sexta-feira, 6 de julho de 2007

As cotas e a dívida social brasileira




Por Jéferson Dantas


As manifestações ocorridas recentemente em Porto Alegre contra o sistema de cotas para estudantes egressos das escolas públicas e afrodescendentes continuam acirrando os ânimos nas universidades públicas brasileiras. Tal medida desagrada em grande parte os/as estudantes que podem fazer cursinhos pré-vestibular e que já estão inseridos/as na lógica perversa da seletividade meritocrática. Até aqui, nenhuma novidade. Entretanto, a permanência do preconceito racial neste país é digno de nota. Os que são contrários/as às cotas preferem discutir a melhoria da educação básica pública brasileira o que, teoricamente, colocaria em pé de igualdade aqueles/as que podem realizar seus estudos em boas escolas privadas e os/as que não têm acesso a este tipo de ensino. Em outras palavras, joga-se para as calendas gregas uma discussão de cunho histórico, fruto da mais rasa e perniciosa permanência da exclusão social.




Se levarmos em conta os/as estudantes afrodescendentes que conseguem terminar os estudos no ensino médio em relação aos/às estudantes brancos, já teremos uma boa medida da discrepância de escolarização em nosso país. Apenas para citar um exemplo, em Florianópolis crianças e jovens em situação de risco são em sua maioria afrodescendentes. São as que abandonam os estudos ainda no ensino fundamental, ou porque precisam trabalhar (de forma precária) mais cedo ou porque a própria escola reforçou de maneira naturalizada a 'incompetência' destes jovens para os estudos. A violência estrutural atinge de forma muito mais cruel e nefasta os/as afrodescendentes. São os que têm os piores índices de escolaridade e, em conseqüência, de empregabilidade.




Ao tratar desiguais como iguais somos presas fáceis das contradições. Não olhamos para o passado como substância dialética em relação ao presente. Nesta direção, a preocupação se volta a uma competitividade desenfreada, movida a contrapelo pela lógica do capital. Certas coletividades desejam o fim da violência sem se darem conta de que a mesma é fomentada dia após dia pela ausência de trabalho formal e a intensa concentração de renda. A mentalidade "pequeno-burguesa", distante de qualquer solidariedade, alimenta a individuação exacerbada e o descaso com as questões de fundo histórico. Logo, discutir as cotas sociais/étnicas nas universidades públicas vai além dos discursos inflamados dos prós e contras. Ela está alicerçada na denúncia de que somos incapazes de assumirmos os nossos próprios preconceitos.

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