terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um novo ano...

Por Jéferson Dantas

Isto que nos arvora a cada fim de ano, crentes numa mudança essencial. E são as nossas vontades e desejos em jogo... Ouvir a música preferida, telefonar para o amigo distante, ser surpreendido por um alô de um amigo distante...
Não reavaliamos apenas o curto trajeto de um ano, mas o trajeto de uma vida inteira. Tudo está tão encadeado! E a nossa potência criativa se transborda quando é possível compartilhar nossos medos, aflições e afetos singulares.
Que 2009 venha com seus novos desafios... despertando-nos da apatia coletiva, ajudando-nos a (re)construir um mundo mais justo e fraterno!

sábado, 13 de dezembro de 2008

O nefasto AI-5


Por Jéferson Dantas

No ano em que se comemoram os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, o Brasil também rememora o fatídico Ato Institucional nº 5 (AI-5), decretado pela ditadura militar no dia 13 de dezembro de 1968 e que impôs a todos os brasileiros o regime da mordaça, do silêncio e do medo. Foi com a posse do general Costa e Silva em 1967 que o período ‘linha dura’ do regime militar teve seu início, culminando com o fim do mandato do general Médici em 1974. Depois, houve a lenta e gradual distensão política iniciada por Geisel e concluída por Figueiredo (1974-1985). O Estado de Exceção afastou os militares ditos ‘moderados’ e todos os políticos civis. Constituiu-se um aparato repressor paralelo ao Exército e o recrudescimento das torturas e intensificação sem controle da estratégia da suspeição.

O fechamento do regime e a demora em reabrir o processo político prometido pelo marechal Castelo Branco, fez com que um elevado contingente de lideranças políticas civis, estudantes, setores progressistas da Igreja Católica e ex-presidentes da República fossem colocados na ilegalidade. A marcha dos cem mil no estado do Rio de Janeiro exigindo a redemocratização foi a gota d’água para os militares linha-dura. Com a organização da oposição e as ações armadas, o regime militar ativou/criou novos ‘instrumentos legais e ilegais’ para combatê-las. Com o AI-5 editado sem ‘prazo de validade’, os generais-presidentes podiam suspender o habeas-corpus, intervir nos estados e municípios; demitir e aposentar funcionários públicos (incluindo professores universitários); cassar políticos ‘desviantes’ e prender lideranças sindicais. A censura aos meios de comunicação recrudesceu e era terminantemente proibido fazer qualquer crítica negativa ao regime militar. Estabelecia-se, assim, o Estado de Segurança Nacional!

Quarenta anos depois, as seqüelas deste período amargo e melancólico da história brasileira estão longe de serem apagadas. Arquivos guardados a sete chaves pelas Forças Armadas ainda continuam inacessíveis aos pesquisadores e, fundamentalmente, inacessíveis aos cidadãos brasileiros que têm direito de conhecerem cada ato de tortura (crime imprescritível) realizado pela ditadura militar, assim como a localização exata dos corpos de presos políticos desaparecidos. Toda a bruma de terror herdada do período militar permanece no imaginário coletivo nacional como um fantasma. Cabe ao Estado de Direito, com a devida pressão da sociedade civil, reescrever a história deste país com justiça, eqüidade e, principalmente, respeito à memória das vítimas de um regime inescrupuloso e ainda bastante ileso em relação às suas práticas brutais.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os espaços sociais como experiências libertadoras



Por Jéferson Dantas

Em contraponto às utopias tradicionais, defendidas, principalmente, nos séculos 18 e 19 e tendo como teóricos fundantes Fourier (1768-1830), Owen (1771-1858) e Proudhon (1809-1865), o geógrafo britânico David Harvey (foto à esquerda) enaltece o ‘utopismo dialético’. Sua obra Espaços de Esperança (2006, Edições Loyola) é uma referência teórica efetivamente libertadora nestes tempos de discursos hegemônicos, ou como dizia a ex-primeira ministra britânica, Margareth Tatcher, um momento histórico onde ‘não há alternativas’. Tal concepção político-ideológica (neoliberalismo) abrigada sob o espectro da globalização acomete um contingente populacional significativo à miséria ou à total indigência social.

As contradições evidenciadas entre capital e trabalho ou entre as forças produtivas e relações de produção, hodiernamente, ocultam-se sob os auspícios da flexibilização do capital e na busca de recursos humanos polivalentes, o que demanda ‘novas competências e habilidades específicas’. Todavia, as particularidades do mundo produtivo não podem ser compreendidas como ações meramente reativas à violência impingida pelo capital. Em outras palavras, os arbitrários culturais criados, alimentados e reproduzidos pelo modus operandi do sistema capitalista não devem ser encarados como algo ‘natural’ nas mais diferentes e diversas esferas sociais. A universalidade e as particularidades sociais encontram-se intimamente enredadas, pois os processos relacionais são dialéticos e não determinados a priori. A realidade concreta não é uma justaposição de eventos desconectados. Como bem assinala Harvey, temos de refazer os nexos históricos e geográficos que os pós-modernos fragmentaram. Mas, por que pensar a transformação da realidade? O que significaria um ‘utopismo dialético’ em tal estágio das forças produtivas materiais? Ora, antes de tudo, pensar em novas possibilidades de existência e de resistência nos espaços sociais atualmente conformados aos arbitrários culturais dominantes. Exige, sobretudo, que façamos a crítica – e não só – ao legalismo formal (com todas as suas regras, sanções e uma jurisprudência desmobilizadora); e ao Estado como um todo, que funciona como mediador privilegiado das tensões entre capital e trabalho. Não por acaso, espaços educativos são terrenos concretos e simbólicos onde impera a verticalização do poder; onde não há ‘tempo’ e nem ‘espaço’ para a criação e o planejamento. Os/as agentes de mudança ou os/as ‘arquitetos/as rebeldes’, como prefere Harvey, quando conseguirem se livrar das amarras do imediatismo produtivo e do mundo da aparência, poderão se conectar com outras redes colaborativas. São estas redes organizadas os germens disruptivos que farão frente ao estabelecido, gerando espíritos consistentemente politizados e atentos ao assombro acelerado da barbárie.

Nesta direção, a metáfora do literato português José Saramago na obra ‘Ensaio sobre a cegueira’, traduz de forma trágica e não menos real, que a espécie humana em situações-limite ou diante de tragédias comuns, comporta-se de forma irracional e brutalmente violenta. A cegueira coletiva da qual somos todos tomados, recrudesce - quando diante de catástrofes naturais como esta que assolou parte do estado de Santa Catarina – não é compreendida de forma ampla. Boa parte dos desabrigados, desalojados e famintos catarinenses, são homens e mulheres que sempre viveram em espaços precários e de risco permanente. Logo, pensar a cidade e os territórios institucionalizados é pensar em alternativas litigiosas que vislumbrem espaços coletivos humanizados e harmonizados. Sobretudo, ultrapassar os limites espaços-temporais desenhados pela predatória lógica capitalista, onde o que está no horizonte é a especulação imobiliária, destruição de recursos naturais, poluição incessante de automotores e templos de consumo para um extrato social diminuto. David Harvey nos faz refletir sobre que espécie desejamos ser daqui por diante: predatória ou solidária? Bárbara ou socializadora?


PARA SABER MAIS

HARVEY, David. Espaços de Esperança. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.