terça-feira, 4 de outubro de 2011

FINITUDE






Quando tudo parecia bem, alegrava-se de maneira imbecil. Acreditava que tudo era fantástico. Assassinava todas as incredulidades e até achava que estava feliz. Mas, não podia. Porque o que ele via era muito mais grave. E era estarrecedor. O homem gordo, de aparência bondosa, jogava palavras cruzadas na sala. O filho ocupava o tempo com videogame. A mulher, também muito obesa, avistava as estrelas e tentava achar o ‘cruzeiro do sul’. Assim foi o que viu na casa de um amigo. A morte metafórica dos pais. E isto lhe revoltou o estômago.

Teve vontade de gritar, de sair correndo inúmeras vezes. As piores noites eram aquelas de solidão. Sem amigos, sem vozes. Apenas a televisão ligada num canal qualquer. Emitindo asneiras e sinais irritantes. Preparou o chimarrão. Tentou ler. Colocou um CD em seu aparelho de som. Música Popular Brasileira. Uma mulher que ficava sozinha na praia, brincava com a areia e com os peixes. Achou a canção surrealista. Desligou o aparelho. Sorveu o amargo e tentou continuar a leitura. O texto era sobre a infância de um garoto que havia mentido para um rapaz mais velho sobre a sua valentia. A mentira lhe valeu a honra. Chovia. Espreguiçou. Pareciam noites de carnaval.

No centro da cidade muitos tambores indicavam ensaios de escolas de samba. Aquilo tão próprio do Brasil não lhe pertencia. Os negros desciam os morros, cantavam, sorriam, bebiam e dançavam. Retomou a leitura, mas seus olhos não saíam da mesma linha. Espreguiçou. Telefonou para um amigo. Não estava. Ligou para uma amiga. A secretária eletrônica respondeu. Desceu as escadas do prédio. O céu plúmbeo prenunciava uma chuva. Caminhou pelas calçadas sujas do bairro. Se a chuva começasse naquele instante, os bueiros ficariam todos entupidos, imaginou.

Mais tarde contou que havia visto a face da morte. Ela não era horrenda. Era calma, tranquila, feminina. Além do mais, era paciente. Sabia a hora de levar os seus escolhidos. Todos tentavam lhe consolar. Todos? Pouco mais de três amigos. E, por todas as mortes, riu de tudo, um gargalhar largo de quem não precisa provar mais nada.



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