chamou bastante a atenção, afinal escolhemos os representantes do poder Legislativo não só pelo seu histórico, mas, sobretudo pelo seu entendimento de sociedade e pela maneira como a sua agremiação partidária se comporta na elaboração de leis que atendam ao bem comum. O candidato decretou o “fim das ideologias” com a maior tranqüilidade, estabelecendo uma nova regra: os eleitores não precisam mais se preocupar com os matizes ideológicos de direita, centro ou esquerda; estão todos no mesmo barco (ou saco).


Embora a credibilidade da classe política se encontre bastante abalada, onde impera a impunidade e a corrupção nos três poderes, engana-se quem acredita que as ideologias estão mortas e sepultadas. O movimento histórico nos últimos vinte anos, com o fim do socialismo real e a hegemonia praticamente absoluta do neoliberalismo, apenas nos aponta com gravidade a necessidade da sociedade civil se reinventar. Em outras palavras, urge a elaboração de uma contra-hegemonia que recupere a força das utopias, de uma sociedade mais justa e igualitária. A violência crescente e o fosso cada vez maior entre a opulência e a miséria é responsabilidade do Estado sim! Porém, quando o Estado se desresponsabiliza de suas funções primordiais, jogando para o mercado o equilíbrio social e econômico, temos aí uma opção de classe, ou seja, a ideologia da classe dominante e a manutenção do statu quo de um determinado segmento social.


Logo, as ideologias não morreram e estão longe de serem sepultadas. O candidato ao senado por Santa Catarina comete um equívoco premeditado. Aposta na velha máxima de que os(as) eleitores(as) votam no “indivíduo” e não na ideologia partidária. As coligações inimagináveis, as bravatas de auditório e homens públicos comprometidos com as velhas oligarquias é que precisam ser desveladas em Santa Catarina. Se as opções são cada vez mais exíguas, que pelo menos saibamos reconhecer as práticas discursivas dos(as) candidatos(as) ao Congresso Nacional, discursos esses que beiram ao cinismo, baseados na crença de que os(as) eleitores(as) são ingênuos(as) e não sabem separar o joio do trigo.








segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Mídia e desqualificação do(a) educador(a)




Por Jéferson Dantas



Tem me causado muita surpresa a maneira como um grande grupo empresarial da mídia na região sul tem tratado a questão da educação em Santa Catarina. São matérias sistemáticas em periódicos impressos e também nos telejornais diurnos e noturnos que desqualificam os educadores catarinenses, invertendo a lógica de que a precarização da educação pública é, acima de tudo, uma questão estrutural e não simploriamente “culpa” de quem tem formado gerações inteiras de catarinenses.

Uma das últimas matérias publicadas por este importante grupo empresarial da mídia, apontou em “rápidas pinceladas” que os atestados médicos dos professores se ampliaram consideravelmente no mês de julho, denotando, aparentemente, que os professores estão se utilizando artificiosamente dos atestados para não trabalharem. Ou seja, as juntas médicas estão sendo coniventes, certamente (?). Nunca li neste periódico uma matéria consistente sobre as doenças psíquicas e físicas que os educadores sofrem nos ambientes escolares, muitos deles sucateados e impróprios para a prática pedagógica. Apenas para citar, a síndrome de burnout e o assédio moral são apenas algumas das situações corriqueiras em várias escolas catarinenses e do Brasil como um todo.

Já em seus telejornais, a empresa tem reservado espaços específicos para tratar da educação e os seus âncoras com olhares bravios exigem limites à indisciplina dos estudantes e atitudes enérgicas dos educadores. Num dos últimos programas que assisti, sugere-se sutilmente que o modelo privado de educação básica deve ser o mesmo seguido pelo modelo público, tendo em vista que os “resultados” são mais positivos, objetivos e direcionados (leia-se vestibular). Em outros termos, a relação mercantilista/trabalhista da educação acaba se tornando a mais adequada para se evitar as faltas freqüentes dos educadores e a disciplinarização de sua conduta no ambiente escolar.

Logo, faz-se importante a relativização do que tem sido publicado pela mídia no que se refere à educação catarinense, principalmente quando um determinado grupo empresarial se coloca como interlocutor privilegiado ou “arauto” das mazelas educacionais. Não se pode confundir a liberdade de imprensa com irresponsabilidade. Ao culpabilizar, nas entrelinhas, os educadores pela falência da educação, os empresários da mídia cometem uma grande violência simbólica contra aqueles(as) que estão, justamente, numa das pontas mais frágeis dessa problemática. Invés de culpar educadores e educadoras pelo fracasso escolar dos educandos, não seria mais honesto e responsável pesquisar profundamente o que está embutido no processo ensino-aprendizagem?

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Nada de novo no "front"...

Portal Último Segundo, 14/08/2006

Baixo nível da educação brasileira limita crescimento, diz estudo do Ipea

BRASÍLIA - O Brasil fez muito nas últimas décadas em matéria de educação, mas hoje há relativo consenso de que o baixo nível educacional da nossa força de trabalho é um dos fatores limitativos do crescimento. A constatação está no documento Brasil, o estado de uma nação, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o texto, a população brasileira é formada por pessoas que "podem ser tuteladas e podem até atingir bons níveis de produtividade". O estudo ressalta que essas pessoas têm baixa capacidade para realizar tarefas mais complexas e tomar decisões que exigem capacidade analítica mais sofisticada, o que impede o desenvolvimento.

Embora reconheça que há mais ofertas, o Ipea diz que falta qualidade no ensino. Entre 1970 e 2000, o número de matrículas saiu de 1,119 milhão para 3,680 milhões no ensino médio, e de 425 mil para 2,694 milhões no ensino superior. Entretanto, o texto qualifica de "lastimável" a educação básica no país, ao compará-la à de outros lugares. "A pior notícia das comparações internacionais é a constatação de que a capacidade de compreensão de leitura dos alunos das nossas elites é inferior ao nível obtido pelos alunos de classes mais baixas da Europa".
Apesar do aumento do número de vagas, especialmente no ensino fundamental, os pesquisadores do Ipea consideram má a qualidade do ensino, e constatam que não há estímulo para a permanência do aluno na escola. Embora o ensino fundamental tenha se universalizado, ou seja, todos entram na escola, somente 84% concluem a quarta série e 57% terminam o ensino fundamental. No nível médio, o índice deconclusão é de apenas 37%, sendo que, entre indivíduos da mesma idade, que entram ao mesmo tempo na escola, apenas 28% saem com diploma. O estudo relaciona a evasão à condição social do aluno. Na categoria dos 20% mais pobres do país, 95,2% dos alunos entre 7 e 14 anos estão na escola. Quando chegam à idade entre 15 e 17 anos, a proporção cai para 73,6%. No grupo entre 18 e 24 anos, apenas 28% permanecem estudando. Entre os 20% mais ricos, 99,3% das crianças entre 7 e 14 anos estão na escola. Dos 15 aos 17 anos a parcela é de 94,6% e dos 18 aos 24 anos, 51,6%. "A ordem do dia é investir incansavelmente em qualidade, passando pela melhor qualificação dos professores, pela melhoria da infra-estrutura de ensino e pela motivação de seus profissionais", conclui o texto do Ipea.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Para pensar...agir...e resistir!

Folha de São Paulo, 04/08/2006 - São Paulo SP

Esquizofrenia na educação e cultura

Alcione Araújo

Os números são eloqüentes: dos 186 milhões de habitantes, a educação -estudantes e professores, do ensino fundamental ao doutorado- envolve 55 milhões. Cotejar esses números com os da produção artística é deparar-se com outro país. A tiragem média de um romance no Brasil é de 3.000 exemplares; a ocupação média dos teatros, de 18%; em crise, as gravadoras têm números pífios, e a média de espectadores de filmes brasileiros, de 250 mil, está em 180 mil em 2006.

Os números revelam enorme desinteresse pela arte e, deduz-se, cresce a distância entre os significados percebidos pelo público e o conteúdo latente das formas de expressão. Nem os 55 milhões envolvidos na educação usufruem da produção artística. O país vive esquizofrênica fratura: uma educação sem cultura e uma criação artística sem público. A economia pode até crescer, mas cresce sem alma. Criação da subjetividade, de percepção subjetiva, as artes interagem com as demais metáforas -filosofia, antropologia, sociologia etc.- criadas pela sensibilidade e razão humanas para se entender, entender o mundo e se entender no mundo. Braço sistematizado da cultura, a educação tem métodos, normas e hierarquias para realizar a transmissão do saber. A expectativa é que, vivenciado o processo -graduar-se, digamos-, se esteja preparado e motivado para fruir a arte de várias épocas nas suas várias formas. O que se vê, porém, são médicos que jamais leram um romance, engenheiros que nunca foram ao teatro, advogados que não vão ao cinema, dentistas que não se emocionam com a música etc. Na origem do fenômeno, uma sociedade que não tem a educação e o saber como valores, mas sim como meios de ter uma profissão e se inserir na produção. Se assegurar o emprego, prescinde-se da qualidade no ensino, ou, num utilitarismo ingênuo, se dá o diploma, cumpriu o papel. Sem minimizar a importância do emprego num país carente dele, com tal visão, a educação renuncia à função de desvelar universos e se limita a formar mão-de-obra mais ou menos qualificada. Compelida pelos vestibulares, a idéia reflui aos níveis médios, reduzidos a cursinhos preparatórios. O pragmatismo expulsa as disciplinas chamadas de humanidades, que dão lugar àquelas de especialização prematura. Nessa moldura, a missão da universidade -universalização do saber pelo tripé da formação do profissional, do cidadão e do homem- torna-se uma trajetória de adestramento para a produção. A história reconhece na aliança entre educação e cultura a primazia de criar sonhos e inventar meios para realizá-los. O valor simbólico da cultura fecunda o processo civilizatório, dos valores às leis, da política à vida. A herança de colonizado, a exclusão social e a elitização da cultura atrelam o futuro da produção artística ao que a educação lhe reservar. A cultura é dependente da educação. Se não cumpre sua missão, sufoca as artes. Não se pode pensar a educação sem a cultura, nem a cultura sem a educação. No espectro cultural, há um vácuo entre arte popular -autônoma à educação- e arte tradicional, dita do espírito. Tentou-se fazê-las dialogar num amplo projeto nacional popular abortado pela ditadura. No "gap" entre as duas, irrompeu a indústria audiovisual de entretenimento, hoje hegemônica. O público, além de introjetar valores dessa indústria, assiste à contaminação da cultura do espírito e da cultura popular pela anódina cultura de massa.

Ao artista, resta o desalento por sua obra não chegar ao público, não emocioná-lo nem aguçar sua imaginação, não humanizá-lo nem levá-lo a pensar. Artista e arte perdem a função, o público empobrece e estreita o horizonte da sociedade. Não se formam platéias e as obras não circulam; não se viabiliza economicamente a produção, cujo custo crescente a torna mais dependente do Estado, suscetível à discriminação política e acomodação estética -o artista inibe a própria ousadia. À falta do público induzido pela educação, a produção artística se autodesqualifica na busca de audiências que não a reconhecem e perde o público cativo remanescente. Educar não é apenas qualificar para o emprego, nem arte é apenas adorno que aguça a sensibilidade. Há uma dimensão humana que, sem educação e cultura, nada agrega como experiência coletiva nem alcança a plenitude como experiência individual capaz de discernir e ser livre para escolher. E, sem isso, não podemos dizer que somos realmente humanos.
ALCIONE ARAÚJO , 56, pós-graduado em filosofia, é romancista, dramaturgo, cronista e roteirista de cinema. É autor de "Urgente é a Vida" (prêmio Jabuti 2005).