segunda-feira, 16 de julho de 2012

OS 80 ANOS DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA


O manifesto dos pioneiros da Educação Nova completa 80 anos em 2012. Tendo como signatários educadores da estirpe de Anísio Teixeira (1900-1971), Lourenço Filho (1897-1970), Fernando de Azevedo (1894-1974) e Paschoal Lemme (1904-1997), além de literatos como Cecília Meireles (1901-1964), o documento de algum modo mantém a sua atualidade.
Nos idos da década de 1930 poucos brasileiros tinham acesso à escola. A longa tradição colonial em nosso país (1500-1822) consentiu marcas inapagáveis em nossa estrutura educacional, excluindo desde a sua gênese parcelas significativas de crianças e jovens negras do meio rural e urbano, além de filhos da classe trabalhadora que, incipientemente, dirigiam-se ao trabalho industrial. É para esta ‘nova sociedade’ (industrial) que os pioneiros apontam as suas palavras. Contudo, as poucas escolas existentes no Brasil concentravam-se na área urbana, beneficiando as elites políticas e econômicas.
Para os pioneiros, a educação era mais importante do que a economia no que dizia respeito a um projeto de Estado-Nação. Evidente ironia nos dias coevos, se levarmos em consideração que são os economistas (experts) que traçam estratégias no campo educacional, preocupados com estatísticas que atendam o receituário dos organismos multilaterais (BIRD, FMI, etc.). Os signatários eram enfáticos ao afirmarem que naquele contexto histórico, após quatro décadas de regime republicano, o sistema educacional brasileiro ainda não atingira uma organização escolar à altura das necessidades modernas. Tudo era fragmento e desarticulação! Em outras palavras, o Estado nacional era inepto em todas as suas iniciativas neste setor, desde os fins da educação (aspectos filosóficos e sociais) até as questões técnicas/métodos científicos aplicados aos problemas educacionais.
As reformas educacionais que ocorriam ainda timidamente em alguns estados brasileiros, levados a cabo, principalmente, por Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, serviam de contrapé para as problematizações que os pioneiros desejavam levar para arenas políticas mais amplas, confrontando-se com a perspectiva pedagógica livresca e verbalista herdada dos tempos do império. Havia aí, por conseguinte, uma clara defesa da laicidade nos sistemas educativos em confronto direto com as escolas confessionais.
Os pioneiros reconheciam ainda que todos deveriam ter acesso à escola independente de sua condição econômica, portanto, urgia que o parque escolar público se expandisse de forma considerável em detrimento das escolas privadas voltadas às elites dirigentes. Além disso, ponderavam que o Estado não poderia exigir ensino obrigatório sem que o mesmo fosse gratuito. Fica-nos evidente também a imensa contribuição pedagógica de Anísio Teixeira, no que concernia à descentralização dos sistemas educacionais e o respeito às diversidades regionais, embrião do que preceituaria a nossa atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996).
O manifesto dos pioneiros da Educação Nova de 1932, embora redigida apenas por Fernando de Azevedo, possuía grande influência do pragmatismo do filósofo estadunidense John Dewey (1859-1952), interlocução realizada por meio de Anísio Teixeira. As experiências das reformas educacionais na década de 1920 elaboradas na Bahia por Anísio Teixeira, no Ceará por Lourenço Filho e no Distrito Federal por Fernando de Azevedo, eram, nesta direção, claramente de teor liberal; não se discutia os descaminhos do modo de produção capitalista sob bases industriais em marcha no Brasil. A democracia não podia ser confundida com comunismo, como diria anos mais tarde Anísio Teixeira, quando foi perseguido politicamente pela ditadura varguista.
E é justamente por meio deste discurso democrático que os escolanovistas vão justificar que o acesso à escola (igualdade de oportunidades) naturalmente filtrará a ‘hierarquia das capacidades’; ou seja: os melhores alunos se sobressaem, ainda que saibamos que acesso e permanência escolar continuam sendo elementos fundantes e perversos no que dedilha aos desafios educativos brasileiros, especialmente quando os evadidos ou repetentes pertencem às classes sociais mais desfavorecidas.
Por fim, o manifesto dos pioneiros como documento histórico, reata a enorme incapacidade das políticas públicas nacionais – e de seus sucessivos governos – de compreender a educação como investimento permanente e não como área propensa a reformismos pontuais, não raramente sujeita a improvisos pedagógicos. Se podemos hoje em dia contestar pontualmente os princípios ideológicos presentes em tal documento, por outro lado parece-nos inescapável que oito décadas depois de sua elaboração, o Estado brasileiro permanece indiferente aos clamores dos sujeitos da escola pública e, portanto, isto gera consequências avassaladoras para os/as que mais precisam da escola.

PARA SABER MAIS:

DANTAS, Jéferson. Perspectivas Educacionais no Pensamento de Anísio Teixeira e Paulo Freire, PerCursos, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2007.

PAGNI, Pedro Angelo.  Do Manifesto de 1932 à construção de um saber pedagógico: ensaiando um diálogo entre Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Ijuí, RS: Editora Ijuí, 2000.




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