Quando tudo parecia bem, alegrava-se de
maneira imbecil. Acreditava que tudo era fantástico. Assassinava todas as
incredulidades e até achava que estava feliz. Mas, não podia. Porque o que ele
via era muito mais grave. E era estarrecedor. O homem gordo, de aparência
bondosa, jogava palavras cruzadas na sala. O filho ocupava o tempo com
videogame. A mulher, também muito obesa, avistava as estrelas e tentava achar o
‘cruzeiro do sul’. Assim foi o que viu na casa de um amigo. A morte metafórica
dos pais. E isto lhe revoltou o estômago.
Teve vontade de gritar, de sair
correndo inúmeras vezes. As piores noites eram aquelas de solidão. Sem amigos,
sem vozes. Apenas a televisão ligada num canal qualquer. Emitindo asneiras e
sinais irritantes. Preparou o chimarrão. Tentou ler. Colocou um CD em seu
aparelho de som. Música Popular Brasileira. Uma mulher que ficava sozinha na
praia, brincava com a areia e com os peixes. Achou a canção surrealista.
Desligou o aparelho. Sorveu o amargo e tentou continuar a leitura. O texto era
sobre a infância de um garoto que havia mentido para um rapaz mais velho sobre
a sua valentia. A mentira lhe valeu a honra. Chovia. Espreguiçou. Pareciam
noites de carnaval.
No centro da cidade muitos tambores
indicavam ensaios de escolas de samba. Aquilo tão próprio do Brasil não lhe
pertencia. Os negros desciam os morros, cantavam, sorriam, bebiam e dançavam. Retomou
a leitura, mas seus olhos não saíam da mesma linha. Espreguiçou. Telefonou para
um amigo. Não estava. Ligou para uma amiga. A secretária eletrônica respondeu.
Desceu as escadas do prédio. O céu plúmbeo prenunciava uma chuva. Caminhou
pelas calçadas sujas do bairro. Se a chuva começasse naquele instante, os bueiros
ficariam todos entupidos, imaginou.
Mais tarde contou
que havia visto a face da morte. Ela não era horrenda. Era calma, tranquila,
feminina. Além do mais, era paciente. Sabia a hora de levar os seus escolhidos.
Todos tentavam lhe consolar. Todos? Pouco mais de três amigos. E, por todas as
mortes, riu de tudo, um gargalhar largo de quem não precisa provar mais nada.
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