sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

É Natal!


Espírito natalino e realidade social

Jéferson Dantas



O escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) nos deixou obras inesquecíveis, dentre elas uma das mais conhecidas: Um conto de Natal (1843). É a história de um velho avarento (Scrooge) brutalizado pelo capitalismo e que explora seus empregados sem qualquer piedade. Na noite de natal recebe espíritos que elucidam sua mesquinharia e o doentio apego aos bens materiais, através de uma viagem pela sua infância, maturidade e velhice. Scrooge ao se deparar com a solidão iminente, reavalia suas ações e deixa a bondade natalina penetrar-lhe avidamente. Entretanto, o contexto da época na Inglaterra era o pior possível. A chamada 2ª. Revolução industrial não conseguia atender a demanda de operários desempregados e a situação de miserabilidade tornava-se flagrante nas ruelas fétidas de Londres, palco do capitalismo em larga escala. Aliás, as contradições do sistema capitalista começavam a ganhar corpo teórico com os primeiros escritos de Friedrich Engels e Karl Marx, que culminaria no Manifesto do Partido Comunista em 1848.

Assim, o tão propalado espírito natalino, encharcado de solidariedade cristã, ano após ano nos submete a este exame de nossas ações diárias, empurrando-nos, literalmente, para o esperançoso reinício de uma nova caminhada. Reconheço, porém, que a nulidade da atual composição de nossa sociedade política tem nos tornado mais amargos e céticos, aliado ao pífio crescimento econômico. A participação popular só é valorizada em relação à sua capacidade de consumo, ou seja, a participação no mercado é mais importante do que a participação nas decisões de cunho político. O dissabor que nos assola está intimamente associado ao fenômeno mundial da despolitização e do espetacular desmonte das organizações sindicais. Logo, como sorrir diante de um quadro social tenebroso? Como ter esperança quando a sociedade civil está mais preocupada com a sua cotidiana (sobre)vivência?

Não quero ser pessimista ou desmancha-prazer. Esta é uma época que voluntariamente ou não somos tomados de uma contagiante esperança no futuro. Muitos e muitas, certamente, reorganizam e limpam gavetas. Despacham móveis antigos. Pintam a casa com cores vivas, convidam amigos e familiares para a ceia, trocam presentes, estabelecem metas para o ano seguinte, etc. Mas, assim como Dickens conseguiu esboçar, literariamente, uma nesga de esperança numa sociedade industrial embrutecida, nós, brasileiros(as), precisamos mais do que nunca nos sentirmos pertencentes a este país. As manobras da sociedade política, os bolsões de miséria, os conchavos entre grupos oligárquicos regionais, baixa escolarização e a violência sem limites, continuam sendo as nossas inconclusas tarefas de um Brasil que desejamos mais feliz, socialmente equânime e ético!

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