sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A obra-prima dos irmãos Taviani 30 anos depois



Por Jéferson Dantas


O filme Pai Patrão (1977) dos cineastas italianos Paolo e Vittorio Taviani, ganhador do Festival de Cannes, completa 30 anos, mantendo, porém, sua atualidade e contundente crítica aos valores da sociedade capitalista. Baseado numa história real, a narrativa se passa na Sardenha, sul da Itália, onde um menino chamado Gavino (interpretado pelo ator Omero Antonutti) é obrigado pelo pai a abandonar os bancos escolares aos seis anos de idade para cuidar de um rebanho de ovelhas. O pai de Gavino ignora os anseios de sua família, tratando-os com extrema violência e intensa exploração laboral da própria prole. Gavino, sendo o mais velho dos irmãos, só consegue obter a sua ‘liberdade’ na vida adulta, quando faz o alistamento militar com outros jovens da região. Gavino aprende a ler e escrever, apropriando-se de um saber sistematizado, incorporando-o como uma segunda natureza. Em outras palavras, Gavino liberta-se não somente de uma condição perversa de exploração paterna, mas liberta-se da ignorância, passando a adquirir um habitus, ou seja, uma internalização dos princípios de interpretação do mundo letrado.


Tal exposição acima não se diferencia tanto de realidades muito presentes no meio rural brasileiro, principalmente em regiões de imigração européia. Os filhos homens (primogênitos ou não) representam a continuidade de uma racionalidade rural, arraigada à terra e aos valores restritos encharcados de religiosidade. “Servos” da terra, desde tenra idade os meninos têm um destino traçado: cuidar da lavoura e dos rebanhos (herança natural) e dos pais quando estiverem bastante velhos e doentes. No que concerne às filhas há uma possibilidade maior de ruptura com tal destino, ainda que os valores ali presentes permaneçam como molde na vida adulta, pois o peso da tradição está emoldurado na memória.

O pai-patrão castrador e indiferente ao filho que rompeu com a racionalidade rural entra, inevitavelmente, em conflito com a racionalidade letrada, condicionada ao setor produtivo industrial, portanto, calcada em outras formas de exploração da força de trabalho coletiva. Tal conflito de territórios (rural e urbano) não se estabelece tão-somente do ponto de vista geográfico, mas essencialmente, do ponto de vista simbólico. O filho que supera o pai e que agora pode lhe enxergar de uma outra maneira, não tem mais medo de ser castigado, porque tem em seu poder a cultura letrada, além de compreender como os trabalhadores rurais são explorados por atravessadores ou grupos econômicos de prestação de serviços. O pai-patrão, visivelmente fragilizado, velho e castigado por más colheitas e más negociações com capitalistas do meio rural, sente-se desamparado; desmorona-se sua pretensa convicção; o autoritarismo é quebrado pela própria lógica do capital, que negocia pelo menor valor aquilo que é produzido à custa de muito sacrifício.

Os irmãos Taviani, corajosamente, apresentaram ao público uma obra extremamente politizada num contexto de Guerra Fria (1948-1989) e de tiranias militares nas América Latina. Profundamente sensibilizados com as causas sociais, seus filmes tem sido muito discutidos no meio acadêmico, principalmente, na área de Ciências Humanas. Trinta anos depois, Pai-Patrão é a representação de um modelo rural não totalmente superado, além do que com o fim do socialismo real, (re)pensar a utopia passou a ser cada vez mais difícil. No atual contexto de práticas discursivas hegemônicas, onde os consensos sociais não são mais costurados através de ditaduras localizadas, a lógica do capital tem depositado um fardo excessivo aos trabalhadores em diversos setores produtivos; competitividade acirrada e a internalização da culpa pelo fracasso individual, tem sido a tônica destes tempos de Pai-Mercado!


PARA SABER MAIS: Acesse o site http://www.telacritica.org/. Você vai encontrar diversas sinopses de filmes premiados, tendo como enfoque analítico as interfaces entre a linguagem cinematográfica e a Sociologia crítica.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Movimento cívico promovido pela OAB/SP




Por Jéferson Dantas



A OAB (Organização dos Advogados do Brasil) está liderando uma campanha para paralisar o Brasil por um minuto no dia 17 de agosto, às 13h, em solidariedade às famílias que perderam seus entes queridos no trágico acidente aéreo do vôo 3054 da TAM. Tal ‘movimento cívico’ já tem, inclusive, um site (www.cansei.com.br). Na publicidade de tal movimento há o seguinte desabafo: “Cansei de gente que só quer levar vantagem, do governo paralelo dos traficantes, de pagar tantos impostos para nada, de tanta impunidade, do caos aéreo, de CPI’S que não dão em nada, de ver crianças nas ruas e não nas escolas, de presidiários falando ao celular, de empresários corruptores, de ter medo de parar no sinal, de bala perdida, de tanta corrupção, de achar tudo isso normal, de não fazer nada”.


O texto acima, todavia, revela o perfil e pensamento da classe média brasileira. O tom de indignação se dá, justamente, no medo de ter a propriedade individual roubada, no medo dos marginais que infestam os grandes núcleos urbanos e, provavelmente, a indiferença em relação ás crianças, jovens e velhos que (sobre) vivem nas ruas. Com todo o respeito à iniciativa da OAB, tal indignação é frágil, pois seus pressupostos estão alicerçados em questões aparentes e imediatistas e não em questões estruturais. Numa única expressão, poderíamos sintetizar a ‘campanha cívica’ da seguinte maneira: “Cansei da lógica perversa do capital!” Ora, a democracia representativa no Brasil está longe de atender as demandas sociais mais evidentes e o Estado brasileiro funciona tão-somente como regulador das tensões coletivas, já que atende clientelisticamente, os interesses de uma única classe ou grupo social.



A nossa capacidade de indignação só ganhará corpo e resultados mais concretos, quando pudermos vislumbrar os descalabros do comando político sem alienação ou tom passional. A naturalização da lógica do capital nos ensina que temos de ser competitivos; que temos de doar o nosso tempo livre para que o capital possa se reproduzir; que temos que consumir mais e mais para acompanharmos o mundo formidável das tecnologias de informação e comunicação; que temos de ampliar a jornada de trabalho em detrimento da companhia dos familiares e dos amigos. Ainda que a ‘ação cívica’ em questão seja significativa e importante, ela é, em meu entendimento, reducionista e focalizada. Para os/as que nada possuem e vivem à margem da sociedade, a ‘tragédia’ é vivenciada cotidianamente, e estes homens e mulheres precisam igualmente ser escutados/as. Ressalto, contudo, a contribuição histórica da OAB contra a ditadura militar no Brasil e o apoio aos movimentos sociais na década de 1980. Que o tom de indignação não escorregue numa passionalidade aparente e que, as questões estruturais – incluindo os desmandos do setor aéreo – possam ser encaradas com embasamento e boa argumentação.