domingo, 23 de março de 2008

O TRIUNFO DO PRAGMATISMO


Por Jéferson Dantas



Tem sido bastante comum e até mesmo reincidente a aparição de jornalistas e/ou articulistas na mídia de massa que promovem o “discurso da desqualificação”. Tal estratégia da desqualificação nos termos utilizados pela filósofa Marilena Chauí tem um firme propósito: enterrar os dissensos e as falas coletivas discordantes. Portanto, o fatalismo contido nestes discursos impregnados pela ‘lógica do capital’ acenam para a desmobilização social e o triunfo inconteste do pragmatismo.

O sociólogo Carlos Eduardo Sell no caderno AN Idéias de 23 de março de 2008 confronta a validade epistemológica do pensamento marxiano/marxista de uma forma completamente anti-dialética (para não dizer reducionista). Afirma o sociólogo: “Do ponto de vista de sua estruturação lógica, o legado de Marx foi superado pela direção tomada pelo pensamento filosófico e científico contemporâneo. Sob o aspecto filosófico porque o pensamento contemporâneo sofreu, ao longo do século 20, o que se chamou de linguistic turn ou giro lingüístico [...]”. Sell simplesmente enterra a dialética ao compor sua argumentação fundamentada numa suposta ruptura epistemológica que não daria mais vez à compreensão histórica marxista. E, complementa o seu raciocínio, enfatizando que o pensamento marxista – por ser determinista e, portanto, positivista – não teria instrumentos teóricos e metodológicos para confrontar as visões “pós-modernas” da ciência. O sociólogo quer nos convencer de que o materialismo histórico está de fato sepultado, sem discutir o caráter emancipatório da condição humana presente neste construto teórico.

Sell confunde socialismo com ‘socialismo real’. Evidente que Marx teve limites de alcance teórico, caso contrário, contentar-se-ia com exercícios de futurologia. Como bem assinala o filósofo húngaro István Mészáros no seu estudo A Teoria da Alienação em Marx, os detratores marxianos procuram julgá-lo por aquilo que ele não foi ou que não conseguiu teorizar, afinal, é muito mais cômodo expressar juízos de valor do que discutir suas proposições. Entendo que aí residem minhas discordâncias de Sell: estaria o sociólogo fazendo uma comparação grosseira do ‘socialismo real’ do ‘socialismo científico’? Baseado em que fundamentação teórica é possível afirmar que o socialismo científico apresenta um viés puramente economicista ou mecanicista? Não se deve levar em consideração as apropriações realizadas em nome da obra marxiana ao responder a estes aspectos? De que ‘marxismos’ ou ‘pós-marxismos’ estamos falando?

Carlos Eduardo Sell refuta o socialismo porque compreende tacitamente que do ponto de vista político e histórico, o mesmo não representou uma alternativa aos regimes liberais. Pelo contrário. O socialismo suprimiu a democracia pelas vias stalinista, maoísta ou castrista e demonstrou, empiricamente, sua ineficácia no que concerne à produtividade econômica e eqüidade social. A ‘redenção’ teria vindo no final da década de 1980 com a queda do muro de Berlim e os regimes socialistas no leste europeu, assim como o fim da União Soviética em 1991.

A “profunda revisão dos paradigmas existentes”, da qual o sociólogo nos convida a enveredar, não pode se dissociar – como num passe de mágica ou a partir de uma análise transcendente – do inventário teórico de Marx e seus estudiosos. Concordo que precisamos reavaliar as apropriações e os limites do pensamento marxista, mas não posso concordar com a ausência de alternativas à lógica do capital, pois aí sim, estaremos reproduzindo valores voltados à competitividade desenfreada, exploração incessante da força de trabalho e destruição abusiva dos meios naturais.

Sepultar Karl Marx (1818-1883) ou silenciá-lo teoricamente é estar de acordo com visões parciais de mundo; é estar comprometido politicamente e ideologicamente com os pragmáticos que, não por acaso, abrigam-se no legalismo jurídico formal e em certa sustentabilidade calcada no ‘capitalismo solidário’. Para Mészáros todo reformismo de cunho liberal não passa exatamente disso, ou seja, de medidas paliativas que não levam em consideração mudanças efetivamente estruturais no corpo social. Entre a possibilidade de um mundo mais justo e igualitário (que não deve ser confundido com utopia) e um mundo do fatalismo, os pragmáticos optaram por este último, tendo em vista que a internalização permanente da alienação coletiva é incapaz de elaborar um projeto histórico “para além do capital”.

Um comentário:

Bianca Melyna disse...

Gostei do texto, Jéferson, apesar de que ainda sou mais 'bakuniniana' do que marxista.

Abraços!