Em tempos de reforma
verticalizada do Ensino Médio no país, em que a disciplina de História passou a
ter uma posição coadjuvante no currículo, nada mais oportuno do que revisitar a
obra 1984, de George Orwell
(1903-1950). Escrita em 1948, portanto, no período pós-guerra, 1984 projetou há sete décadas aquilo que
denominamos atualmente de operacionalização da ‘devassidão do privado’, assim
como o apagamento sistemático e deliberado da memória social .
Uma das personagens trabalha
para um Estado totalitário, na ‘campanha da economia’. Tal personagem é
responsável pela manipulação das notícias e dos acontecimentos históricos,
todas elas definidas pelo ‘Partido’, tendo como mandatário-mor o Big Brother (O ‘Grande Irmão’). Toda a
narrativa se passa numa Londres sombria e distópica. O ‘Partido’ tem quatro
ministérios: o ministério da verdade (que inventa/distorce as notícias); o
ministério da paz (que se ocupa da guerra); o ministério do amor (que mantém a
lei e a ordem); o ministério da fartura (responsável pelas atividades
econômicas). No ministério da verdade o que importa transmitir à população é o ‘fragmento’,
boas-novas inexistentes! Londres faz parte de uma potência denominada Oceania, em
conflito constante com a Eurásia e a Letásia, outras potências políticas da
ficção. Orwell preconiza aqui as alianças políticas e econômicas de
superpotências num mundo globalizado.
Há um inimigo comum a toda a
população da Oceania, repudiado todos os dias nos ‘dois minutos de ódio’, catarse
coletiva comandada pelas teletelas. O inimigo é caracterizado por Orwell como
um homem magro, de procedência judaica, com referências nítidas ao
antissemitismo do período hitlerista. Para que não ocorram motins e atentados
contra o Big Brother, o Partido
possui uma ‘polícia do pensamento’. Assim, qualquer ato de subversão (chamada
de crimideia) é passível de execução
pública por meio da forca.
Há referências à criação de
uma nova linguagem (novilíngua), onde
a contração e a supressão de determinadas palavras possibilitara uma
estruturação linguística minimalista e instrumental. Não por acaso, a língua
inglesa nos dias de hoje tem se tornado universal no mundo dos negócios e dos
megaeventos esportivos, sendo disciplina estrangeira obrigatória no currículo
do Ensino Médio no Brasil em detrimento do espanhol. Outra estratégia de
manipulação popular realizada pelo ‘Partido’, especialmente da população
juvenil, é o duplipensar, um
condicionamento coletivo que promove a dissociação espaço-temporal e a
deturpação da memória construída histórica e socialmente. Diante das
contradições do que é ‘certo’ ou ‘errado’, ‘real’ e ‘imaginário’, o Partido
falsifica a História. O único gérmen revolucionário parece se concentrar na prole, bastante combatida e assassinada
pela polícia do pensamento (embora isso não aparecesse nas estatísticas
oficiais). Segundo a narrativa de Orwell, os proles por adorarem o jogo e a loteria, compreendiam a realidade à
sua volta de maneira intuitiva; revoltavam-se, mas não conseguiam se organizar,
politicamente.
George Orwell nos brindou
com metáforas extraordinárias, aonde as forças repressoras associadas à cultura
do fragmento vão estabelecendo padrões comportamentais desmobilizadores na
população menos esclarecida ou com menor acesso aos bens culturais e
simbólicos. Se levarmos em consideração nos dias de hoje que o controle e a
seletividade da informação em larga escala estão nas mãos de determinados
monopólios midiáticos e de que certas pautas não correspondem à realidade
existente, 1984 há muito deixou de
ser uma obra ficcional.
PARA SABER MAIS:
ORWELL,
George. 1984. Traduzido por Wilson
Velloso. 12 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1979.
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