quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A lógica da "cegueira"




Por Jéferson Dantas

O livro “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago e recentemente levado às telas pelo diretor brasileiro, Fernando Meirelles, é uma metáfora extremamente lúcida da incapacidade humana em construir laços de solidariedade, mesmo diante de uma tragédia comum. Saramago relata com bastante sensibilidade como as pulsões mais instintivas e/ou bárbaras corroem uma sociedade pautada no desprezo à vida e ao seu semelhante. Uma explosão anômica sem precedentes, que não escolhe grupo social, gênero ou etnia.

A lógica da “cegueira humana” se configura, nesta direção, na incompreensão coletiva de como se engendram todas as formas de exploração de homens, mulheres e crianças; o porquê de existir tanta desigualdade social e concentração de renda; e a naturalização da violência em suas dimensões física e simbólica. É esta mesma cegueira que inviabiliza lutas sociais mais consistentes; que lança à margem àqueles/as que nunca terão acesso ao processo de escolarização e, que por esta mesma razão, correm o risco de serem inempregáveis e mais propensos à indigência.

Contraditoriamente, combatemos, exaustivamente, nossos pares. Plantamos e semeamos a discórdia e nos vangloriamos de representarmos lideranças desagregadoras. Sabotamos projetos alheios e nos aliamos a determinadas concepções políticas que favorecem a acumulação do capital privado à custa da produção coletiva pública. Nossos interesses se definem tão-somente naquilo que é mais imediato e, portanto, totalmente descolado dos nexos históricos que medeiam nossas relações laboriais e afetivas.

Uma sociedade sitiada pela cegueira metafórica é promotora de todos os desmandos nas áreas política, econômica e cultural; não por acaso, o mundo está em crise pela arrogância dos ‘mercadores de almas’, que decidem quem poderá comer hoje e amanhã. Os danos são irreparáveis e inconseqüentes. E enquanto isso os/as cegos/as marcham incólumes, embrutecidos, esperando, quem sabe, uma redenção metafísica atemporal, a-histórica, desprovida de toda e qualquer materialidade.

Um comentário:

Bianca Melyna disse...

Mesmo já conhecendo a metáfora saramaguiana, saí do cinema sentido-me mal. Acho que se alguém que imerge nesta narrativa sai tranqüilo, é porque há algo de muito errado. E, sabemos: há.