O objetivo deste lacônico texto é
situar a importância do pensamento do historiador marxista britânico Edward
Palmer Thompson (1924-1993), notadamente no que se refere à experiência da classe trabalhadora. Na
acepção de Thompson, “a noção de classe é construída por homens e mulheres a
partir de sua própria experiência de luta e não numa estação experimental [...]
da qual os homens não são os sujeitos, mas apenas os seus vetores”, conforme
análise da educadora Regina Célia Linhares Hostins.
Além disso, o método thompsoniano
revelava a consistência entre ‘conceito’ e ‘evidência’, onde o conceito se origina
nos engajamentos empíricos. Em outras palavras, a dialética do conhecimento
histórico defendida por Thompson deveria ser observada durante um período
adequado de transformações sociais, por meio de padrões em suas relações,
ideias, tradições arraigadas, valores e instituições envolvidas. Tais regularidades
ou modos de agir/pensar de homens e mulheres durante um expressivo período
histórico, unificando acontecimentos ‘aparentemente’ desconectados, representam
aquilo que o historiador britânico denominou de “a experiência de classe como
fenômeno histórico”.
E.P. Thompson (1924-1993) |
Nesta direção, Thompson examina a luta de classes como uma ‘categoria historiográfica’, tendo como referências conteúdos históricos empiricamente observáveis e perspectivas analíticas ou heurísticas devidamente organizadas para se apreender as ‘evidências históricas’. Assevera ainda o historiador de que determinados estudos marxistas deram muito valor (de forma anti-histórica) à classe e pouco valor à ‘luta de classes’, sendo que esta última é mais universal e um conceito prioritário. Remata o autor, considerando que ‘classe’ e ‘consciência de classe’ são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico concreto. Não se pode falar em classes sem que os sujeitos se encontrem diante de grupos ou associações e por meio de processos de luta entrem em relação e em oposição sob uma forma classista.
No ano em que se comemora os 20
anos de desaparecimento de E.P. Thompson, entendemos que o seu legado está
longe de se dissipar, tendo em vista as suas vigorosas contribuições
epistemológicas, num momento histórico em que a linguagem ou as ‘ordens
discursivas’, tornaram-se um fim em si mesmo, com pouquíssima pesquisa
empírica. As teorias pós-modernas, em especial, têm “legitimado a fragmentação
e a dispersão ao institucionalizar como algo permanente e cristalizado eventos
particulares da história, em que o fragmentado local ganha vida própria e
independente”, como bem assinala a educadora Célia Regina Vendramini. Thompson continuará
provocando e inquietando novos e experientes pesquisadores, lembrando-nos que a
produção do conhecimento histórico não se realiza em laboratórios ou gabinetes
assépticos, mas no turbilhão das ruas, nos embates, nos projetos políticos em
disputa.
A herança ou o
legado do pensamento de Thompson converge para aquilo que acreditamos estar
ausente em muitas pesquisas historiográficas, ou seja, o compromisso com a
transformação social. O mesmo processo deveria estar no horizonte das pesquisas
de cunho educacional. Os ensinamentos de E.P. Thompson são claros: nunca
esgotar as possibilidades de pesquisa e sempre desconfiar de afirmações
categóricas sem qualquer vínculo entre o conceito, fontes e evidências.
Sobretudo, Thompson militava em favor de uma historiografia ‘vista de baixo’ (History from below), o que fomentou uma
de suas mais audaciosas e importantes investigações (A formação da classe operária inglesa), referência até os dias de
hoje tanto para educadores quanto para historiadores.
Por fim, nas
palavras do historiador Sidnei José Munhoz, Thompson desenvolveu uma trajetória
própria, onde os seus objetos e fontes de estudo eram abordadas de maneira
pouco convencional. Suas análises não se restringiam aos sindicatos ou às
organizações socialistas, mas “abrangia um vasto campo que compreendia a
política popular, tradições religiosas, rituais, conspirações, pregações
milenaristas, ameaças anônimas, cartas, hinos metodistas, festivais, bandeiras,
etc.”. Eis aí um ensinamento perene!