Há um Brasil profundo que foi tematizado por
diversos pesquisadores ou intérpretes de nosso país, destacando-se Sérgio
Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Raymundo Faoro, Darcy Ribeiro e Gilberto
Freyre, ainda que pese sobre tais tendências analíticas controvérsias e toda
sorte de contradições teórico-metodológicas. Este Brasil profundo exige um
debruçar-se sobre o processo colonizatório e as diversas contendas aí brotadas
entre os povos originários, afrodescendentes e europeus que aqui se enraizaram
e formaram esta nação tão complexa e também tão desigual.
As manifestações recentes no Brasil são
reflexos imediatos de uma crise ética, moral e civilizatória, onde o que impera
é a desistoricização, o presentismo pragmático, preconceitos de classe e de
gênero e uma pauta reivindicatória difusa, autoritária e longe de ser
propositiva. Ao não se radicalizar, ou seja, ir à raiz das questões estruturais
deste país, comete-se em nome da moralidade, propriedade e bons costumes um
ideário proto-fascista de contornos ainda não totalmente claros. Evidencia-se,
pois, que todos os esforços analíticos de uma geração de pensadores das mais
diferentes áreas do conhecimento estão sendo totalmente desqualificados em nome
de uma doutrinação militarizada e saudosista, a ponto de se vilipendiar
educadores da estirpe de Paulo Freire (1921-1997).
Entre o Brasil profundo e o Brasil epidérmico
há inúmeros embates a serem travados agora e futuramente. Há um divisionismo de
classe instaurado e isto exigirá dos movimentos sociais formas organizativas
não reformistas, pois isto não aplaca as gritantes diferenças sociais e
econômicas. Em nível mundial, 1% da população mundial detêm 50% do PIB do
planeta; enquanto no Brasil, os 50% mais pobres detêm apenas 2% da riqueza
produzida; já os 0,20% dos milionários brasileiros detêm mais de 40% de nossa
riqueza. Ainda assim, as grandes fortunas não são e, pelo visto, nunca serão
taxadas.
A denominada ‘classe média’ que foi às ruas
pedir o impeachment da presidente da
República, aliançada e sintonizada ideologicamente com as elites econômicas,
desconhece olimpicamente um dos ensinamentos de Paulo Freire, ou seja, de que o
oprimido nunca deixará de ser oprimido quando continuar pensando com a cabeça
do opressor. Por fim, é bom destacar que o Brasil atravessa hoje tal crise
civilizatória, justamente, por não ter priorizado uma educação formal
efetivamente qualificada a todos, promovendo sérias e epidêmicas desigualdades
escolares que se traduzem na simplificação do conhecimento político e do que
isto possa significar para as transformações de nossa sociedade.
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