sexta-feira, 11 de novembro de 2011

a visitante

longo trajeto que lembrava corredores de hospitais, enfim, revelava a porta do meu apartamento. passos apressados atrás de mim e, de repente, um cheiro aziago de alguma bebida alcoólica misturada com cigarro barato mentolado expressaram palavras intraduzíveis da boca feminil.

chorava e gritava desesperada e compreendi que deveria convidá-la para entrar. sentou-se no sofá da sala com o corpo num ângulo de quarenta e cinco graus. preparei um café forte e quando retornei para sala, já adormecia. só então pude percebê-la. os olhos graúdos, de íris muito escura. pernas torneadas e seios ocultados por uma mini-blusa. os cabelos encaracolados e o rosto em fantasia, pois que a maquiagem fora desfeita pelas lágrimas. e sem contrato com o tempo, retirei suas botas e sua saia sem qualquer reação, já que embriagada, apenas resmungava expressões ininteligíveis. por fim, também adormeci. quando acordei, já não estava no sofá. senti que havia perdido algo importante; como se o ‘ato de cuidar’ fosse algo tão pouco presente em minha existência. recolhi as xícaras e o bule de café. enfiei tudo na pia, que há muito não via água sobre aquela louça acumulada. 

já era tarde. momento em que a madrugada fica estranhamente silenciosa e mesmo o coração se aquieta... nebuloso e resignado! ao chegar ao quarto lá estava ela. deitada sobre o colchão amarelo;  comprimiu seu corpo ao meu e pude vislumbrar os mamilos muito róseos; e tinha um sorriso danado que desmontava a sisudez do quarto de paredes descascadas. 

a noite se prolongara e nada sabia daquela mulher; e nada queria saber de sua vida. e eu a tomei com tamanha fúria, que passei a desejá-la cada vez mais, sem saber sequer o seu nome. e já me esperava desavergonhadamente na entrada do prédio. e ia tirando a roupa, apalpando-me com suas ágeis mãos e dedos muito delicados. e sua língua brincava no meu corpo até à exaustão. 

quando sumiu para sempre, não sofri.  as vestes íntimas no guarda-roupa eram as certezas de sua repentina aparição; nunca reconheceria sua grafia ou sonhos; jamais saberia redesenhá-la ou compreender o que passara conosco naqueles dias de trancafio, onde a fome, a sede e a serenidade eram as únicas leis! 

E me agarrei ao regozijo passado, como lasca fincada n’alma! 

 

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