terça-feira, 18 de junho de 2013

A FACE REPRESSIVA DO ESTADO E A OFENSIVA DA CLASSE TRABALHADORA



A formação do Estado brasileiro é atravessada por processos históricos de cunho autoritário, excludente e de massacres sistemáticos. No período monárquico (1822-1889) as tentativas frustradas de se constituir uma ‘nação’ pela força e pela contratação de milícias internacionais representaram a tônica da presença estatal neste marco temporal. As rebeliões de viés separatista nas décadas de 30 e 40 do século XIX eram sintomáticas. O modelo produtivo calcado na força de trabalho escravista e na extração predatória dos recursos naturais espalhava miséria e destruição nos nichos oligárquicos desprestigiados pela monarquia. As regiões norte e nordeste viam crescer motins organizados por escravizados islamizados e proprietários rurais falidos. Tal permanência do modelo agroexportador escravocrata adentraria o século XX, já no período republicano, com as mesmas mazelas não resolvidas do período monárquico.
O Estado republicano, ‘inaugurado’ em 1889, e sem qualquer participação popular, teve pequenos intervalos democráticos. A oligarquia cafeicultora paulista, ao assumir em regime de revezamento com Minas Gerais, o poder executivo nacional, instaurou a “República do Café com Leite” (1898-1930), estabelecendo os pilares de como o país seria governado: agroexportação (café) e exploração incessante de uma força de trabalho agrária em condições de semiescravidão.  O período varguista (1930-1945), marcado pela ditadura do Estado Novo, intervencionismo nos estados federativos e censura aos meios de comunicação, também foi responsável pela eliminação física de milhares de brasileiros à custa dos 'interesses da pátria'. Outro exemplo significativo foi a expulsão de pequenos artesãos, mendicantes e prostitutas dos centros da cidade do Rio de Janeiro em 1904 (Revolta da Vacina), então capital da República, pelo prefeito-engenheiro Pereira Passos, desejoso de uma sanitarização social.
Reconhecer os massacres do Estado e a ausência de um projeto social para o Brasil já seriam suficientemente notáveis para se compreender as omissões nos setores estratégicos deste país (educação, mobilidade urbana, saúde e infraestrutura). Contudo, a Ditadura Militar (1964-1985) deixou marcas indeléveis em muitas gerações de brasileiros: desaparecimento de presos políticos; torturas; tática da suspeição; fechamento da imprensa livre; mordaça na classe artística; exílios compulsórios; e destruição do modelo educacional em todos os níveis de ensino.
Em nosso país, com interrupções históricas de menor significado, temos vivido sob um presidencialismo rígido, quando não sob o regime autocrático, conforme palavras do jurista Sampaio Dória (1883-1964): ‘O Chefe de Estado ou é rei hereditário e perpétuo, cuja vontade decreta e executa as leis, ou é um caudilho que, usurpando ao povo a soberania, decreta como poder pessoal as leis que executa ou manda executar. Os governados estão paralisados e sem voz, sob o jugo da não-partilha do déspota, coroado ou sem coroa’.
Somado a isso, os mass media têm tentado reorganizar a agenda histórica das manifestações sociais no Brasil de uma maneira extremamente capciosa e anti-histórica, como presenciamos atualmente com os levantes populares contra o aumento das tarifas dos transportes coletivos.
Nesta direção, pensar a ‘violência de Estado’ num país como o Brasil é compreender os limites de uma democracia liberal legalista, conduzida por tecnocratas e por poderes constituídos bastante afastados dos interesses coletivos; o Congresso Nacional representa tão somente a defesa dos interesses do capital contra o trabalho. A política do consenso pela força durante o regime militar foi substituída pela política do consenso legalista (a saída para os problemas sociais é de ordem técnica e não de ordem política).
 A ilusão conformista que circunda o mundo do trabalho e também os espaços de subjetividade ganham contornos cada vez mais complexificados e reacionários. Repensar a sociedade de classes, em parâmetros humanizantes, exige mais do que reformismos pontuais, como defendiam os utopistas dos séculos XVII, XVIII e XIX. Enfim, onde os fenômenos sociais estejam presentes, importa-nos problematizar e qualificar a compreensão da realidade existente e, consequentemente, trabalhar na direção de transformá-la!







sexta-feira, 31 de maio de 2013

20 ANOS SEM E.P. THOMPSON E A EMERGÊNCIA DE UMA HISTÓRIA ‘VISTA DE BAIXO’



O objetivo deste lacônico texto é situar a importância do pensamento do historiador marxista britânico Edward Palmer Thompson (1924-1993), notadamente no que se refere à experiência da classe trabalhadora. Na acepção de Thompson, “a noção de classe é construída por homens e mulheres a partir de sua própria experiência de luta e não numa estação experimental [...] da qual os homens não são os sujeitos, mas apenas os seus vetores”, conforme análise da educadora Regina Célia Linhares Hostins.
Além disso, o método thompsoniano revelava a consistência entre ‘conceito’ e ‘evidência’, onde o conceito se origina nos engajamentos empíricos. Em outras palavras, a dialética do conhecimento histórico defendida por Thompson deveria ser observada durante um período adequado de transformações sociais, por meio de padrões em suas relações, ideias, tradições arraigadas, valores e instituições envolvidas. Tais regularidades ou modos de agir/pensar de homens e mulheres durante um expressivo período histórico, unificando acontecimentos ‘aparentemente’ desconectados, representam aquilo que o historiador britânico denominou de “a experiência de classe como fenômeno histórico”.
Edawrd.P.Thompson
E.P. Thompson (1924-1993)

Nesta direção, Thompson examina a luta de classes como uma ‘categoria historiográfica’, tendo como referências conteúdos históricos empiricamente observáveis e perspectivas analíticas ou heurísticas devidamente organizadas para se apreender as ‘evidências históricas’. Assevera ainda o historiador de que determinados estudos marxistas deram muito valor (de forma anti-histórica) à classe e pouco valor à ‘luta de classes’, sendo que esta última é mais universal e um conceito prioritário. Remata o autor, considerando que ‘classe’ e ‘consciência de classe’ são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico concreto. Não se pode falar em classes sem que os sujeitos se encontrem diante de grupos ou associações e por meio de processos de luta entrem em relação e em oposição sob uma forma classista. 


    No ano em que se comemora os 20 anos de desaparecimento de E.P. Thompson, entendemos que o seu legado está longe de se dissipar, tendo em vista as suas vigorosas contribuições epistemológicas, num momento histórico em que a linguagem ou as ‘ordens discursivas’, tornaram-se um fim em si mesmo, com pouquíssima pesquisa empírica. As teorias pós-modernas, em especial, têm “legitimado a fragmentação e a dispersão ao institucionalizar como algo permanente e cristalizado eventos particulares da história, em que o fragmentado local ganha vida própria e independente”, como bem assinala a educadora Célia Regina Vendramini. Thompson continuará provocando e inquietando novos e experientes pesquisadores, lembrando-nos que a produção do conhecimento histórico não se realiza em laboratórios ou gabinetes assépticos, mas no turbilhão das ruas, nos embates, nos projetos políticos em disputa.
A herança ou o legado do pensamento de Thompson converge para aquilo que acreditamos estar ausente em muitas pesquisas historiográficas, ou seja, o compromisso com a transformação social. O mesmo processo deveria estar no horizonte das pesquisas de cunho educacional. Os ensinamentos de E.P. Thompson são claros: nunca esgotar as possibilidades de pesquisa e sempre desconfiar de afirmações categóricas sem qualquer vínculo entre o conceito, fontes e evidências. Sobretudo, Thompson militava em favor de uma historiografia ‘vista de baixo’ (History from below), o que fomentou uma de suas mais audaciosas e importantes investigações (A formação da classe operária inglesa), referência até os dias de hoje tanto para educadores quanto para historiadores.
Por fim, nas palavras do historiador Sidnei José Munhoz, Thompson desenvolveu uma trajetória própria, onde os seus objetos e fontes de estudo eram abordadas de maneira pouco convencional. Suas análises não se restringiam aos sindicatos ou às organizações socialistas, mas “abrangia um vasto campo que compreendia a política popular, tradições religiosas, rituais, conspirações, pregações milenaristas, ameaças anônimas, cartas, hinos metodistas, festivais, bandeiras, etc.”. Eis aí um ensinamento perene!

 

A princesa, a abolição e a canonização



Durante bom tempo as escolas brasileiras comemoravam o dia 13 de maio como marco simbólico da ‘libertação’ dos escravizados, ocorrido na última aurora do regime monárquico em 1888. Convém recordar que o Brasil foi o último país da América a extinguir o modo de produção escravista. Leis abolicionistas criadas após a funesta Guerra do Paraguai (1864-1870) foram paliativas para uma situação social e política já insustentável, enfraquecendo o poder de Dom Pedro II. Assim, a abolição da escravidão era uma ‘questão de tempo’, já que a sua manutenção contava apenas com o apoio de cafeicultores falidos, tendo em vista que a cafeicultura paulista se assentava agora na exploração da força de trabalho livre, imigrante e assalariada.
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Princesa Isabel
Em tal contexto histórico, muitos de nós fomos educados na escola de que a princesa Isabel, filha de D. Pedro II, foi uma heroína nacional por ter sancionado a Lei Áurea em 13 de maio de 1888. A historiadora Mary Del Priore em sua mais recente pesquisa (O castelo de papel) desmitifica o ato heroico da princesa, por meio de exaustivo estudo nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e também no museu imperial de Petrópolis/RJ. Segundo Del Priore, a princesa Isabel era alheia às questões sociais e não tinha qualquer vínculo com a causa abolicionista. Além disso, tratava suas ‘mucamas’ com termos pejorativos e era indiferente às doenças dos escravizados que lhes serviam, especialmente de um escravizado idoso e tuberculoso, que teve de recorrer, diretamente, ao imperador, para obter a sua carta de alforria. Isabel não tinha vocação política e nem preocupação com os rumos sociais do país, muito menos pelos temas considerados ‘nacionais’; de acordo com a análise de Del Priore, a herdeira do trono imperial encarava as questões políticas como algo ‘maçante’ e ‘entediante’.
A princesa Isabel recebeu inúmeras homenagens temáticas de escolas de samba no Rio de Janeiro, inclusive há uma escola que lhe presta tributo direto: a Vila Isabel. Há também a possibilidade de que a princesa seja canonizada pela Santa Sé, o que corresponde ao primeiro passo para se tornar ‘santa’.  No atual momento histórico, onde se discute o fortalecimento dos movimentos negros no Brasil e a implementação das ações afirmativas em diferentes setores sociais, penso que não apenas os historiadores, mas todos os educadores dos diferentes níveis de ensino precisam atentar em relação à heroicização de determinados sujeitos históricos, sob pena de compatibilizar um conhecimento histórico visto sob o olhar das elites, o que continua sendo um desafio nos diferentes processos de escolarização, especialmente na educação básica.







quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O LEGADO PAPAL



O vetusto estado do Vaticano, com suas ideias e práticas medievais, sinaliza o quanto esta instituição está apartada de um mundo em colapso social, fruto de uma sociedade tangida por diferentes classes. No silêncio acolhedor e suntuoso da basílica de São Pedro, ecoam episódios da história que não podem ser esquecidos, embora durante séculos a igreja conservadora tenha se utilizado da força, da tortura e do preconceito para dizimar inimigos e detratores. Não podemos esquecer ainda da conivência da igreja católica com o ditador fascista Benito Mussolini durante a segunda guerra mundial (1939-1945), que por meio do Tratado de Latrão (1929), formalizou a existência do estado do Vaticano, um estado neutro politicamente e sob a autoridade do papa. Tal cumplicidade se estendeu ao apoio explícito ao nazifascismo e, mesmo Joseph Ratzinger, pertenceu às hostes da juventude hitlerista.

Durante mais de oito séculos a igreja católica comandou uma verdadeira caçada aos intelectuais laicos e às mulheres ditas ‘diferentes’, ou seja, que não se enquadravam em seus preceitos ignorantes e revanchistas. Muitos e muitas, literalmente, arderam nas fogueiras da Inquisição, sob a égide do ‘poder temporal’ dos papas. Na América Latina da segunda metade do século XX, a teologia da libertação procurou repensar a missão sacerdotal da igreja, em defesa dos oprimidos da terra e da cidade, e se defrontou com as críticas ferozes da cúria romana. Tal embate dividiu ainda mais suas hierarquias, e este divisionismo se fez sentir na perda galopante de fiéis e de sua autoridade espiritual.

É esta mesma igreja que condena as pesquisas em células-troco para salvar vidas e o uso de contraceptivos nos países miseráveis da África, além de ser declaradamente homofóbica. Nos termos do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), o ‘preconceito retroativo’ permanece transversalizando o pensamento conservador da igreja católica, e isto significa dizer que esta instituição deste a Contrarreforma no século XVI, esteve do lado das forças políticas opressoras e escravistas. Logo, ao se tratar da renúncia de um papa, temos de remontar a trajetória histórica desta instituição religiosa, o que denota uma análise fincada em fontes, evidências e registros memorialísticos/orais, constituindo, efetivamente, um quadro consistente de seu legado, sem anacronismos.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Clara visão

A cidade lá fora
te devora.
São adagas
marcas de espora.

"Chuva a inundar"!
Clara visão da noite!