quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

A PARVOÍCE COMO MÉTODO


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 No recente livro do jornalista britânico, Matthew D’Ancona, discute-se os efeitos nefastos da pós-verdade e o que isso pode implicar em termos anticivilizatórios em países periféricos do capital, com baixíssima escolarização básica e extrema desigualdade social, como é o caso do Brasil. D’Ancona procura investigar o ‘valor declinante da verdade’ e a difusão perniciosa do relativismo ‘disfarçado de ceticismo legítimo’. Isso tem ocasionado a circulação em larga escala de falsificações ou manipulações grosseiras de acontecimentos históricos, a pseudociência médica e a ideia grotesca da ‘ciência como conspiração’ em vez de um ‘campo de investigação capaz de mudar o mundo’, nos termos de D’Ancona.

A difusão desonesta das fake news ou daquilo que se convencionou chamar de pós-verdade coloca em xeque a racionalidade, sendo substituída pela emoção, onde as disputas políticas já não são mais necessárias e a ciência é tratada com suspeita e/ou total desprezo. A ‘resignação cognitiva’ retira de cena a ponderação racional dando lugar à convicção arraigada, como foi o caso da operação lava-jato no Brasil que, a esta altura, já deveria estar totalmente desacreditada pela opinião pública. Stephen Bannon na condição de estrategista-chefe de Donald Trump, apoiado por supremacistas brancos, compartilham a noção de que a ‘verdade é aquilo que você entende dela’, ou entre outras palavras, a doxa está acima da episteme!

Em tal conjuntura em que personalidades populistas autoritárias assumiram o poder executivo em várias partes do mundo é de se supor que o jornalismo teria como objetivo ‘revelar a complexidade e o paradoxo da vida pública e – o mais importante de tudo – regar as raízes da democracia com um fornecimento constante de notícias confiáveis’. Contudo, a mídia, sobretudo a tradicional hegemônica, vem perdendo cada vez mais credibilidade (vide a sua conivência com o golpe de 2016 em nosso país). Os populistas autoritários procuram simplificar tudo, descontextualizando questões complexas para que as mesmas fiquem, deliberadamente, sem respostas.

Em síntese, D’ancona reconhece que as ideias pós-modernas foram importantes alavancas para a instauração da era da pós-verdade, tendo em vista que o ‘pós-modernismo foi e é uma campanha teórica que apelou à esquerda desiludida, ansiando decifrar um século em que as antigas certezas da vanguarda marxista [aparentemente] tinham se esfarelado diante dela. Muitas vezes incompreensível em sua terminologia e inquietação intelectual seus protagonistas principais se esforçaram para encontrar uma nova política de emancipação social em meio aos escombros’. Os pós-modernos forneceram a artilharia ‘teórica’(?) necessária que deu prestígio aos cínicos elegantes, tornando-se uma mera ferrugem sobre o metal da verdade, conforme expressão utilizada por D’Ancona.

São tempos em que a indiferença é o maior desafio para aqueles que defendem a verdade. É uma longa batalha. O terreno foi até agora fértil para os populistas autoritários. A desigualdade social, a falta de moradias, educação e saúde públicas precarizadas, ausência de trabalho formal, não podem ser enfrentadas com discursos pífios ou provocações rasteiras pelas redes sociais. O maior ardil empregado pelos perversos autoritários que governam países como o Brasil é de que é possível resolver questões complexas com respostas simplificadoras. Nas periferias brasileiras a pobreza é combatida por meio de o extermínio dos pobres; a educação pública e seus professores são igualmente desqualificados e combatidos como ‘doutrinadores ideológicos’. Há de se dar limite à sanha de um governo que ataca a população mais vulnerável, socialmente. A prática do extermínio dos pobres é uma das faces fascistizantes do governo que aí está, com a conivência de muitos e muitas que, contraditoriamente, também são afetados diretamente por tais práticas. A razão necessita dar balizas à emotividade parva que assola este país!