terça-feira, 12 de dezembro de 2006


Quando morre um ditador

Jéferson Dantas â



A morte do ditador chileno Augusto Pinochet aos 91 anos de idade é emblemática para a América Latina. Se, por um lado, todos(as) que sofreram com as perseguições políticas, torturas, mutilações e assassinatos de familiares sentem-se aliviados(as) com o desaparecimento do ditador, não se pode afirmar que é um sentimento compartilhado por todo povo chileno. O que mais me chamou a atenção nas capas dos periódicos nacionais e internacionais no funeral de Pinochet foi a representatividade significativa de jovens em sua despedida, grande parte nem era nascida quando Salvador Allende foi derrubado por um golpe de Estado.

O que isso quer nos dizer? Um primeiro aspecto a ser analisado é a longevidade dos ditadores na América do Sul. Recentemente, o ditador paraguaio Alfredo Stroessner morreu no Brasil com 93 anos de idade. Médici, Geisel e Figueiredo no Brasil também foram longevos. Quando morre um ditador fecha-se um ciclo histórico, mas não se arranca, definitivamente, páginas sangrentas de nossa história. Um segundo aspecto a ser elucidado é a frágil sensação coletiva de que a economia e a segurança nacional foram generosamente contempladas nos anos que os ditadores governaram. Aliás, para os conservadores e as oligarquias regionais do Brasil, a ditadura militar foi pródiga, acentuando o mar de corrupção, favoritismo, clientelismo e repressão sistemática aos desafetos.

Nesta direção, os locais de memória (escolas, museus, universidades, arquivos públicos) são importantes territórios de elucidação dos crimes cometidos em nome da Ditadura ou lugares em que se reforça a heroicização da brutalidade e da arbitrariedade sem limites. Pinochet divide afetos no Chile e, por ter se declarado um homem cristão, seria incapaz de cometer crimes bárbaros em nome de seu governo. A ameaça da comunização na América Latina era o argumento mais utilizado para o uso da força, do regime do medo, da delação e da violação dos direitos humanos. O desaparecimento de Pinochet carrega, simbolicamente, esta necessidade de repisarmos o terreno da história na América Latina sob uma nova perspectiva sócio-cultural, tomando o devido cuidado de não sacralizarmos ditadores post mortem.

â Historiador. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador do GTEC - Grupo de Trabalho - Estudos do Currículo - da Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz E-mail: clioinsone@gmail.com

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