sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A compreensão histórica das cotas



Por Jéferson Dantas


Para os/as que defendem uma competitividade em regime de ‘igualdade’ nos processos seletivos de ingresso ao ensino superior, as políticas de cotas devem ser, energicamente, combatidas. Tal lógica, todavia, encontra argumentação na idéia de que as cotas ‘beneficiam’ os afrodescendentes, quando deveria sim, vincular a qualidade da educação básica a todos os brasileiros, tornando todos/as aptos/as ao ingresso no ensino superior. Tal desejo foi fomentado pelos signatários do Manifesto escolanovista de 1932, que defendiam a ‘hierarquia das capacidades individuais’ num país essencialmente agrário e que não tinha qualquer projeto de inclusão social aos afrodescendentes. Cabe lembrar que a escolarização básica garantida pelo Estado brasileiro tem, praticamente, apenas setenta anos de existência formal (com mais tropeços do que acertos).


Se, ao mesmo tempo, compreendemos que as ações afirmativas ou as políticas de cotas representam uma atenuante (um ‘meio’ e não um ‘fim’ em si mesmo, conforme expressão do educador Petrônio Domingues), devemos também atentar ao processo de exclusão, humilhação e expropriação das comunidades afrodescendentes no Brasil ao longo de séculos. As condições gerais de trabalho e escolaridade destes grupos sociais continuam sendo muito inferiores aos dos brancos, denotando um racismo pela via ‘fenotípica’. Somente no estado de São Paulo, a expectativa de vida dos negros em pleno século XXI não chega aos 55 anos, tendo em vista suas precárias condições de existência material. Deste modo, ainda que juízes ou advogados compreendam, precariamente, que as cotas étnicas representam uma excrescência jurídica (já que não é possível determinar, geneticamente, quem é branco e quem é negro), o que está em jogo, fundamentalmente, é um processo histórico de racismo velado e cinicamente desconsiderado por determinada parcela da opinião pública.



Nesta direção, numa sociedade pautada no consumo e na competitividade, fica evidente que os ganhos sociais devem pertencer a um número cada vez mais reduzido de indivíduos. Estão fora de questão as discussões de fundo histórico, porque o que está em jogo são os interesses privados; os interesses coletivos se tornam uma ‘abstração’, e a pobreza e/ou a miséria são tratadas como algo alienado de todas as relações sociais existentes.



Concordo e defendo que a educação básica pública deve ser radicalmente qualificada, entretanto, as políticas de cotas também favorecem um debate profundo mal resolvido, repleto de feridas não suturadas. É quando se põe em tela a situação dos/s negros/as neste país que podemos vislumbrar as ações afirmativas não como um benefício de ‘mão beijada’, mas como uma das várias ações de reconhecimento sócio-histórico-cultural de todas estas comunidades envolvidas. Como nos ensina o filósofo húngaro István Mészáros, o princípio da igualdade na sociedade burguesa é apenas ‘legalista-formal’, destituído de caráter histórico e de mediações dialógicas.

2 comentários:

nirah disse...

Complicada e polêmica esta questão. Lembro-me anos atrás, ao ser entrevistada, posicionei-me contra a política de cotas. Pra mim era simples: as cotas eram algo como um atestado de burrice. Não é isso que resolverá os 500 anos de desigualdade no Brasil.
Hoje fico em dúvida. Por um lado, é uma medida "reparadora". Por outro lado, vemos alunos "negros" sendo aprovados para medicina, por exemplo, com metade da pontuação dos demais candidatos. Não seria melhor reforçarmos a educação básica e dar chances iguais para todos?


Beijo!

Anônimo disse...

Comecei a escrever um comentário e ele acabou virando um texto.
Leia aqui.